Tem cabimento o Santo André demitir o técnico Toninho Cecílio depois de seis rodadas da Série A do Campeonato Paulista, período no qual a equipe ganhou seis dos 18 pontos em disputa? Por que, então, o São Bernardo não tomou decisão semelhante com o técnico português Sérgio Vieira, também após seis rodadas e também seis pontos conquistados? É claro que tem cabimento. É claro que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
A explicação é simples: o Santo André desmoronava a cada rodada, enquanto o São Bernardo mostra solidez suficiente para sugerir que os seis jogos que restam não deverão cavar a sepultura do rebaixamento, destinada aos dois últimos colocados na classificação geral de uma competição que conta com 16 participantes.
A direção do São Bernardo, portanto, mostra que tem juízo ao preservar um treinador que deu personalidade tática à equipe e que, pelo andar da carruagem, dará mais provas de consistência nas rodadas que restam. Já a direção do Santo André também acertou em cheio. Não só porque o comando de Toninho Cecílio se esgotara numa série de barbeiragens na definição individual e coletiva da equipe, mas principalmente porque deu um tiro certeiro ao contratar Sérgio Soares como substituto. Só Sérgio Soares poderá, em curto período, dar arrumação coletiva ao Santo André na luta para fugir da queda à Série B do ano que vem. Se com Sérgio Soares não se alcançar o objetivo básico, de fuga do descenso, é porque o grupo de jogadores seria limitado demais.
Sucesso ano passado
Sérgio Soares chega ao Santo André com a bagagem repleta de credibilidade não só pelo passado no próprio clube (foi vice-campeão paulista em 2010 contra o Santos de Neymar e Ganso) mas também porque no rival São Bernardo, ano passado na mesma Série A, retirou o time do rebaixamento e o colocou na fase de mata-mata, quando foi superado pelo Palmeiras.
A propósito da passagem vitoriosa de Sérgio Soares pelo São Bernardo, recorro a trechos de uma análise que fiz em 5 de abril do ano passado sob o título “Seleção da região tem domínio de São Bernardo e São Caetano”. Leiam:
Dez dos 11 jogadores que estou escalando para formar a Seleção da região desta temporada do Campeonato Paulista da Série A e da Série B atuaram pelo São Bernardo (seis) e pelo São Caetano (quatro). O outro é do Santo André. O Água Santa não tem nenhum representante. O técnico é Sérgio Soares, do São Bernardo. (...) Fosse possível colocar esse time em campo, provavelmente a região teria uma das melhores equipes dos últimos anos. O sistema que uniria o grupo é o 4-1-4-1, adotado por Tite no Corinthians e que aos poucos vem sendo adaptado por outros treinadores. São modelos replicantes ainda embrionários, mas com tendência de compor nova escola conceitual no futebol brasileiro, da qual dificilmente os chamados cabeças de área, os volantes brucutus, terão vez em equipes com pretensões mais ambiciosas do que simplesmente jogar no erro do adversário. O São Bernardo entra como o maior fornecedor de jogadores da seleção da região porque teve a capacidade de se reciclar em plena competição. De concorrente seríssimo ao rebaixamento sob o comando do técnico Roberto Fonseca, a equipe mudou completamente desde a chegada de Sérgio Soares, treinador que levou o Santo André ao título de vice-campeão Paulista em final contra o Santos. Sérgio Soares não só retirou o São Bernardo da zona de rebaixamento como o levou a disputar uma vaga nas quartas de final na rodada deste domingo contra o Palmeiras. Nada mais natural para quem introduziu sem medo uma série de mudanças na equipe. Sérgio Soares arranjou espaços para Cañete e Jean Carlos jogarem juntos e se completarem no meio de campo. Retirou Magal da inutilidade de atacante e o tornou eficientíssimo como lateral de vocação, com bom aproveitamento ofensivo. Definiu-se pela dupla de zagueiros com Diego Ivo e Luciano Castãn, que também se encaixam. Errou quando assumiu a equipe e escalou o jovem Luiz Daniel no lugar do experiente Daniel do gol. No jogo seguinte, ante os erros de Luiz Daniel, voltou ao que era antes. Fixou Eduardo na lateral-direita, em vez da improvisação à esquerda da defesa. Marino passou a exercer funções de segundo volante -- e também foi escalado como primeiro volante em substituição ao tosco Daniel Pereira. Henan foi mantido como titular do comando do ataque e já não se afastou tanto da área, embora tenha mobilidade. Descobriu Walterson e Tatá como opções de ataque. Mas, muito mais importante que tudo isso, Sérgio Soares colocou o São Bernardo no ataque. Chegou a desprezar os riscos ao escalar a equipe sem ao menos um volante brucutu como Daniel Pereira. Perdia o jogo para o São Paulo, substituiu um volante pelo atacante Tata e obteve os três pontos. Repetiu a experiência em outros jogos.
Acerto tático
Pois é esse treinador que o Santo André chamou em regime de emergência. Não há tempo a perder. Nem sempre a história de sucesso se repete, mas no caso de Sérgio Soares basta um acerto tático geral para resolver o maior drama do Santo André: a queda para a Série B da temporada do ano que vem. É verdade que Sérgio Soares vai pegar uma equipe que se confunde com escombros. Toninho Cecílio foi pretensioso demais ao projetar um Santo André classificado à etapa decisiva. Esqueceu que a luta é contra o rebaixamento em primeiro lugar, em segundo lugar e em terceiro lugar. O resto é lucro.
Os experimentos de Toninho Cecílio deram com os burros nágua. Escalou um time ultradefensivo com até três volantes, escalou um time com três zagueiros, escalou um time com dois centroavantes que não jogaram como centroavantes e por fim escalou contra o Linense na derrota fatal um time praticamente sem volante, porque Dudu é um segundo volante e quem conhece futebol sabe que segundo volante e primeiro volante são especialidades apenas semelhantes, não iguais. Um exemplo: peguem Paulinho, aquele que jogou no Corinthians, e o coloquem de primeiro volante. Aliás, peguem qualquer segundo volante e o coloque de primeiro volante para ver que estrago defensivo acontecerá. As exceções confirmam a regra.
A vantagem de Sérgio Soares é que disporá de um elenco aparentemente talhado às suas prioridades doutrinárias. Soares prefere jogadores rápidos, habilidosos, versáteis, com os quais desenha um time atrevido no ataque e suficientemente responsável na defesa.
Números comprovam
Os números do ano passado do São Bernardo não me deixam mentir. Quando Sérgio Soares foi contratado a equipe estava na zona de rebaixamento (então, eram seis os integrantes do bloco, contra apenas nesta temporada, embora o número de participasse fosse 20 e não apenas 16 como agora), marcara apenas quatro gols em seis jogos, sofrera oito e somara seis pontos em 18, com aproveitamento de 33,33%. Quando terminou a fase classificatória, Sérgio Soares colocou o São Bernardo entre os oito melhores da competição com 18 gols marcados e 13 sofridos sob seu comando. A média de gols marcados do São Bernardo sem Sérgio Soares foi de 0,66 por jogo e com Sérgio Soares atingiu 2,00. Os gols sofridos praticamente foram congelados: 1,33 com o antecessor e 1,44 com Soares.
O técnico que o São Bernardo tem evitado colocar no olho da rua porque há juízo na direção do clube não é um Sérgio Soares na forma de definir o modelo de atuação-base. Sérgio Vieira, o português de fala mansa, prefere um time mais esquematizado em padrões convencionais. Joga com larga margem de segurança defensiva, mas não abdica do ataque, embora o faça sem a volúpia de Soares. Os últimos resultados negativos do São Bernardo foram contra equipes poderosas (Palmeiras, Mirassol e Ponte Preta) mas em nenhuma das atuações se revelaram dificuldades insuperáveis.
Pelo contrário: o São Bernardo merecia ganhar alguns pontos nos jogos porque sustentou um vigor tático e técnico muito acima da média dos times do mesmo porte. A torcida da Ponte Preta se irritou no sábado de Carnaval com as dificuldades impostas pelos visitantes. Cometeu-se ali o pecado do desprezo: a Ponte Preta é grande entre os pequenos e médios do futebol brasileiro, mas pode sim ser surpreendida por um adversário bem organizado como o São Bernardo.
Mais ofensividade
O que está a faltar ao São Bernardo para desabrochar de vez no campeonato é soltar as amarras ofensivas. É preciso surpreender os adversários. Todos sabem que o falso centroavante Edno é chamariz para os companheiros que penetram em diagonal ou pretendem se infiltrar pelo miolo do gramado. Os volantes Vinícius Kiss e Geandro podem aparecer mais vezes no ataque, principalmente pelo meio e nas ações laterais de ultrapassagens e triangulações.
Mas o conjunto do São Bernardo esculpido por Sérgio Vieira é muito superior à bagunça deixada por Toninho Cecílio no Santo André. Isso quer dizer que o estágio de arrumação coletiva do São Bernardo é muito mais avançado em confronto com o Santo André.
Embora iguais na classificação, o São Bernardo reúne a vantagem de um histórico mais estruturado nas seis rodadas anteriores. Parece pouco, mas faz diferença quando há apenas seis jogos pela frente para a definição das duas equipes que vão cair.
Há três adversários abaixo dos dois representantes da região, mas a distância de pontuação é mínima. Sérgio Soares dificilmente evitará que o Santo André entre na zona de rebaixamento na rodada de final de semana, quando enfrenta o São Paulo no Morumbi. Exceto se repetir a façanha do ano passado, quando o São Bernardo virou o jogo no Morumbi com mudanças ousadas. Com Sérgio Soares no banco de reservas há uma certeza latente: o Santo André não será um time de mesmices. Com Sérgio Vieira no banco do São Bernardo também não há dúvidas de que a torcida verá um time que não tem cara de rebaixamento.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André