Acabou o calvário de quatro anos do São Caetano na Série B do Campeonato Paulista. A vitória surpreendentemente folgada de três a zero na noite de ontem no Estádio Anacleto Campanella contra o Rio Claro não só colocou a equipe do técnico Luiz Carlos Martins na Série A do ano que vem como garantiu a disputa do titulo desta temporada contra o Bragantino (o outro semifinalista vencedor) diante de sua torcida, neste final de semana. Com o acesso, o São Caetano substitui o São Bernardo como representante da região no principal campeonato estadual do País. O Água Santa nadou, nadou e morreu na praia do Distrital do Inamar ao perder nas cobranças de penalidades máximas para o Bragantino, após devolver a derrota de um a zero em Bragança Paulista.
O São Caetano deixa a Série B depois de 80 jogos, 37 vitórias, 21 empates e 22 derrotas. Nesse período, marcou 103 gols e sofreu 70. O aproveitamento de 55% dos pontos no cômputo geral foi comprometido pela campanha de 2014, logo após o rebaixamento, quando, por pouco, o São Caetano não caiu para a Série C.
Nas três temporadas seguintes o São Caetano disputou os primeiros lugares até a última rodada, sempre sob o comando do técnico Luiz Carlos Martins. A vitória de ontem foi uma associação de tática e pragmatismo diante de um adversário superior na posse de bola, mas sem inteligência e eficiência do adversário.
Tempos diferentes
Ainda é muito cedo para afirmar que o São Caetano está solidamente a caminho de uma reconstrução que começou assim que foi desalojado da Série A do Campeonato Brasileiro, em 2007. Mas é certo que o estágio atual é o encontro da realidade orçamentária com o realismo competitivo.
Não se reestrutura um clube sensação do futebol brasileiro no início deste século sem passar por sacrifícios, sofrimentos e decepções. Ao finalmente voltar à elite do futebol paulista o São Caetano pode iniciar a retomada de um projeto de nacionalização do calendário perdido. Entretanto, as amarras das dificuldades emergirão.
O futebol brasileiro sofreu mudanças drásticas com a valorização das grandes marcas -- os clubes grandes e também os clubes médios. O naco de recursos financeiros das transmissões dos jogos privilegia quem tem mais tradição e torcida. Os clubes da Capital são a grande maioria dos integrantes da Série A e da Série B do Campeonato Brasileiro. Onde há retransmissoras das grandes redes também viceja o futebol profissional mais forte.
Portanto, imaginar que o São Caetano reviverá o passado de glórias é sonhar alto demais. Há mata-burros muito além dos limites da agremiação. O melhor mesmo é manter os pés no chão e comemorar a libertação do calvário da Segunda Divisão de São Paulo.
No ano que vem o São Caetano não ocupará a grade de futebol estadual apenas nas rodadas decisivas, como na Série B do Paulista, ou em situações esporádicas durante a competição. O valor da Série A Paulista está muito além, portanto, do que se passa no gramado. A TV faz a diferença. Peguem os balanços dos grandes clubes brasileiros e anotem o quanto representa o naco de patrocinadores direta e indiretamente de olho nas telinhas.
A construção do sucesso
A vitória de ontem à noite contra o Rio Claro foi construída ao longo dos últimos anos de uma reestruturação silenciosa, humildemente assimilada pela direção do São Caetano. Luiz Carlos Martins é um treinador metódico, trabalhador, insistentemente obediente ao pressuposto de que mais que convencer, o importante é vencer. Ao São Caetano de futebol fluente do começo do século interessava nessa entressafra de estrelato a essência do futebol – resultado, resultado e resultado.
E foi assim contra o Rio Claro. Martins imobilizou um time que faz da troca de passes em velocidade, principalmente pelas laterais em duplas e em trios. A escalação de três volantes foi decisiva. Ferreira e Régis cuidaram das extremidades. Reforçaram a marcação dos laterais enquanto Esley, a alma viva da equipe, voltava à condição de titular após contusão. Ele fechou a entrada da área pelo meio.
Estava cumprida a primeira etapa de um processo definidor do resultado. O sistema defensivo fechou todos os espaços. O Rio Claro estava manietado taticamente.
Combinado a esse plano defensivo, destacou-se o sistema ofensivo recheado de contragolpes para os velocistas Ermínio e Carlão, artilheiros da equipe, e principalmente, as bolas paradas. Geralmente com Alex Reinaldo a calibrar força e direção.
No primeiro gol, de Régis, de cabeça, após cobrança de falta na entrada da área, o cabeceio no lado oposto foi fatal. Eram cinco minutos apenas. Pouco depois, escanteio, batida de Alex Reinaldo na pequena área e o zagueiro Diogo, pressionado por um exército de azul de elevada estatura física, cabeceou contra a própria rede. No começo do segundo tempo, uma jogada rápida pelo meio terminou com o cruzamento de Paulo Vinícius e o complemento de Régis. O jogo estava liquidado. O que se deu depois foi apenas cumprimento do tempo regulamentar.
Contrariando o padrão
Longe de fazer campanha brilhante, o São Caetano aperfeiçoou metodologia que costuma dar bons resultados quando os três pontos têm significado muito mais amplo que uma simples vitória. O técnico Luiz Carlos Martins não abriu mão de convicções que muitos consideram defasadas quando não acompanhadas de sucesso na reta de chegada. O São Caetano é um time que não se importa com críticas.
Ontem mesmo antes de o jogo começar Martins era contemplado com restrições duras. Escalar três volantes – Esley, Régis e Ferreira – numa decisão em casa em que só a vitória interessava parecia heresia tática. Mas demoliu o adversário.
Como acreditar que um volante de muita força e pouca técnica como Régis, que atuou várias partidas no lugar do contundido Esley, marcaria dois gols num jogo decisivo? Pois marcou. A força do coletivo se sobrepôs à individualidade no São Caetano. Régis substituiu o mais qualificado Paulo Santos, meio-campista clássico e que se esforça muito para preencher os requisitos de marcação de Luiz Carlos Martins.
É verdade que o São Caetano perdeu muito durante todo o jogo em plástica. Jogadores como Paulo Vinícius, de brilho técnico saída das equipes de base, tiveram enormes dificuldades em encontrar espaço. Tudo porque o São Caetano optou por passes longos, sempre em busca de Ermínio e Carlão. Com três volantes de marcação seria mesmo improvável que o São Caetano se alimentasse de triangulações e combinações por aproximação. O Rio Claro esmerou-se em coreografias mais ricas e só ameaçou o gol de Paes depois de o São Caetano acomodar-se com a larga vantagem.
Água Santa sucumbe
O outro representante do futebol da região na semifinal da Série B do Campeonato Paulista se deu mal, mesmo jogando em casa. O Água Santa de Diadema venceu o Bragantino pelo mesmo placar da derrota como visitante no primeiro jogo do mata-mata (um a zero), mas caiu nas cobranças de penalidades máximas.
Não foi só o resultado durante o tempo regulamentar em Diadema que repetiu o que as duas equipes fizeram anteriormente em Bragança Paulista. O controle do jogo foi semelhante, agora em favor do Água Santa. Como o Bragantino deixou de definir a classificação em casa, o Água Santa também se excedeu em perder oportunidades de gols diante de sua torcida.
O técnico Jorginho Cantinflas tem toda razão quando afirma que o Água Santa deixou escapar a classificação e uma vaga na Série A do Campeonato Paulista na derrota em Bragança Paulista. Jogos de mata-mata costumam premiar equipes que, como mandantes, cumprem o que se convencionou chamar de dever de casa. Mandante do segundo jogo que perde como visitante, principalmente em competições em que o gol qualificado é desconsiderado, sofre carga adicional de responsabilidade.
Peso e paradoxo
Jorginho Cantinflas não disse, mas possivelmente poderia dizer que também há um peso adicional a estraçalhar os nervos dos mandantes que perdem o primeiro jogo de mata-mata fora de casa. Joga-se geralmente tudo para tirar a diferença, mas nem sempre há preparo psicológico a novo arranque, em direção a um resultado definidor que evite a etapa de penalidades máximas.
O Água Santa parecia sentir-se obrigado a fazer o segundo gol depois de chegar ao primeiro. Quando há componente complementar, chega-se ao paradoxo da dúvida. O Água Santa praticamente não correu riscos ao se lançar ao ataque, mas sempre há problemas quando uma equipe decide chegar ao gol adversário de qualquer maneira. Até que a ficha do comedimento aparece.
Levar o jogo para as penalidades máximas contando com um goleiro (Richard) da base do São Paulo, que supostamente teria aprendido muito com Rogério Ceni, parecia uma decisão menos arriscada. Talvez o Água Santa tenha se esquecido que Rogério Ceni se destacou mais como fazedor de gols de pênalti, não como defensor.
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