Esportes

Desembargador critica falta de
reciprocidade ao Santo André

DANIEL LIMA - 20/09/2017

O desembargador federal Antônio Carlos Cedenho marcou historia em Santo André. Foi o último presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que pode ser catalogado como representante legítimo da classe e da sociedade. Quem veio depois deixou muito a desejar, embora não faltassem jogadas de marketing de cunho político-partidário desavergonhado. Cedenho virou estrela quase acidental da festa de 50 anos do Santo André, segunda-feira à noite no Parque Poliesportivo do Jaçatuba. 

Cedenho quebrou a rotina de discrição. Solicitou o microfone durante o cerimonial, antes de o prefeito Paulinho Serra ocupar a tribuna. E disse a mais contundente das verdades da trajetória do clube: o Santo André deu muito mais a Santo André do que Santo André deu ao Santo André.

Cedenho tem autoridade formal e ética para falar. Mais que desembargador federal, é fruto de um período de institucionalidades que funcionavam relativamente bem. Tanto que, publicamente, reconheceu a ascensão na carreira profissional como resultado também do apoio recebido de forças regionais, notadamente de Santo André. 

Raízes presidenciais 

Durante a presidência na OAB, Cedenho deixou como herança a construção da sede da agremiação dos advogados, defronte ao Paço Municipal, e série de iniciativas. Participou ativamente do Fórum da Cidadania do Grande ABC. Foi um dos voluntários a distribuir panfletos nas ruas em defesa do voto regional. A Província dos Sete Anões, então Grande ABC, jamais elegeu tantos deputados estaduais e federais. 

Isto posto, está claro que Antônio Carlos Cedenho não foi um invasor no cerimonial do cinquentenário do Ramalhão. É muito mais sensato afirmar que o cerimonial cometeu gafe ao não consultá-lo sobre a possibilidade de pronunciar-se. Cedenho é torcedor e conselheiro do clube, tanto quanto de um grande da Capital. Mais precisamente daquele que todo mundo (ou seja, metade dos torcedores paulistas) gostaria que fosse desbancado no Campeonato Brasileiro. 

Refleti sobre a frase de Antônio Carlos Cedenho. Virei macaco de auditório, para ser mais preciso. Se houvesse um concurso para sintetizar a história do Ramalhão, talvez fosse perfeita como síntese crítica. Como síntese de integração, num projeto de fortalecimento da agremiação, ficaria com a expressão que usei no texto de ontem e Cedenho repetiu durante o cerimonial: “clube dos clubes”, numa referência direta à fundação da agremiação por dirigentes de dezenas de clubes amadores da cidade. 

Recado diplomático 

Cedenho não disse o que disse sobre a reciprocidade em falta da cidade ao clube porque à frente estava o prefeito Paulinho Serra. Cedenho é diplomático, conciliador e inteligente para não ferir suscetibilidades individuais.  

Possivelmente por conta do tiro indireto de responsabilidade geral ajuizada pelo desembargador federal, o prefeito tenha até adaptado o discurso aos convidados. Enfatizou torcida pelo Santo André desde os tempos de criancinha, levado pelo pai para assistir às finais do Acesso de 1981, quando mal completara oito anos. 

A frase de Antônio Carlos Cedenho martelou na minha cabeça. Demorou um pouco, além do normal, para pegar no sono. Certo mesmo é que o que Cedenho disse precisa ser repetido mil vezes sempre que o assunto for futebol em Santo André. E falar de futebol em Santo André precisa ser assunto diário.

O que sinto é que o débito de Santo André junto ao Santo André não será resgatado jamais. A conta deverá aumentar. O Município perde a cada temporada o que chamaria de identidade própria, cultura própria, amor próprio. 

Metade da População Economicamente Ativa trabalha fora da cidade. Essa evasão de cérebros agrava o estado de precarização da cidadania. Se Santo André conta com nacos relevantes da população mais influente equidistantes dos problemas corriqueiros, imaginem então das questões centrais. A mobilidade urbana ensandecida dinamita a agenda de inserção social dos profissionais do trabalho.

Evasão de cérebros 

Se nos tempos em que o Santo André estava inserido numa Santo André com vida econômica muito menos vulnerável à sangria de trabalhadores rumo a outros endereços municipais já era complicado massificar a torcida, o que esperar agora nesse inferno metropolitano? E, principalmente, com a fadiga de material de organizações sociais, econômicas e culturais entregues à completa inação ou submetidas ao encabrestamento dos administradores municipais e suas ramificações no Legislativo e nas forças de pressão do entorno.

Não fosse o quadro municipal (que também é regional e, portanto, vale para as demais agremiações profissionais que nos representam) uma montanha de obstáculos praticamente insuperáveis, o que dizer então como tentáculos de agravamento o cada vez mais asfixiante domínio das grandes marcas esportivas do Estado? 

Se no passado em que o Santo André foi concebido -- e mesmo tempos depois -- já era pesadíssimo disputar a preferência popular com os grandes da Capital, quando não se tinha a televisão como elemento desequilibrador, imaginem desde que futebol virou gênero de primeira necessidade na bolsa publicitária?

A disputa é complementarmente desigual e, portanto, torna o histórico do Santo André ainda mais impressionante. Sobreviver em meio a uma tempestade perfeita, de agentes locais e vizinhos a solapar projetos, é prova de resiliência do Santo André e dos demais clubes da região. E, principalmente no caso do Santo André, uma contundente demonstração de que o desembargador federal acertou na mosca quando se colocam na balança de ativos e passivos o desempenho em campo e a organização como clube associativo do Ramalhão.

Perspectivas sombrias 

Ao longo dos anos tivemos apenas um ou outro ensaio de tentativas de coalização de forças extracampo para fortalecer o representante do futebol da cidade e, por isso mesmo, a mais expressiva força cultural a lustrar a imagem do Município. Faltou acima de tudo capacidade organizacional para estabelecer vínculos permanentes e sistêmicos que revolucionariam o tecido esportivo de Santo André. 

O desembargador federal Antônio Carlos Cedenho mexeu num vespeiro de representatividade extracampo que merece cuidadosa observação. O Santo André de 50 anos completados agora possivelmente não resistirá a novos 50 anos com o mesmo ímpeto de competitividade num mundo do futebol cada vez mais concentrador de forças em torno das grandes agremiações. 

Está na hora de a cidade começar a mudar essa história. Lamentavelmente, duvido. Até mesmo porque debilitado internamente, com visíveis sinais de envelhecimento, o Santo André precisa, igualmente, reinventar-se. 

Memórias atualizadas

Para completar, o texto que publiquei na edição de ontem sobre os 50 anos do Santo André, produzido a toque de caixa no final de semana, está em constante atualização. O que quero dizer como isso é que colaboradores mais ou menos antigos da agremiação têm participado com mensagens, recomendando algumas correções que não interferem no conjunto da obra. 

Já esperava por isso, dada as características daquele trabalho. Uma correção que serve de exemplo: Hernanes, do São Paulo, é o nome graficamente correto, ao invés de Hernandes. Aliás, embora tenha jogado uma ou outra partida como lateral-esquerdo no Santo André no começo de carreira, emprestado pelo São Paulo, lembram meus corretores de texto que na maioria das partidas atuou mesmo de ponta-de-lança e até de centroavante. 

Continuamos a contar com novas colaborações. A emergência submeteu o detalhismos a segundo plano, mas nada que não possa ser sincronizado após a publicação. Jornalismo digital tem essa vantagem sobre o jornalismo impresso. É possível restaurar sem deixar cicatrizes à posteridade. 



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