Administração Pública

Celso Daniel garante que vai ser
prefeito de toda a comunidade

DANIEL LIMA - 10/11/1996

O prefeito eleito de Santo André, Celso Daniel, engenheiro civil e professor da Fundação Getúlio Vargas, não se deixou encantar pelo volume de votos que recebeu em 3 de outubro e que lhe conferiu a maior votação em números absolutos e relativos do Grande ABC. Foram 205.317 eleitores, ou 61% dos votos válidos, que o recolocam a partir de 1º de janeiro no Paço Municipal de Santo André.

Aos 46 anos de idade e experiência de parlamentar federal de quase três anos de mandato, Celso Daniel transmite a impressão de que marcará nova gestão à frente da Prefeitura pela flexibilidade. Para começar, garante em tom firme que pretende administrar com o partido (PT), mas não sob as rédeas do partido, num aviso emblemático às bases mais radicais de que não vai repetir os descuidos de comando do primeiro mandato.

O Celso Daniel Bom de Voto quer também se consagrar como Bom de Governo. O rompimento com o passado recente de administrador vinculado demais ao Partido dos Trabalhadores não lhe provoca frases de rebeldia explícita. Com a polidez usual, afirma que não se prenderá a eventuais obstruções para nomear todos os membros do secretariado, os quais pretende anunciar até o final deste mês. Uma das primeiras providências depois da avalanche de votos de outubro foi reunir-se com os principais integrantes do PT em Santo André. Entre os assuntos abordados, posicionou-se quanto aos executivos públicos que vão lhe dar suporte técnico-operacional.

“Posso garantir que o nível de renovação do quadro de secretários em relação à primeira gestão é grande. E teremos pessoas não necessariamente vinculadas ao partido, mas sim comprometidas com nosso programa de governo”– disse Celso Daniel durante encontro informal com membros do Fórum da Cidadania, três dias antes de embarcar para a Europa, onde pretende colecionar novos exemplares de gestão pública para eventuais adaptações não só em Santo André, sua maior base eleitoral, mas em todo o Grande ABC, aí como integrante do Consórcio Intermunicipal.

Conceito de governança

A visão de Celso Daniel sobre administração pública conflita com os modelos usuais no Brasil. Ele é contrário ao Estado-todo-poderoso, em suas várias esferas: “É preciso mudar o conceito de governo para conceito de governança”– costuma afirmar. Isto quer dizer que quer trocar o autoritarismo histórico de administração pública de gabinete pela democracia da representatividade social. Neste ponto também antagoniza-se com os padrões socialistas que o próprio PT disseminou em várias de suas administrações pelo País. Celso Daniel chama atenção para o fato de que, desde o final da década passada, escreve artigos sobre a necessidade de horizontalizar as decisões públicas sem, entretanto, cair no extremo oposto do preconceito contra a classe de empreendedores e de estratos sociais mais nobres. Enfim, o novo prefeito de Santo André contesta o antigo modelo soviético de conselhos populares que exalam repulsa à integração de camadas sociais, econômicas e políticas distintas.

Recusando-se a assumir postura de liderança do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, por entender que isso significaria disputa de poder e de espaço político que não lhe interessa e que não convém a quem espera revitalizar o Grande ABC, Celso Daniel só antecipa que não lhe faltará empenho para dar ao organismo formado pelos sete prefeitos caráter de unidade que faltou na atual gestão. Elogiou Valdírio Prisco, atual presidente do Consórcio, pelas iniciativas tomadas, mas não deixou de lamentar a ausência coletiva dos demais. Embora não tenha dito formalmente, deu a entender que o desempenho do Consórcio Intermunicipal interrompeu processo de integração regional alcançado durante a gestão dos prefeitos que antecederam os atuais.

A unidade do Consórcio é prioritária para Celso Daniel, mas deve ser acompanhada, numa segunda etapa, da profissionalização de sua estrutura. A nova formatação incluiria também a participação deliberativa da sociedade civil, democratizando-se a responsabilidade de conduzir a necessária reviravolta sócio-econômica, atuando como instância suprema de planejamento estratégico do Grande ABC.

Nova identidade

O pretendido novo Consórcio Intermunicipal provavelmente, se depender de Celso Daniel, mudaria até de identidade. Teria outra denominação e se transformaria numa autarquia metropolitana do Grande ABC, com recursos financeiros próprios para desenvolver atividades de estudos, planejamento e obras individuais ou em conjunto entre os próprios Municípios ou também com a participação do Estado e da União. Enfim, comporia um novo arranjo institucional.

Esse fortalecimento intra-regional permitiria relação menos dependente do governo estadual. Celso Daniel não diz com todas as letras, mas a concepção de integração do Grande ABC não cede espaços para uma participação igualitária ou prevalecedora do Estado. Ele não hostiliza o governo estadual, ouve com atenção interlocutores do Fórum da Cidadania que falam sobre os avanços dos últimos tempos, entre os quais promessas de secretários estaduais de investimentos na infra-estrutura regional, mas a autonomia institucional do Grande ABC transpira em suas frases.

Tanto que critica o figurino adotado pela Baixada Santista, que já virou região metropolitana, segundo projeto do governador Mário Covas aprovado pela Assembléia Legislativa. A Baixada está criando autarquia pública que gerenciará a metropolização em parceria paritária com o governo estadual. Celso Daniel afirma que falta comunidade para avalizar a nova configuração jurídico-institucional de Baixada Santista. “Nesse ponto, estamos mais avançados, porque temos o Fórum da Cidadania como aglutinador da sociedade” — disse durante o encontro na Associação Comercial e Industrial de Santo André, referindo-se ao fato de que o avanço na Baixada Santista deu-se apenas entre a cúpula político-administrativa dos nove Municípios.

Espaço da cidadania

Celso Daniel teve também de explicar posição sobre a convivência entre o Fórum da Cidadania e a autarquia regional que pretende ver constituída: “Jamais disse ou insinuei que o Fórum devesse ser esvaziado. Pelo contrário: acho que é imprescindível a participação de representantes do Fórum da Cidadania nas ações de planejamento e deliberativas da autarquia. Não pretendemos cooptar ninguém. Nosso objetivo é participação com igualdade” — reforçou sua defesa.

Um dos sinais evidentes de que o Celso Daniel que venceu Duílio Pisaneschi nas últimas eleições é mais maduro que o Celso Daniel que derrotou o já falecido José Amazonas em 1988, e de que as amarras do PT não lhe prendem mais os passos, gestos e ações na mesma intensidade de antes, é a composição de secretariado não exclusivamente petista. Para quem não infere importância nessa decisão, basta dizer que o exclusivismo é uma das vacas sagradas de parcela ainda ponderável das bases do partido, extremamente corporativas. Celso Daniel reafirmou decisão de implantar no organograma da Prefeitura a Secretaria de Indústria e Comércio em caráter impostergável. “A economia é o tema-eixo de qualquer administrador que pretende ajudar a mudar a realidade do Grande ABC” — disse.

O ambiente descontraído do encontro na sala de reuniões da Acisa permitiu até especulações sobre o perfil do futuro secretário da área econômica. Celso Daniel não se furtou a dizer que quer um executivo público eminentemente operador e suficientemente versátil no relacionamento interpessoal para estabelecer negociações com os parceiros sociais. Mais não disse. Interlocutores do novo prefeito de Santo André acreditam que ele pode surpreender com um nome ligado ao setor empresarial.

Um dos que despontariam na bolsa de apostas é Fausto Cestari, diretor de metalúrgica em Mauá e coordenador-geral do Fórum da Cidadania. Cestari é habilidoso nos contatos pessoais, tem formação empresarial diferenciada porque ressalta aspectos sociais normalmente desprezados pela classe, provavelmente porque em realidade é mais médico pediatra que o convencional representante do capital, e alcançou grau de respeitabilidade que lhe franqueia todos os segmentos. Além disso, é velho amigo de Celso Daniel. Ambos jogaram basquetebol na Pirelli nos tempos de juventude. Fausto Cestari participou do encontro na Acisa, mas os demais interlocutores preferiram a discrição de não apontá-lo como secretariável. Diferente de Valter Moura, presidente da Associação Comercial e Industrial de São Bernardo, e Filipe dos Anjos Marques, presidente da Associação Comercial e Industrial de Diadema, apontados durante a reunião como virtuais secretários de indústria e comércio de seus Municípios.

Sempre na frente

A nomeação do economista Antonio Carlos Granado, ex-supersecretário na primeira gestão de Celso Daniel, também ganha força na bolsa de apostas. Homem de extrema confiança do prefeito eleito, bem articulado, Granado só não conseguiu indicação do PT para concorrer com Newton Brandão nas eleições de 1993 porque a ala sindical atropelou Celso Daniel e apoiou o então deputado federal e vice-prefeito José Cicote, pouco afinado com o Paço. Granado ainda estaria na alça de mira de Celso Daniel como eventual concorrente ao Paço nas próximas eleições e a Secretaria relacionada ao desenvolvimento econômico, potencialmente a de maior visibilidade na próxima gestão, lhe daria generosos espaços na mídia, bem como permitiria maior aproximação com representantes do capital, algo que o PT tem muitas dificuldades de alcançar.

Seja qual for o nome indicado — um sindicalista experiente preencheria o perfil descrito por Celso Daniel, mas carregaria carga de histórica beligerância entre capital e trabalho que não conviria ao marketing de aproximação entre o Poder Público e a iniciativa privada — o prefeito eleito de Santo André não deixou de acrescentar, com a sinceridade de quem é apaixonado por Economia, que exercerá pessoalmente espécie de supervisão especial da Secretaria, acima até da natural atribuição reservada a quem foi eleito para comandar o município. Celso Daniel reconhece que o futuro de Santo André e da região está nas linhas do desenvolvimento econômico.

Um bateria de encontros com sindicalistas, empresários, intelectuais e administradores públicos marca a viagem de Celso Daniel à Alemanha e à Itália. O prefeito eleito de Santo André embarcou no último 21 de outubro e só retorna em 8 de novembro. O roteiro da viagem não chega a lembrar a maratona da campanha eleitoral, quando chegou a cumprir 17 compromissos num mesmo dia, mas certamente será exaustiva. “Vão me sobrar o sábado e o domingo para descansar; afinal não sou de ferro”– brincou Celso Daniel, duas horas antes do embarque.

A viagem teria sido cancelada se Celso Daniel perdesse a eleição. Afinal, ele vai tratar de gestão pública e suas variáveis. Passará 21 dias no coração das grandes transformações que ocorrem na Europa, onde o Estado-do-Bem-Estar-Social está sucumbindo diante da globalização e onde o neoliberalismo não é visto como melhor alternativa. A grande interrogação que marca o mundo nestes dias, de fracasso do Estado e da graduação do livre-mercado, seduz Celso Daniel. Autorizado pela Câmara Federal, ele viaja em missão oficial mas todas as despesas constarão de sua contabilidade pessoal.

Cidade-irmã

Celso Daniel só não alimentou expectativas de que voltará com a bagagem repleta de novidades, “bem ao gosto da imprensa”. Ele vai enriquecer conhecimentos pessoais e profissionais na esperança de que possa somar também vantagens municipais ou regionais. Citou, para expressar esperança de que não ficará apenas no terreno da teoria, a aplicação de regime tripartide de debates sobre o Porto de Santos pela ex-prefeita Telma de Souza, quando fez viagem semelhante e conheceu o sistema portuário de Barcelona, na Espanha. Celso Daniel pretende propor ao prefeito de Sesto San Giovanni, no Norte da Itália, região onde concentrará contatos, o selo de cidade-irmã de Santo André, por observar semelhanças econômicas entre os dois municípios, igualmente industrializados e em processo de esvaziamento. Cidades-irmãs costumam trocar experiências em vários campos, num intercâmbio que Celso Daniel observa com atenção de quem sabe que a globalização veio para ficar.

Embora nem fale alemão e italiano, Celso Daniel seguiu para os dois países certo de que as dificuldades serão superadas por intérpretes colocados à disposição por organizações anfitriãs, entre as quais fundações privadas e públicas. Com fama de político em tempo integral, Celso Daniel provavelmente ocupará os sábados e domingos para consolidar projetos como novo prefeito de Santo André, a partir de 1° de janeiro.



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