Um time taticamente equilibrado, incapaz de grandes saltos durante um jogo, mas também pronto para resistir a oscilações comprometedoras. Um sistema ofensivo que não encanta, mas um sistema defensivo sempre pronto para neutralizar o ataque adversário. Um time que usa o recurso da infração como insumo tático. Um time que depende demais de dois atacantes para transformar estabilidade tática em gols. Um time combativo e unido que se contrapõe à ausência de um grupo de alto nível mesmo para uma competição de Segunda Divisão Paulista. Eis o São Bernardo que vai disputar uma vaga à Série A do ano que vem nos dois jogos com o Oeste de Barueri. Um time que jamais vi. Quer no estádio, quer na televisão.
Sei que há risco ao esculpir um time que não tive a oportunidade de acompanhar pelo menos meia dúzia de jogos, ou sobre o qual não troquei uma conversa sequer. Fui negligente? Talvez sim. A Série A me tomou muito do tempo que dispenso ao futebol. Não descansei os olhos dos resultados da Série B, mas não é fácil acompanhar tudo quando se tem muito a fazer. Vivo intensamente o jornalismo. Costumo dizer que sou cosmopolita numa região provinciana. Mas isso não interessa agora.
O leitor provavelmente estará a perguntar como posso ter definido o São Bernardo com pontos e contrapontos dos primeiros parágrafos sem ter visto um jogo sequer. Resposta? Os números não costumam mentir. E fui aos números do campeonato. Dispensei a última rodada em alguns quesitos. Escrevi este texto ontem, domingo, enquanto apenas hoje o site da Federação Paulista de Futebol vai atualizar alguns indicadores da competição.
Forças semelhantes
Não fico em cima do muro quando entendo que não deva ficar. Por isso não vejo o acesso do São Bernardo, segundo colocado na classificação geral após 15 rodadas da fase classificatória, como favas contadas. Estou preocupado. O perfil é diferenciado da equipe em relação ao primeiro colocado, Guarani, e do XV de Piracicaba, quarto colocado e adversário do time de Campinas num dos dois mata-matas. O São Bernardo assemelha-se ao do Oeste, terceiro colocado e adversário do time da região.
Fora a fortíssima oscilação do Oeste durante a fase classificatória, algo pelo qual o São Bernardo não passou, as duas equipes reúnem características macro táticas parecidas: marcaram praticamente o mesmo número de gols (20 do São Bernardo e 22 do Oeste) e sofreram gols sem grandes diferenças (11 do São Bernardo e 14 do Oeste). O índice de aproveitamento do São Bernardo, de 62,2% dos pontos disputados (ganhou 27 em 15 jogos) é apenas um pouco acima do registrado pelo Oeste (60,0%). O saldo de gols do São Bernardo conta com vantagem escassa – nove contra oito. O São Bernardo ganhou sete, empatou sete e perdeu apenas um jogo. O Oeste ganhou oito, empatou três e perdeu quatro.
O que supostamente seria um fator de maior taxa de sucesso do São Bernardo no confronto direto com o Oeste também o é como plataforma de inquietação. Trata-se, paradoxalmente, do fato de o time da região não ter passado por nenhum terremoto durante a fase classificatória. Diferentemente do Oeste. Quem estaria mais preparado para os dois jogos decisivos?
Dependência ofensiva
O São Bernardo de rendimento geral semelhante à de um coração intacto ou o Oeste que passou por cirurgia e se recuperou a ponto de terminar a fase classificatória com saúde equivalente à do adversário?
É muito pouco provável encontrar no futebol paulista desta temporada um time que, após 15 jogos, tenha o perfil do São Bernardo. Durante a fase classificatória o time sofreu apenas uma derrota, marcou pelo menos um gol em 14 dos 15 jogos (só não o fez ontem contra o XV de Piracicaba, no Estádio Primeiro de Maio, quando as duas equipes garantiram classificação) e em nenhum dos compromissos sofreu dois gols. O ponto fora da curva foram os três a um da derrota em Taubaté, quando perdeu a invencibilidade.
A fortaleza dos resultados do São Bernardo, entretanto, precisa ser relativizada. Em 60% dos jogos da fase classificatória (nove dos 15) a equipe marcou apenas um gol. Apenas é força de expressão, porque em oito desses jogos o São Bernardo ganhou ou empatou. Em 20% dos jogos (três em 15) o São Bernardo fez dois gols nos adversários. Já o sistema defensivo mostrou força: em 40% dos jogos (seis) não sofreu um gol sequer. E foi vazado uma vez no máximo em 53% dos confrontos (oito de 15 jogos).
Oscilação versus queda
Comparado ao São Bernardo, o Oeste apresenta desempenho errático na fase classificatória: chegou a ficar cinco jogos sem vitória. Não é pouca coisa numa competição de 15 jogos. Ou seja: o time viveu um inferno astral que começou na derrota em casa para o Penapolense por três a um, seguida de nova derrota em casa para o Nacional por dois a um, teve sequência no jogo seguinte em Limeira quando perdeu para o Internacional por um a zero, não saiu do zero a zero também fora de casa com o Audax (um dos rebaixados, juntamente com o Batatais) e completou a quina de infortúnios ao empatar de um a um em casa com o São Bernardo. O Oeste só não marcou um gol sequer em dois dos 15 jogos, mas sofreu pelo menos um gol em sete confrontos.
Há outro componente numérico que precisa ser considerado. O São Bernardo não acusou tremedeiras táticas na competição, mas a curva de rendimento na reta de chegada, que pode ser definida como os últimos cinco jogos, expõe fissuras que devem inquietar a direção. Quando a décima rodada terminou o São Bernardo liderava com 22 pontos, três à frente do Guarani, do Sertãozinho e do Penapolense, cinco a mais que o Nacional e sete acima do Oeste, o adversário da vez.
Cinco rodadas depois, a última da fase classificatória, o São Bernardo caiu para o segundo lugar geral com 28 pontos, perdendo a liderança para o Guarani com 31 e ameaçado de perto pelo Oeste, que chegou a 27, e o XV de Piracicaba, com 26, os quatro semifinalistas.
Reta de chegada
Traduzindo em miúdos: quanto chegou a hora da onça beber água, além de Sertãozinho e Penapolense perderem vagas, o São Bernardo sofreu baixa de rendimento, sem que se caracterize oscilação como a do Oeste durante a competição. A diferença de sete pontos em relação ao Oeste na décima rodada caiu para apenas um. Nesses últimos cinco jogos, o São Bernardo ganhou seis dos 15 pontos disputados (40% de produtividade), enquanto o Oeste acumulou 12 pontos (80% de efetividade).
O que se pode depreender de dados é que por mais que tenha oscilado na competição, o Oeste de Barueri não é um semifinalista qualquer. Ter ficado apenas um ponto abaixo do São Bernardo na classificação geral e também no saldo de gols sugere um enorme ponto de interrogação que deve estar a martelar a direção da equipe da região: o Oeste que disputará o acesso será o time daquelas cinco rodadas de fracassos e comprometimentos ou o time da reta de chegada de 80% de aproveitamento dos pontos disputados?
Sem contabilizar os dados mais detalhados da rodada de sábado, São Bernardo e Oeste não são tão diferentes assim no campo da combatividade. Aliás, os próprios números de gols sofridos provam isso – o São Bernardo sofreu 11 gols em 15 jogos e o Oeste, 14. No cometimento de infrações, o São Bernardo somou em 14 jogos o total de 230, contra 193 do Oeste.
Infrações táticas
Em média o São Bernardo fez no campeonato (sem contar o jogo de sábado) a média de 16,43% infrações, enquanto o Oeste cometeu 13,78. O que desnudam esses números? Desnudam que o São Bernardo usa a organização tática de forte poder de marcação para sustentar um sistema defensivo resistente, enquanto a dosagem do Oeste é menos intensa. O São Bernardo só perdeu no volume de faltas na competição para o Água Santa de Diadema, que cometeu uma a mais (231) sempre sem contar a rodada de sábado. Aliás, o Agua Santa venceu em casa o Internacional de Limeira por três a zero e escapou do rebaixamento.
Há um outro indicador a perscrutar as estranhas do São Bernardo e do Oeste. Aliás, a equipe de Barueri também não foi vista por mim em nenhum jogo da fase classificatória. Quando se colhe a lista de artilheiros da primeira fase, sem considerar a rodada de sábado, vê-se que o São Bernardo tem uma fragilidade em relação ao adversário: depende demais de dois atacantes (Alvinho e Willian) autores de 12 dos 20 gols da equipe – o primeiro fez oito e o segundo, quatro. São 60% de dependência. Contando os três gols de Francismar, os três artilheiros representam 75% dos gols da equipe. Índice muito elevado.
Está mais que na cara que o São Bernardo centraliza o sistema ofensivo nesses dois jogadores. E complementarmente no meia-atacante Francismar, que marcou três gols. É muito pouco, com o agravante de que os 20 gols marcados pelo São Bernardo só superam os 17 do XV de Piracicaba entre os quatro semifinalistas. O São Bernardo joga sempre na segurança defensiva e aposta na capacidade de ataque de um meia de armação e de dois atacantes, dizem os números.
Maior diversidade
Já o Oeste é mais bem aparelhado ofensivamente, porque tem mais jogadores na lista de artilheiros. Embora tenha feito apenas dois gols a mais que o São Bernardo, o Oeste conta com Mazinho (quatro gols), Bruno, Henrique e Índio (três gols cada) com maior efetividade no ataque. São quatro jogadores responsáveis por 13 gols, ou 59% de dependência.
Está certo que não parece haver algo que poderia desequilibrar o jogo a favor do Oeste, mas há sempre um ângulo preocupante quando uma equipe conta com um atacante responsável pela maioria dos gols. Alvinho, principalmente, deve ser objeto de preocupação maior do Oeste para tornar mais estéril o sistema ofensivo do São Bernardo. Já não se tem a recíproca em relação ao Oeste.
Os números dizem muito sobre a campanha de qualquer equipe, mas não dizem tudo. E o que supostamente faltaria poderá ser dirimido nos dois jogos decisivos entre São Bernardo e Oeste. Os dados não revelam a eficiência das equipes nas bolas paradas (tanto em faltas como em escanteios) e tampouco sobre os detalhes mais incisivos na construção de jogadas ofensivas, entre outras nuances.
Base de apoio
Certo mesmo é que com esses dados é possível acompanhar a decisão de uma das vagas do campeonato sem se sentir como náufrago. Esses dispositivos estatísticos colocam São Bernardo e Oeste em condições semelhantes de classificação. Sem se desconsiderar a probabilidade de surpresa embutida na oscilação do Oeste na competição e da queda de rendimento do São Bernardo nos últimos cinco jogos.
A situação é bem diferente do outro jogo das semifinais, entre Guarani e XV de Piracicaba. Além da distância técnica e tática expressa na classificação geral (o Guarani terminou em primeiro com 31 pontos, enquanto o XV somou 26) e também no saldo geral de gols (o Guarani com 13, resultado de 31 marcados e 18 contra, enquanto o XV registra saldo zero, resultado de 17 gols a favor e 17 contra), há também na lista de artilheiros uma funda desvantagem do time de Piracicaba: enquanto a equipe depende demais do atacante Everton, que fez sete gols (os demais ocupam as últimas posições com o máximo de dois gols), o Guarani exibe lista enorme a partir de Bruno Mendes com oito gol: Bruno, Denner e Erik marcaram cinco gols cada e Rondinelly quatro.
Houvesse uma casa de aposta, não teria dúvida em jogar todas as fichas no acesso do Guarani de Campinas. Quanto à outra equipe finalista e com acesso garantido à Série A, jogaria triplo.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André