O São Bernardo que vi em campo em transmissão de TV na noite de sexta-feira na derrota de dois a um contra o Oeste de Barueri é o time que projetei dias antes com base no que não vi em nenhum dos 15 jogos da fase classificatória, mas que desenhei após apanhado de dados.
Isso mesmo: arrisquei desenhar tática e tecnicamente um time sem tê-lo visto em campo ou na TV durante a fase classificatória. Ao ver o São Bernardo na TV pude constatar que os números, quando cuidadosamente avaliados, não mentem jamais. Podem não ser tudo no futebol, mas indicam caminhos a perscrutar. A equipe que finalmente pude acompanhar com meus olhos reúne informações importantes.
Resumo da ópera: a equipe tem tudo para repor a vaga deixada pelo Santo André na Série A do Campeonato Paulista, juntando-se ao São Caetano como representante da região. Ou seja: deve passar pelo Oeste e disputar o título provavelmente com o Guarani, que empatou sem gols o jogo de ida com o XV em Piracicaba.
Talvez o principal problema do São Bernardo no segundo jogo decisivo com o Oeste nesta terça-feira no Estádio Primeiro de Maio seja a ausência do goleiro Daniel. Quem acha que a simples troca do titular não impacta o sistema tático de uma equipe está redondamente enganado. Daniel é um caso raro no futebol brasileiro: ele é o ponto de equilíbrio da equipe não só pela experiência e conhecimento do grupo, mas sobretudo porque atua como espécie de líbero, adiantado, para complementar um sistema em que, quando o adversário tem a posse de bola e a transforma em contragolpe, os zagueiros avançam nos limites da linha intermediária defensiva.
Compactação defensiva
O São Bernardo é um time compacto por conta também da especialidade do goleiro Daniel. Sobram poucos espaços aos adversários da linha intermediária defensiva à linha de fundo. Daí a equipe exibir a melhor defesa do campeonato. Essa é a maior virtude do São Bernardo, mas não parece suficiente para que o jogo desta terça-feira seja um mar de rosas. O São Bernardo deve sofrer muito para chegar à Série A do São Caetano e dos times grandes da Capital.
Além da virtude de um coletivismo defensivo azeitadíssimo, o São Bernardo tem como ponto forte o lado esquerdo de ataque, confluência de jogadores que dificultam a marcação adversária. Quando principalmente Ricardinho e Fernando Júnior se movimentam pelo setor o risco ao adversário se eleva.
Dali saem as melhores jogadas e os cruzamentos aos atacantes William Lira e Alvinho. Foi por conta disso que o Oeste procurou minimizar os estragos ao deslocar o lento atacante Careca à direita para tentar acompanhar o lateral Fernando Júnior.
O contrapé tático do São Bernardo é a aridez à direita do ataque. O lateral Edvan não parece habilidoso e técnico para incomodar a defesa adversária, enquanto Judson é espécie de ponta falso, desses que voltam para marcar e organizar a equipe por dentro. Movimenta-se o tempo todo, mas quase não finaliza. É um articulador importante, mas não tem poder de definição.
Falta criatividade
A dificuldade ofensiva revelada pelo São Bernardo nos números do campeonato se expressa também porque o meio de campo que, além de Judson conta com os marcadores Jussa, Thiago Cesar e Matheus, não tem criatividade e frequentes bilaterais ou triangulares. A densidade ofensiva, portanto, não está à altura da ocupação espacial defensiva. Por isso o São Bernardo recorre à extremidade esquerda e aos lançamentos em diagonal para aos atacantes.
Alvinho e William não parecem contundentes para sugerirem desequilíbrio no placar, embora sejam responsáveis por 60% dos gols. Um portento relativo por conta da esqualidez ofensiva da equipe – como provam os números do campeonato. Aliás, sobre Alvinho, de quem falam maravilhas, no jogo em Barueri ele praticamente não tocou na bola. Dizem que é um meia-atacante veloz e finalizador. O Oeste lhe sonegou espaço na entrada da área. Wiliam é um atacante à moda antiga, de pouca técnica e lucidez contestável. Perdeu um gol no começo do segundo tempo porque mais parecia um zagueiro diante de quase 18 metros quadrados.
Francismar decisivo
O que impediu o São Bernardo de deixar Barueri com dois gols de desvantagem e praticamente fora de combate foi a entrada do veterano Francismar no segundo tempo em substituição a Thiago Cesar. O time do técnico Wilson Júnior perdeu parte do poder de combate então excessivo diante de um adversário recuado, mas ganhou um jogador criativo e técnico.
Francismar, livre de marcação, construiu as principais jogadas ofensivas a partir da posição de segundo volante sempre desmarcado pela esquerda. Quando o mesmo Francismar descontou em cobrança de penalidade máxima cometida no lateral Fernando Júnior, numa penetração em diagonal, o São Bernardo já merecia ter reduzido a diferença no placar. O Oeste optou no segundo tempo por preservar a vantagem confortável que, diminuída, virou um problema.
Talvez o São Bernardo construa vitória por pelo menos um gol de diferença nesta terça-feira (o que levaria a disputa à cobrança de pênaltis) na bola parada. As cobranças de escanteio, principalmente, revelaram um Oeste sempre mal posicionado. Tanto que quase sofreu o gol de empate.
Estilos diferentes
Embora os números das duas equipes na competição sejam semelhantes, como mostrei na matéria em que desvendei o São Bernardo no macro plano tático, há flagrantes diferenças em campo. O Oeste do técnico Roberto Cavalo valoriza mais a bola e constrói mais jogadas a partir do meio de campo. É tecnicamente mais qualificado que o São Bernardo. Mas perde na organização tática. Wilson Júnior dá ao São Bernardo amplitude coletiva muito superior às individualidades de que dispõe.
E foi esse o ponto crucial que impediu o São Bernardo de deixar Barueri praticamente fora do combate, após sofrer dois gols aos 24 e 25 minutos do primeiro tempo. O primeiro num erro pouco provável de posicionamento defensivo após cobrança de escanteio que encontrou um adversário livre na entrada da área, um chute forte que o goleiro Daniel defendeu e um outro atacante do time da casa completou para as redes. O segundo numa saída de bola precipitada de quem estava emocionalmente abalado com o gol sofrido, e um chute certeiro de fora da área.
O que pode decidir
Terão pesos decisivos a favor ou contra o São Bernardo no jogo desta terça-feira o desempenho do goleiro substituto de Daniel, a possibilidade de manter mais tempo em campo o articulador Francismar e a tradução das fraquezas de bolas aéreas defensivas do Oeste em jogadas letais.
Em contraposição, é preciso dimensionar até que ponto o Oeste do primeiro tempo prevalecerá em campo, já que no segundo abdicou de fustigar a defesa do São Bernardo. A posse de bola do time de Roberto Cavalo pode dificultar o aquecimento da temperatura em favor do São Bernardo. Um jogo decisivo que começa com a obrigação de tirar a diferença do jogo anterior passa obrigatoriamente pela confirmação dos fatores campo e torcida. Resta saber se o Oeste saberá controlar a temperatura diante de um adversário poderosíssimo do meio de campo para trás (mesmo com a fissura do lateral Edvan, também um marcador deficiente, sobretudo nas jogadas em diagonal), mas reticente quando tem necessidade de construir jogadas.
Como destaquei no texto de quem definiu o São Bernardo apenas por conta de indicadores gerais, não se deve desconsiderar como peso relevante na balança de possibilidades das duas equipes o desempenho nas últimas rodadas (cinco derradeiras da fase de classificação e o jogo de sexta-feira). O Oeste acumula melhores resultados e com isso, além da vantagem de um gol, pode estar em melhores condições emocionais.
O outro lado dessa moeda é que o São Bernardo não tem espaço para acomodação, embora precise controlar os nervos porque recebeu cinco cartões (um vermelho) no primeiro jogo, além de exagerar nas infrações táticas. O time de Wilson Junior joga um futebol sem firulas, pragmático, de resultados. Seria isso o bastante para encontrar o São Caetano no ano que vem?
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André