Esportes

Sobe uma nova
estrela na região

DANIEL LIMA - 05/09/1998

O São Caetano é a nova estrela do futebol profissional do Grande ABC. Dirigido de forma empresarial, em que prevalece o conceito de que cada jogador é ativo financeiro disponível para o mercado, o São Caetano dividirá com o Santo André no ano que vem as atenções no Campeonato Paulista da Segunda Divisão, o último degrau que separa a região do principal campeonato estadual do País e no qual desfilam os grandes Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos. Ao conquistar o título da Terceira Divisão na final contra o Taubaté, o São Caetano provavelmente inicia nova etapa no profissionalismo do Grande ABC porque instaura o princípio da concorrência, ou rivalidade, no esporte.


Com o São Caetano na disputa da Segunda Divisão, o Santo André, clube mais tradicional da região, certamente apressará o passo para voltar aos tempos de brilho e reconquistar uma torcida que anda arredia. Após consolidar-se como clube, com a construção do Poliesportivo do Parque Jaçatuba, o Santo André já pretendia voltar-se mais para o futebol. Agora, a ameaça da perda da hegemonia regional deverá tornar mais imediatistas algumas metas, a principal das quais o acesso à Primeira Divisão.


O modelo utilizado pelo São Caetano para subir de divisão profissional não guarda qualquer relação com o convencionalismo adotado pela maioria dos clubes. Embora o sistema não seja novidade no futebol brasileiro, ainda está longe do corriqueiro. Em realidade, a administração do clube antecipa-se à vigência da Lei Pelé, que prevê a transformação do setor de futebol profissional em empresa. No caso do São Caetano, um contrato com a Datha, empresa de representação comercial dirigida por José Carlos Molina, terceirizou a gestão do futebol e da divisão de juniores, categoria imediatamente anterior à profissional. Com apoio de fornecedores de produtos eletroeletrônicos, muitos dos quais clientes do Grupo Casas Bahia, a Datha Representações encontrou a fórmula de receitas de que precisava para contratar jogadores e comissão técnica e montar infra-estrutura física e organizacional que poucos clubes médios apresentam.


Chulapa, não! -- O acesso do São Caetano chega com um ano de atraso. Já em 1997 o planejamento e a execução foram empresariais. Desajustes internos, principalmente na filosofia da formação da comissão técnica que ainda reservava espaço para personagens tenebrosos como o ex-atacante Serginho Chulapa, levaram ao fracasso na etapa decisiva. Para resolver o problema foi contratado um técnico vitorioso -- Luiz Carlos Ferreira -- que acabara de levar a Matonense à Primeira Divisão. O treinador assinou inédito contrato de 29 meses, raridade num futebol profissional que não enxerga além do curtíssimo prazo, e iniciou os trabalhos de preparação da equipe no último trimestre do ano, quando a maioria dos clubes da Segunda e da Terceira Divisões praticamente desativam suas equipes. Os resultados não poderiam ser outro que não uma sucessão de vitórias. O São Caetano deu de braçadas do começo ao fim do campeonato, a ponto de na primeira final contra um Taubaté apoiado por 15 mil torcedores, no Vale do Paraíba, aplicar sonora goleada de 4 a 2. 


Depois, foi só garantir o até desnecessário 1 a O no jogo de volta, em São Caetano. Afinal, a equipe podia perder até perder até por dois gols de diferença para comemorar uma campanha que contabilizou 29 jogos, 18 vitórias, sete empates e quatro derrotas, 45 gols a favor e 21 contra. Um sucesso sem qualquer ligação político-administrativa, já que o prefeito Luiz Tortorello,  patrono da equipe nos tempos de clube-clube, virou apenas um torcedor agora com o clube-empresa. Torcedor privilegiado, é verdade, porque não perdeu a oportunidade para festejar o acesso no gramado junto com os jogadores, ao lado do filho candidato a deputado.  


Embora evite avaliação específica, não está no horizonte do Santo André do presidente Jairo Livolis qualquer fórmula de sucesso que lembre a do São Caetano. A privatização do futebol do clube é uma heresia para o dirigente. O sonho de Livolis é estabelecer parceria com uma empresa privada sob esquema semelhante ao do Palmeiras com a Parmalat, inclusive com cogestão do futebol profissional. Cogestão é uma terminologia que se usa para identificar o regime de parceria entre clube e empresa patrocinadora, no qual não há sobreposições de funções nem predomínio de posturas. A terceirização, como é o caso do São Caetano, é consequência de contrato pré-definidor de relações em que o clube entra com o nome e com as dependências esportivas e deixa o restante, isto é, a gestão, para o parceiro. No caso do tradicional Paulista de Jundiaí, que recentemente desapareceu em favor de um novo clube chamado Etti/Jundiaí, da Parmalat, o que se registrou foi pura e simplesmente a absorção do clube.  


Como resistir? -- Resta saber se o Santo André vai conseguir chegar à fórmula de cogestão palmeirense sonhada pelo presidente em tempo de resistir aos avanços de um novo rival regional. Perder a posição de maior estrela regional é algo que abalaria o prestígio da diretoria e poderia levar o Santo André a novos rumos. O São Caetano não só já está na Segunda Divisão paulista como pode chegar ao acesso, também este ano, do Campeonato Brasileiro da Terceira Divisão, disputado igualmente por um Santo André formado poucos dias da abertura da competição e por isso mesmo com poucas possibilidades de sucesso.


A discretíssima posição do futebol da região no ranking brasileiro é um dos sinais evidentes de que muito caminho se tem a percorrer. Assim como os quadros políticos do Grande ABC, também o futebol profissional está a quilômetros de distância do poderio econômico do terceiro mercado em potencial de consumo do País. Responsável por 3% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, o que significa perto de R$ 30 bilhões, o Grande ABC de 2,3 milhões de habitantes vive na periferia esportiva desde que o Santo André disputou o Campeonato Brasileiro pela primeira e última vez, em 1984. Quem sabe o São Caetano ajude a estabelecer novo divisor que coloque de um lado um passado pouco ambicioso e de outro um período de intensas e estreladas disputas. Nada inverossímil quando se sabe que futebol e mercado, mercado e futebol, são praticamente sinônimos. Os estratosféricos números da última Copa do Mundo, competição que desde a descoberta do marketing esportivo transformou-se em meganegócio, e o interesse das emissoras de televisão por esse produto feito de plástica e paixão não deixam dúvidas sobre isso.


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