Como previmos neste Capital Social Online, o Grande ABC de sete municípios e 1,6 milhão de votos elegeu Lula da Silva à Presidência da República e José Genoino ao governo do Estado de São Paulo. Se o eleitorado paulista tivesse mimetizado os votos dos candidatos petistas, Lula da Silva teria 67,13% dos votos válidos no País e José Genoino arrebataria o Palácio dos Bandeirantes com 51,54%.
Já era esperada a resposta das urnas do Grande ABC ao desmantelamento da indústria regional que perdeu 34% do Valor Adicionado e 83 mil empregos nos sete anos de governo FHC completados em dezembro último. Mário Covas-Geraldo Alckmin escaparam de uma surra acachapante, diferentemente de Fernando Henrique Cardoso, sobretudo porque o candidato vitorioso no Estado de São Paulo é mais carismático e agradável que José Serra. O reinado do tucanato paulista no tratamento econômico e social ao Grande ABC durante os últimos oito anos é apenas levemente menos sofrível que o do governo federal.
A reprovação do governismo tucano no Grande ABC está expressa não só nos percentuais majoritários que Lula da Silva e José Genoino alcançaram ontem. Uma comparação entre a média de votos válidos dos dois concorrentes do PT no Grande ABC e também de José Serra e Geraldo Alckmin com a média estadual torna mais explícito o grau de inconformismo aos despautérios de que foi vítima a região que há uma década era a mais próspera do País -- até que se iniciasse uma vergonhosa e irresponsável política de abertura econômica agravada, a partir do Plano Real, com uma série de terapêuticas que se esboroaram gradualmente, até que todo o País chegasse ao ponto a que chegou neste final de temporada.
Lula e Genoino alcançam votação acima da média
O novo presidente da República eleito, Lula da Silva, egresso do Grande ABC, contabilizou na região 21,17% de votos acima da média estadual, enquanto o candidato governista José Serra caiu 26,32% também relativamente à média estadual. Lula chegou a 55,4% dos votos válidos no Estado mais poderoso da Federação, enquanto José Serra atingiu 44,6%. Já o salto de José Genoino foi mais espetacular, porque passou da média de 41,4% no Estado para 51,54% no Grande ABC, ou seja, um salto de 24,49%. Geraldo Alckmin caiu de 58,6% na média estadual para 48,45% no Grande ABC -- ou seja, 17,32% de rebaixamento.
Apenas nos três menores municípios do Grande ABC o candidato governista do Estado de São Paulo superou o petista José Genoino: a conservadoríssima São Caetano, uma espécie de ilha de Primeiro Mundo na tumultuada Região Metropolitana de São Paulo, lhe conferiu 62,1% dos votos válidos (55.637) contra 37,9% de José Genoino (33.998). Ribeirão Pires de 104 mil habitantes e comandada pela petista Maria Inês Soares conferiu ao governador 53,7% dos votos válidos (31.341) contra 46,3% a José Genoino (26.999). Completando o ciclo vitorioso do situacionismo, a pequenina Rio Grande da Serra de 37 mil habitantes deu 56,2% dos votos a Alckmin (12.461) contra 43,8% a Genoino (9.702). Na soma de votos nos três Municípios, aos 70.699 colecionados pelo petista contrapuseram-se 99.439 a Alckmin.
Maiores municípios dão vitória aos oposicionistas
Entretanto, essa vantagem de votos válidos do candidato do Palácio dos Bandeirantes foi dinamitada e superada nos quatro maiores municípios da região onde, efetivamente, se dá estrutura político-partidária mais envolvente e onde mais se pronunciam as mazelas da Região Metropolitana de São Paulo de políticas públicas rarefeitas.
Em Santo André do petista João Avamileno, herdeiro de Celso Daniel e de uma série de denúncias até prova em contrário meramente eleitorais, José Genoino obteve escassa vitória: 50,2% dos votos válidos (203.067) contra 49,8% de Alckmin (201.665).
Se a diferença mínima em Santo André poderia dar a impressão de que Geraldo Alckmin dificilmente perderia a vantagem numérica alcançada em São Caetano, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, quando se contabilizaram os votos da esquerdíssima Diadema -- há duas décadas comandada por socialistas cada vez mais interessados em se juntar aos capitalistas --, o quadro começou a reverter. José Genoino teve 55,9% de votos válidos em Diadema (114.882) contra 44,1% de Geraldo Alckmin (90.687).
Mauá, de características sociais semelhantes às de Diadema -- isto é, com uma população majoritariamente de classe operária e trabalhadores de comércio e serviços, além de batalhões de informais -- deu mais força à reação de Genoino, com 55,4% dos votos válidos (109.036) contra 44,6% de Alckmin (87.603).
São Bernardo esforça-se mas perde para oposição
São Bernardo do peessedebista Maurício Soares seria o fiel da balança da votação ao governo do Estado no Grande ABC. Os esforços que o Paço Municipal de São Bernardo fez nas últimas três semanas para capitalizar os votos de Paulo Maluf em favor de Geraldo Alckmin envolveram milhares de militantes. Era questão de honra do PSDB local derrotar o candidato oposicionista ao governo do Estado. Sinalizaria ao governador Geraldo Alckmin que os investimentos que fez nos últimos tempos no Município não foram em vão. Sem contar que estão em jogo psicológico também as eleições municipais de 2004, quando parece descortinar um petista (Vicentinho Paulo da Silva ou Luiz Marinho) como favorito ao Paço Municipal. A tentativa peessedebista fracassou na medida em que José Genoino chegou a 53,1% dos votos válidos (207.632) contra 46,9% de Alckmin (183.694). Com isso, a diferença regional se consumou em 42.228 votos válidos. Algo como metade dos votos válidos de uma São Caetano inteira neste segundo turno.
Só reprodução de votos de Lula carregaria Genoino
Acabou se confirmando a perspectiva de que José Genoino só conseguiria eleger-se governador se Lula da Silva chegasse o mais próximo possível de 70% dos votos válidos no Estado de São Paulo. Tanto que os 67,13% dos votos destinados a Lula da Silva no Grande ABC viabilizaram o sucesso de José Genoino. Faltou pouco para Lula chegar a um milhão de votos na região: ele alcançou 911.268, contra 446.039 de José Serra.
Nem mesmo a centro-direitista São Caetano deixou de dar ao ex-sindicalista a liderança municipal de votos no Grande ABC, embora lhe conferisse a menor média regional (52,9%) que, como se percebe, também é inferior à média estadual do novo presidente (55,4%).
Diadema e Mauá, quase irmãs siamesas no pensamento político-eleitoral nestas eleições -- como se o petismo da primeira, enraizado há 20 anos na população, tivesse sido transplantado aceleradamente à segunda --, registraram votações massacrantes para Lula da Silva: Diadema conferiu ao petista 72,8% dos votos válidos e Mauá, 70,3%. Em termos relativos, Diadema contou 31,4% acima da média estadual e Mauá, 26,8%.
O caso de Diadema e sua fortaleza esquerdista é especialmente impressionante: colada à Capital paulista, que lhe remete todas as sobras demográficas, Diadema difere completamente da vizinha poderosa na análise política. Um exemplo: José Genoino teve apenas 35,8% dos votos na cidade de São Paulo (metade do alcançado em Diadema) e Lula da Silva 51,5% (41% menos do que em Diadema).
Diadema sinaliza o que PT pode fazer por excluídos
Não é por outra razão que há três anos publicamos histórica Reportagem de Capa na revista LivreMercado cujo título definia esse Município da Grande São Paulo como a Capital Socialista do Brasil. Nem poderia ser diferente, porque Diadema elegeu em 1982 o primeiro prefeito petista no Brasil, Gilson Menezes e é um paradoxo social em que convivem a politização sistêmica dos moradores e níveis de criminalidade assustadores.
Diria, sem medo de errar, que se o Partido dos Trabalhadores do novo presidente da República conseguir implantar no Brasil dos excluídos as políticas públicas que marcaram a construção da cidadania em Diadema, o projeto do peessedebista Sérgio Motta -- de ficar 20 anos no poder federal -- será consagrado pelo grupo liderado por Lula da Silva.
Santo André e São Bernardo têm mais semelhanças do que diferenças eleitorais. Uma série de razões cristalizadas no primeiro e no segundo turnos dá essa garantia. Agora, no segundo turno, a votação de Lula da Silva em Santo André (65,6%) e em São Bernardo (68,6%) confirma a convergência de espelhos. Entretanto, é preciso ressaltar que a veia centro-esquerdista de São Bernardo é mais pronunciada. Por duas razões básicas: por maior influência do sindicalismo revolucionário e também pela ocupação demográfica mais tardia em relação à vizinha.
Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, com 61,5% e 60,9% dos votos válidos a Lula da Silva, são tão vizinhas quanto parecidas. São uma espécie de meio termo entre as centro-esquerdistas Santo André e São Bernardo e a centro-direitista São Caetano. Administradas pelo Partido dos Trabalhadores, tudo indica que a aproximação ideológica-partidária vai ser cada vez maior com o restante centro-esquerdista do Grande ABC. Exceto São Caetano, evidentemente.
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19/11/2024 PESQUISAS ELEITORAIS ALÉM DOS NÚMEROS (24)