O Santo André já pagou duas das 80 parcelas mensais de R$ 80 mil reais em cumprimento à decisão judicial reveladora do quanto foi prejudicial a terceirização do futebol pelo Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva), empresa que contou com o empresário Ronan Maria Pinto como comandante. Uma parcela de R$ 83.824,16 completará a sentença judicial. Há possibilidade de os valores serem reajustados além dos já definidos, caso o Santo André suba à Primeira Divisão de São Paulo. Se no período de resgate da dívida o clube disputar ao menos três edições da Série A Paulista, a dívida ultrapassaria a R$ 8 milhões, sem considerar a correção de 6% ao ano.
Foram cinco temporadas de gestão do futebol do Santo André pelo Saged. O saldo final foi sofrível, após breve lua de mel com o sucesso: de vice-campeão paulista a integrante da Série A do Campeonato Brasileiro, o Santo André caiu para a Sexta Divisão do Futebol Brasileiro, o que é na prática a Série B do Campeonato Paulista. Uma história que acumulou dívida até hoje indevassável, além do sucateamento da então vitoriosa estrutura de formação de jogadores.
A decisão do juiz Márcio Bonetti, da 7ª Vara Cível de Santo André, foi anunciada em 30 de agosto último. O Santo André detinha os direitos econômicos do meia-atacante Antonio Flávio em parceria com o Clube Andraus Brasil, do Paraná. Entretanto, a direção do Saged não repassou ao parceiro os valores contratuais a que tinha direito quando o atleta foi negociado com o futebol sueco.
Cuidado com informações
Acionistas do Saged procuram manter a decisão judicial longe dos holofotes. Com os dirigentes do clube não é diferente. Mas o resultado da ação judicial é claro quanto às obrigações do clube, que está tentando fazer acordo com os acionistas do Saged para ressarcir-se. Executado, o Santo André pagará R$ 6.483.824,16 referentes ao crédito principal, no qual se inclui R$ 1.612.431,09 de honorários advocatícios. A cada 12 meses as parcelas serão reajustadas em 6%. Em caso de inadimplência, ficou ajustada multa de 30% sobre o débito em aberto.
Em caso de acesso à Série A do Campeonato Paulista, o Santo André terá as parcelas aumentadas em 40%, o que elevaria as obrigações mensais a R$ 112 mil. Mas os valores mensais retornarão à origem em caso de o Santo André voltar à Série B Paulista.
As consequências financeiras do fracasso do Saged, consumado em 2012, são completamente desconhecidas. Alguns acionistas garantem que o empresário Ronan Maria Pinto teria assumido dividas remanescentes. Menos no caso envolvendo o Clube Andraus, porque o ex-dirigente do Saged cumpre prisão em Curitiba por conta da Operação Lava Jato.
Na edição de 14 de dezembro de 2012 (portanto há praticamente seis anos), escrevi uma das dezenas de textos que acompanharam atentamente a parceria entre Santo André e Saged. Transcrevo alguns trechos da matéria sob o título “Saged é herança maldita que vai atormentar futuro do Ramalhão”:
Estragos amplos
A mais que esperada retirada da cena esportiva do Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva), empresa que terceirizou o futebol do Ramalhão em meados de 2007 e que entregou a rapadura formalmente nestes últimos dias, vai deixar um rastro de prejuízos que somente o tempo atenuará. Mais que a caixa-preta do déficit acumulado, uma enormidade quando confrontado com o potencial orçamentário da equipe, vão pesar mesmo na condução da agremiação que voltou ao ninho do Esporte Clube Santo André os estragos na imagem. O modelo diagramado pelo então presidente do EC Santo André, Jairo Livolis, foi destruído pelo centralismo autoritário do empresário Ronan Maria Pinto. Tanto fora como dentro de campo o Ramalhão é um renegado social. A sociedade não só ignora a agremiação como lhe oferecerá muita resistência a eventuais chamamentos. Os torcedores organizados são seu único patrimônio latente. Os demais envelheceram, se decepcionaram e estão céticos.
Festival de buracos
O jornal ABCD Maior publicou uma matéria nesta semana (finalmente alguém se junta a esta revista digital para manifestar-se) questionando o buraco financeiro deixado pela gestão de Ronan Maria Pinto. Ninguém jamais o saberá. O contrato que formalizou a transferência do Ramalhão para o Saged foi um festival de buracos jurídicos que ensejam todo tipo de procrastinação, quando não de enrolação. Quantas vezes escrevemos sobre esse relacionamento obscuro sem que respostas fossem oferecidas? Não seria agora que haveria mudança de rota. A pauta do ABCD Maior não deixa de ser interessante, é claro, mas é inócua. O fato é que pelo tamanho dos coturnos de um dos coronéis da vida regional, tanto o presidente Celso Luiz de Almeida quanto o ex-presidente Jairo Livolis preferiram retomar o Ramalhão para o Santo André sem exigências maiores, além de praticarem um exercício de discrição digno da Santa Igreja. A aventura com Ronan Maria Pinto custou caro em todos os sentidos. As equipes de base foram destruídas.
66 meses de parceria
(...) Resta saber o que será feito no curto prazo no Ramalhão. O suporte do prefeito eleito Carlos Grana, que repetiria Luiz Marinho em São Bernardo, sempre será bem-vindo principalmente se a agremiação não se submeter a contrapartida de postura rastejante e partidária. Ocupar-se do curto prazo é mesmo emergencial, mas é muito pouco. (...) Não tenho a menor vontade, pelo menos por enquanto, de revolver o passado recente do Ramalhão que, a bem da verdade, da justiça e da inteligência, deve ser tratado, nos cinco anos e meio de intervenção de Ronan Maria Pinto, como “Saged”. Como, aliás, consta de dezenas de textos desta revista digital. Considerar os 66 meses de terceirização uma etapa protagonizada pelo Ramalhão, como se tornou conhecido o Esporte Clube Santo André nos gramados, é um desrespeito às quatro décadas anteriores da agremiação.
Sete meses antes
Sete meses antes do desfecho, um outro texto publicado nesta revista digital deixava evidenciado que a situação da Saged e do Santo André não era das melhores. O título “Santo André festeja poliesportivo de US$ 100 milhões; Saged deve quanto?” era autoexplicativo. Alguns trechos do que escrevi em 22 de maio de 2012:
O Esporte Clube Santo André, que durante 40 anos administrou o futebol da cidade, comemorou discretamente no final de semana 20 anos de inauguração do Centro Poliesportivo, no Parque Jaçatuba. Um patrimônio físico estimado em US$ 100 milhões. O Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva), que administra o futebol de Santo André nos cinco últimos anos, com quatro rebaixamentos (fora as ameaças) vai completar cinco anos de terceirização com uma dívida não revelada e não confirmada de R$ 30 milhões. A comparação é inexorável porque são métodos administrativos contrastantes.
Poliesportivo redentor
Foi na gestão de Jairo Livolis, com continuidade administrativa do atual presidente, Celso Luiz de Almeida, que o Esporte Clube Santo André substituiu a troca de sede a cada nova temporada de aluguel em alta por um projeto audacioso de sede própria. Mais que a própria casa gerencial, a própria casa de entretenimento a milhares de familiares do Subdistrito de Utinga, principalmente. Ou, como diziam os mais conservadores, "do outro lado da linha". Sim, "do outro lado da linha" discriminado pelo pessoal "do lado de cá da linha", uma referência à divisão financeira e cultural de Santo André estigmatizada pelo traçado da estrada de ferro que corta o Centro Velho do Município.
Marquise demolida
(...) Vinte anos depois, cinco dos quais sem que o Esporte Clube Santo André entre em campo de verdade, o Saged acumula derrotas e a cidade perdeu um dos principais símbolos da construção da cultura esportiva no futebol, com a demolição até prova em contrário arbitrária da marquise do Estádio Bruno Daniel. Uma rápida retrospectiva dos 15 anos subsequentes do Ramalhão à inauguração do Poliesportivo, até que o Saged fosse concebido, comprova que a junção entre futebol e clube associativo está na raiz dos sucessos alcançados. O Ramalhão ganhou a Copa São Paulo de Futebol Júnior, conquistou uma das vagas à Série B do Campeonato Brasileiro (o que lhe garantiu calendário anual com o qual todo time médio ou pequeno sonha), voltou à Série A do Campeonato Paulista e ganhou a Copa do Brasil num Maracanã lotado de flamenguistas, o que lhe deu o direito de disputar a Copa Libertadores. Tudo isso sem comprometer o futuro, mantendo em ordem a estrutura financeira e, finalmente, preparando revelação de jogadores com uma bem executada incubadora de talentos.
Individualismo corrosivo
(...) Tudo estava caminhando em direção à consolidação de um árduo projeto de sedimentação do Ramalhão no futebol brasileiro. O passo seguinte, equivalente ao sucesso do Poliesportivo, foi a transformação do departamento de futebol em aparato empresarial, com a participação de inúmeros investidores. Idealizador da proposta, Jairo Livolis foi atropelado pela impetuosidade do empresário Ronan Maria Pinto. Cinco anos depois, o Poliesportivo do Santo André é um exemplo de construção de entretenimento premonitoriamente voltado à classe média emergente, enquanto o Saged, ex-Ramalhão, extratifica todos os males do individualismo egoísta e autossuficiente.
Desenlace projetado
O desenlace deletério da trajetória da terceirização do futebol do Santo André foi enunciado num texto que escrevi em 28 de setembro de 2007, alguns meses após a formalização da parceria. Os trechos abaixo são suficientemente claros para entender que a partir daquele incidente relatado, o futebol do Santo André teria um único comandante. Acompanhem:
Não consigo enxergar alguém que tenha sido mais importante do que o empresário Jairo Livolis na história do Esporte Clube Santo André. Talvez Breno Gonçalves se aproxime. Por isso, a renúncia que ofereceu durante a assembleia geral dos acionistas do clube-empresa que representa a cidade no futebol profissional não pode deixar de ser contextualizada. Inclusive para evitar interpretações que coloquem o ex-dirigente num santuário ou num serpentário. Jairo Livolis garante que provocou a situação. Teria se imolado para tentar salvar a equipe do rebaixamento. Ao invadir os vestiários do Estádio Bruno Daniel após o empate com o Barueri e ao ofender aos brados todos os jogadores e membros da comissão técnica, exceto o zagueiro Dedimar, Jairo Livolis afirma que sabia o que viria. Teria de se afastar porque o ambiente ficaria pesado, mas criaria situação psicológica de unir jogadores e comissão técnica em torno de uma resposta a ele, Jairo Livolis, dentro de campo.
Futebol dividido
Em outros tempos, a tática de gritar com o elenco deu certo porque os jogadores se encheram de brios, técnicos foram demitidos e a equipe reagiu nas competições. Entretanto, a formulação nas atuais circunstâncias jamais se estabeleceria. O futebol do Santo André estava dividido entre ele, Jairo Livolis, presidente do clube-empresa, e o empresário Ronan Maria Pinto, dono do Diário do Grande ABC e presidente do Conselho Consultivo dos acionistas. Jairo e Ronan tão antípodas. O que falta de flexibilidade a uma sobra ao outro. Ronan conquistou os jogadores e a comissão técnica com algo que pode ser chamado de assistencialismo. Jairo Livolis sempre se manteve à distância da maioria do grupo. Não é de distribuir sorrisos nem se entrega a abraços como Ronan Maria Pinto. Tampouco se presta a socorrer jogadores em dificuldades pessoais. Imaginem os leitores uma família recheada de filhos e um choque de tratamento de um pai generoso e uma mãe durona. Jairo Livolis era a mãe excessivamente rigorosa e Ronan Maria Pinto o pai extensamente carinhoso.
Personalidades diferentes
Não se coloca em discussão juízo de valor sobre o certo e o errado. Havia fundamentalmente uma divisão de tratamento que os resultados em campo agravaram. Por isso, quando Jairo Livolis entrou como furacão nos vestiários e fez o que fez, seu destino estava traçado. O grupo de jogadores e a comissão técnica ficaram instintivamente com o sempre solícito Ronan Maria Pinto. Como bem se expressou no encontro de acionistas, Jairo Livolis queimou todas as caravelas naquela investida nos vestiários. Diferentemente, portanto, dos tempos em que o comando era único, sabia que sobraria. Por isso o fez com estardalhaço. A versão de que tentara de fato um golpe branco, de retomar o controle da equipe e com isso provocar a saída de Ronan Maria Pinto, não ganha credibilidade. Havia evidente distinção relacional entre os dois dirigentes exatamente por conta do estilo de trabalho. Jairo Livolis dispunha de informações suficientes para reconhecer que o enfrentamento lhe seria prejudicial.
Momento delicado
Agora a batata quente do Santo André na Série B do Campeonato Brasileiro está concentradamente com os jogadores, com a comissão técnica e também com Ronan Maria Pinto. As respostas precisam ser dadas em 12 rodadas. O Santo André está ameaçadíssimo de rebaixamento, com apenas 37% de Índice de Aproveitamento de pontos. Precisa, nas rodadas que restam, obter a média de 50%. Desta forma, chegaria à média final um pouco acima de 40%. O modelo de clube empresarial passa, portanto, por essa ponte de resultados. Jairo Livolis deixou o Santo André num momento delicado, aparentemente inadequado para quem não acompanha os bastidores da equipe, mas, sem dúvida, providencial como última possibilidade de fuga do rebaixamento. Jogadores e comissão técnica sabem que o protetor Ronan Maria Pinto pode ser a próxima vítima de um 2007 que provavelmente será excluído da trajetória da equipe rebaixada à Série A-2 do Campeonato Paulista quando Jairo Livolis comandava sozinho o futebol.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André