Administração Pública

Para onde rola
a nossa água?

VERA GUAZZELLI e RAFAEL GUELTA - 05/05/2000

O subsolo emerge. Holofotes da privatização ajustam o foco no filão constituído pelas endividadas empresas estaduais e municipais de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto. Onde existe cidade com mais de 100 mil habitantes e 90% de rede de água instalada -- como Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá e Ribeirão Pires --, há um consultor ou espião das gigantes internacionais de saneamento básico farejando negócios. O chafariz -- ops, chamariz -- é um jorro permanente de lucratividade. O saneamento básico movimenta anualmente cerca de US$ 15 bilhões no Brasil, que concentra 15% da reserva mundial de água doce.

O caldeirão ferve nos bastidores das companhias municipais do Grande ABC. A ilha de prosperidade no mar de dívidas das autarquias municipais é o DAE (Departamento de Água e Esgoto) de São Caetano. Enquanto a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) aciona judicialmente as demais autarquias, na tentativa de receber dívidas que somam R$ 702 milhões, espiões de gigantes internacionais como a francesa Suez Lyonnaise des Eaux e a norte-americana Taico mantêm alerta máximo. Coletam números e todo tipo de informação relevante para esboçar o mapa da futura mina.

Cidade governada pelo PT, inimigo declarado de privatizações, Mauá surpreendeu no início deste ano ao detonar o processo na região. O Projeto Sanear, rejeitado no ano passado, foi aprovado pelos vereadores no início deste 2000. Nem Freud conseguiria explicar mudança de decisão tão repentina. Elaborado pela Sama (Saneamento Básico de Mauá), o Sanear concede à iniciativa privada exclusivamente o serviço de coleta e tratamento de esgoto. O projeto já atraiu companhias estrangeiras, apesar de ter ficado de fora o abastecimento de água, filé-mignon do negócio. A francesa Lyonnaise des Eaux, a inglesa Thames Water, a portuguesa EDP, a espanhola Unión Fenosa e a norte-americana Taico são algumas das companhias que rondam o Município.

Mauá é caso isolado de privatização apenas temporariamente. Consultor de grupo internacional confidencia à LivreMercado que o fim da estatização municipal do saneamento básico na região é só questão de tempo. Para mais ou menos tempo, dependendo de compromissos políticos assumidos pelas atuais e futuras administrações públicas. A transferência dos serviços para a livre iniciativa deve ocorrer porque as companhias municipais de água e esgoto estão cada vez mais emaranhadas em dívidas. Além disso, a pressão da sociedade por qualidade do serviço, que demanda gordos investimentos, aumenta continuamente. O consultor afirma que, para a maioria das empresas internacionais, o ideal seria assumir ao mesmo tempo o saneamento básico de duas ou mais cidades do Grande ABC. Questão de economia de escala. 

Se existir foco mais resistente certamente estará ligado ao fato dessas companhias terem se transformado no que se convencionou chamar de caixa auxiliar das prefeituras. Com fluxo de dinheiro obtido principalmente com algumas obrigações que não cumprem, casos do tratamento de esgoto e do calote aplicado na Sabesp, as companhias financiam obras que nada têm a ver com saneamento. Exemplo emblemático é a urbanização de favela patrocinada pelo Semasa (Serviço Municipal de Água e Saneamento Ambiental) em Santo André. Em Diadema, a Saned (Saneamento Básico de Diadema) já chegou a financiar o 13º salário do funcionalismo. Direta ou indiretamente, as companhias acabam por financiar a máquina, que a cada ciclo eleitoral exige recursos redobrados para manter grupos políticos no poder.

Fracassos não abalam -- As companhias estrangeiras estão tão otimistas que não se abalam com rescaldos de duas experiências privatizantes de saneamento básico realizadas no Interior de São Paulo. Em Ribeirão Preto, a empresa brasileira Ambient, que cuida exclusivamente da coleta e tratamento do esgoto, procura parceiro internacional para se capitalizar porque não conseguiu cumprir obrigações previstas no contrato de concessão. Na Grande Campinas, a Águas de Limeira, associação da francesa Lyonnaise des Eaux com a brasileira Odebrecht, é acusada de ter elevado o custo da tarifa e de prestar serviço de baixa qualidade. Por causa disso, o Ministério Público de Limeira tenta anular o contrato de concessão, de 1996. A empresa rebate as acusações com pesquisa que aponta aprovação ao serviço por 80% da população.

É natural que se questione por que o capital estrangeiro tem tanta disposição para controlar purezas e impurezas do subsolo brasileiro. O exemplo da lucratividade vem do Reino Unido, onde a privatização se deu a partir de 1979, sob comando da dama-de-ferro e ex-primeira-ministra Margareth Tatcher. Em apenas um ano e meio, a concessionária do saneamento básico local -- a mesma Thames Water que teria interesse em Mauá -- elevou o faturamento em 360% e aumentou o custo da tarifa em 30%. Em sete anos, a empresa que atende a 12 milhões de usuários, número que corresponde a menos de 10% da população brasileira, obteve lucro de US$ 20 bilhões.  São números que comprovam que saneamento -- esteja a clientela satisfeita ou não -- é mina de dinheiro. Todo ser minimamente civilizado tem de dispor e pagar pelo serviço. E toda empresa concessionária é detentora de monopólio.

Explica-se por três motivos o fato de haver tantas empresas interessadas apenas na coleta e tratamento do esgoto em Mauá, quando o filé-mignon é o abastecimento de água. Primeiro, porque além do ganho com cobrança de tarifa doméstica, a cidade oferece como filão a venda do esgoto tratado na forma de água de reúso industrial ao Pólo Petroquímico de Capuava, que consome mil metros cúbicos do líquido por hora. Segundo, porque a concessionária do esgoto se tornará, automaticamente, a mais forte concorrente a conquistar a possível privatização do abastecimento de água do Município. Terceiro, porque Mauá funcionará como vitrine e plataforma de embarque para o Grande ABC.

Mauá estabeleceu garantia contratual de lucro como atrativo para o concessionário do serviço. Márcio Chaves Pires, superintendente da Sama, garante que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) dispõe de linha de crédito para a iniciativa privada. Estima-se em US$ 70 milhões a quantia para dotar o Município de infra-estrutura necessária à produção de água de reúso. "Esses recursos só não estão disponíveis para o setor público" -- acentua Pires. O motivo que elimina as possibilidades de as empresas públicas obterem recursos do banco estatal é elementar: a maioria é má pagadora. Isso acontece hoje em relação às dívidas com a Sabesp. Municípios deixam rolar por anos e anos o pagamento por serviços já executados enquanto tentam solução via acordos políticos. A estatal paulista da água e esgoto fica em posição delicada, pois não pode simplesmente interromper o fornecimento à população. Com a iniciativa privada supõe-se que seria diferente. Não paga, não leva.  

A participação do dinheiro público nas privatizações é expressiva. Dos US$ 62 bilhões que o País arrecadou com privatizações até junho do ano passado, mais de US$ 13 bilhões são constituídos por recursos do BNDES e do Banco do Brasil. Só a privatização do Sistema Telebrás consumiu US$ 1,2 bilhão dos cofres do BNDES. Outra fonte de recursos nesse processo é o capital estrangeiro, aceito sem restrições desde 1994. Entre 1995 e 1998 a participação do dinheiro estrangeiro -- emprestado a juros altamente compensadores -- cresceu de 4% para 42%.

Pólo acha caro -- Água de reúso não é tema inédito na região. Em gestões passadas de Santo André, o Semasa estudou a possibilidade de instalar estação de tratamento de esgoto para produzir água. Uma das resistências ao projeto partiu do próprio Pólo Petroquímico de Capuava, cujas indústrias químicas não concordaram com a tarifa que se pretendia cobrar pela água de reúso: US$ 1,5 o metro cúbico. Na época o real era praticamente paritário ao dólar. A proposta do Semasa, que também interessava a indústrias como Rhodia e Pirelli em Santo André, foi abortada no início da atual administração do prefeito Celso Daniel.

Questão polêmica é que o projeto de Mauá possa ser tratado um pouco à distância pelas indústrias químicas porque oferece água de reúso por preço próximo ao já rejeitado em Santo André. "Não aprovamos e nem desaprovamos o projeto de Mauá. Estamos em fase de estudo e discussão com a Sama" -- afirma Adalberto Giovanelli Filho, gerente industrial da PQU (Petroquímica União). As indústrias de Capuava pressionam a Sama para que o preço estabelecido por metro cúbico seja de R$ 1. A Recap (Refinaria de Capuava) funciona como espécie de Sama do Pólo Petroquímico. A empresa capta água do Rio Tamanduateí, faz o tratamento em duas estações próprias e repassa o líquido para reúso às demais empresas da área por preço médio de R$ 0,50 o metro cúbico. Entre 10% a 30% da água consumida no Pólo de Capuava é potável e fornecida pela Sama a R$ 4,68 o metro cúbico. O volume depende do nível de poluição do Tamanduateí durante a captação.

Jorge Manuel de Souza Rosa, assessor de novos negócios da PQU, afirma que o pólo está interessado no projeto da Sama porque tem necessidade de mais água para aumentar produção e competitividade, já que as estações de tratamento da Recap operam no limite da capacidade. "Se a autarquia de Mauá concordar com nossa proposta de R$ 1 o metro cúbico, a captação do Tamanduateí será interrompida e consumiremos 100% da água de reúso" -- garante o executivo. Souza Rosa aponta que, se forem feitas as contas relacionando quantidades de água potável que o pólo consome e de água tratada do Tamanduateí, fica evidente que o preço proposto de R$ 1,5 por metro cúbico não é compensador. A PQU é experiente na questão. Também conta com unidades nos pólos petroquímicos da Bahia e do Rio Grande do Sul, onde desembolsa R$ 0,50 pelo metro cúbico de água. O Custo ABC representa anualmente cinco folhas de pagamento dos 600 funcionários, em torno de R$ 2 milhões mensais.

"O projeto da Sama é interessante, mas ainda buscamos alternativas que possam nos oferecer água por preço baixo" -- afirma Souza Rosa. O Pólo Petroquímico considera permanentemente a possibilidade de fechar contrato com a Sabesp e adquirir água de reúso diretamente da ETE-ABC (Estação de Tratamento de Esgoto do ABC). Já foi estudada a possibilidade de ser feita captação na Represa Billings e nos rios Tietê (São Paulo) e Paraíba (Vale do Paraíba). "Essas alternativas estão descartadas porque dependem de licenças ambientais e demandam investimentos elevados" -- enfatiza o assessor da PQU.

O consultor ouvido por LivreMercado garante que mesmo que não dê certo a alternativa da água de reúso, mantém-se a possibilidade de lucro para o futuro operador privado em Mauá. O cidadão que todo mês paga a conta de água pode conferir no recibo que quase metade do valor refere-se à coleta e tratamento do esgoto. Dependendo do critério a ser adotado para a cobrança do consumo, é possível que o valor aumente substancialmente. Basta que o concessionário de esgoto decida instalar nas residências hidrômetros idênticos aos que medem a quantidade de água consumida. Contas atuais estabelecem que do valor gasto com a água 80% sejam cobrados adicionalmente a título de coleta e tratamento de esgoto. A medição é empírica: está baseada na suposição de que tudo o que entra na caixa dágua escoa pelos ralos. Se forem instalados hidrômetros para os esgotos, a água das chuvas -- e como chove no Grande ABC das enchentes! -- certamente irá engordar a receita da operadora privada. 

A Sama, criada em 1994, também vai lucrar com a concessão. Durante 30 anos ficará com 7% do que a companhia privada arrecadar com captação do esgoto. Ao mesmo tempo, a autarquia garante sobrevida porque fica com a água, fatia mais rentável sob o ponto de vista de que não precisará fazer grandes investimentos, porque a rede já está instalada e opera plenamente. É óbvio, entretanto, que autarquia e Prefeitura perdem poder de fogo político com a transferência do esgoto. As atenções de pequenas e médias empreiteiras que atuam no setor irão voltar-se para a operadora privada. A empresa que ganhar a concessão para tratamento do esgoto, será responsável também pela construção de rede coletora em 30% da cidade.  

Fora do palanque -- Privatizar também seria caminho lógico a ser seguido pelo DAE (Departamento de Água e Esgoto) de São Bernardo, atolado em dívida há mais de 20 anos. Mas é justamente para não tornar a privatização assunto de palanque eleitoral que o prefeito Maurício Soares decidiu que não fala no assunto este ano. Os valores da dívida com a Sabesp estão sendo questionados judicialmente pela Prefeitura. Devedores argumentam que o passivo está por volta de R$ 110 milhões, contra R$ 160 milhões do credor.

Recentemente, Ribeirão Pires quitou dívida de R$ 2,6 milhões ao transferir rede municipal de esgoto de 51 quilômetros à Sabesp. Já o DAE (Departamento de Água e Esgoto) de São Caetano é considerado pelo superintendente Paulo Bottura como exemplo de empresa pública de saneamento bem administrada. A autarquia é uma das raras da Região Metropolitana que está com as contas em dia com a Sabesp. "Não temos nenhum motivo para pensar em privatização" -- ressalta Bottura.

Em Santo André, o Semasa consolida modelo público de saneamento radicalmente contrário à onda de privatização. "Já fomos sondados por grupos internacionais, mas nenhum está interessado em executar tarefas como drenagem, que também faz parte de nosso sistema de atuação ambiental. Vamos ter de lutar muito, mas acreditamos que o saneamento público é absolutamente viável" -- diz o diretor-superintendente Maurício Mindrisz. Devedor de R$ 50 milhões à Sabesp, segundo o próprio superintendente, o Semasa tenta captar recursos junto a instituições internacionais. "Fomos insistentemente à Caixa Econômica Federal pedir recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, mas os cofres estão fechados. Isso significa que vamos demorar mais para pagar a dívida e fazer novos investimentos. Mas não será por isso que entraremos na onda das privatizações" -- acentua o superintendente.

Mindrisz nega que o Semasa funcione como caixa auxiliar da Prefeitura de Santo André ao financiar urbanização de favela. "Estamos apenas realizando obras de caráter ambiental" -- afirma. Sobre os recursos de que a autarquia precisaria para iniciar o tratamento do esgoto em Santo André, o superintendente garante que é possível solucionar a questão sem recorrer a empréstimo. "Falta apenas fechar entendimento com a Sabesp, que já obteve verba para os coletores-tronco. Cabe a Santo André construir interceptores menores, o que é possível com dinheiro do próprio Semasa" -- garante. O custo seria de R$ 5 milhões.

Se empresas e autarquias públicas do Grande ABC constituem prato cheio para grandes grupos internacionais, imagine então a Sabesp. A companhia que pertence ao Governo do Estado de São Paulo atende a 22 milhões de consumidores, contingente que representa mais de 30% de toda a clientela da francesa Suez Lyonnaise des Eaux, que atua em 100 países. O governador Mário Covas já garantiu que a empresa está fora das privatizações. Depois de ter passado maus momentos no ano passado, quando captou dinheiro no Exterior e foi surpreendida pela desvalorização cambial, a Sabesp retoma a capacidade de investimento. 

O secretário estadual de Recursos Hídricos, Antonio Carlos de Mendes Thame, garante que até o final do semestre a estatal de saneamento reinicia as obras paralisadas desde janeiro de 1999. Também tramita no Senado carta do Banco Central que deve autorizar a Sabesp a captar US$ 200 milhões do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Os recursos, somados a montante equivalente de capital próprio, serão investidos no aumento de 80% para 90% da coleta de esgoto na Região Metropolitana, para despoluir o Rio Tietê e para colocar em funcionamento as Estações de Tratamento de Esgoto, hoje operando com capacidade ociosa. "A privatização é uma das soluções para o setor, mas não se pode excluir a ação das boas estatais. A Sabesp tem índices de produtividade e excelência comparados às principais empresas mundiais" -- argumenta Mendes Thame. 

Números assustam -- O panorama nacional do setor de saneamento básico está subsidiado por números que aterrorizam o Estado e saltam aos olhos da iniciativa privada. A soma dos débitos de todas as companhias estaduais de água já atinge R$ 14 bilhões.  Apesar de o setor de saneamento ter pago aos cofres públicos US$ 7,4 bilhões entre 1995 e 1998, a quantia não parece ter sido suficiente para reabilitar o crédito. Durante o mesmo período o governo disponibilizou apenas US$ 1,8 bilhão de dólares para o setor. 

Endividadas e sem qualquer linha de crédito nacional ou internacional à disposição, as estatais estaduais perdem gradativamente o fôlego para investir em melhorias. O governo federal calcula que serão necessários R$ 9 bilhões nos próximos 10 anos para atender às metas da Política Nacional de Saneamento. Até 2010 o Brasil precisaria fornecer água tratada para mais 18 milhões de habitantes e estender o tratamento de esgoto para outros 28 milhões. 

O problema é facilmente dimensionado quando se recorre ao último levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): uma em cada cinco residências brasileiras não conta com água encanada. A coleta de esgotos não chega a 70% das moradias. No Grande ABC, a água jorra das torneiras com relativa facilidade: desde que a Sabesp investiu R$ 693 milhões no Programa Metropolitano de Água, entre 1995 e 1998, que aumentou a capacidade de tratamento do Sistema Rio Grande de 3,5 mil para 4,2 mil litros por segundo, a região ficou livre do rodízio de verão. Apesar de a cobertura de água ser superior a 90%, o Grande ABC ainda tem média de 40% das residências sem coleta de esgoto. Pior: quase todo esgoto coletado é jogado in natura nos córregos, no Tamanduateí e na Represa Billings. A ETE-ABC, que consumiu R$ 700 milhões do governo estadual, ainda não trata o esgoto produzido na região porque prefeituras e Sabesp não conseguiram concluir as obras complementares. Com realidade exposta de odor desagradável, principalmente nos dias mais quentes, a possibilidade de reverter o quadro com recursos públicos é escassa.

Se levado em conta que cada US$ 1 investido em saneamento representa economia de US$ 5 no atendimento à saúde da população, dá para presumir a extensão das conversas e dos lobbies pelos principais gabinetes do poder. Água e esgoto sem tratamento causam 80% das doenças e respondem por 65% das internações hospitalares no País, segundo números da Organização Mundial da Saúde. Trocando em papel-moeda, isso significa gasto anual de US$ 2,5 bilhões. Dados da Fundação Nacional da Saúde informam que 342 mil crianças com menos de cinco anos de idade morreram entre janeiro de 1995 e dezembro de 1997 por habitarem áreas sem saneamento básico.

Estudos do Citibank projetam potencial de privatização de US$ 21,6 bilhões para 2000 e 2001. Do total, US$ 15,2 bilhões absorveriam empresas do governo federal e US$ 6,3 bilhões dos Estados e municípios. O governo federal tem disposição declarada de melhorar a arrecadação com privatizações este ano, já que em 1999 lucrou parcos US$ 3,2 bilhões com o PND (Plano Nacional de Desestatização). A desvalorização cambial foi um dos entraves. Dados do BNDES mostram que, em 1998, o PND rendeu US$ 40 bilhões aos cofres públicos. A julgar pelo interesse das grandes empreiteiras nacionais em se associar a gigantes internacionais do saneamento, torna-se óbvio deduzir qual o próximo setor que dominará os leilões da desestatização. 

Quem é dono? -- Vários ajustes tramitam nas esferas do Poder Público para tornar o saneamento básico atrativo ao capital privado. A criação da ANA (Agência Nacional da Água), órgão regulador dos recursos hídricos e saneamento análogo à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), já passou pela Câmara dos Deputados e está a caminho do Senado.  A polêmica gravita em torno do Projeto de Lei 266, do senador e atual ministro da Saúde, José Serra. Entre outras coisas, o projeto coloca em pauta a questão da titularidade do poder concedente. 

Legalmente os municípios detêm a titularidade e em tese podem conceder serviços de água e esgoto a quem bem entenderem. Como a economia de escala é um dos grandes trunfos da concorrência globalizada, o fracionamento do mercado pode desestimular os grandes investidores e excluir cidades pouco populosas ou com sérios problemas de abastecimento.

Municípios não vêem com bons olhos o modelo regional de privatização com base na tese de necessidades díspares. Já as empresas estrangeiras, mesmo que discretamente, fazem lobby pela regionalização. O projeto de Serra tramita em conjunto com outro de mesmo teor, de autoria do senador Paulo Hartung, do Espírito Santo, que atende às expectativas dos investidores estrangeiros. Coincidência ou não, a Cesan (Companhia Estadual de Saneamento), estatal capixaba de fornecimento de água, é uma das empresas em processo de transferência à iniciativa privada. Vinte e um municípios brasileiros se anteciparam ao processo, entre os quais Mauá. 

A discussão sobre a titularidade será tema de um dos painéis de debate no encontro mundial em Brasília sobre Federalismo, de 9 a 11 deste mês, organizado pela Secretaria-Geral da Presidência da República.  Os debates fornecerão diretrizes para que o ministro-chefe, Aluysio Nunes Ferreria, formalize estudo encomendado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o setor. 

Um dos exemplos de privatização regionalizada é o da Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. O Prolagos, consórcio do Grupo Monteiro Aranha com a portuguesa Águas de Portugal, obteve concessão para operar nos municípios de Búzios, Cabo Frio, Arraial do Cabo, São Pedro da Aldeia e Iguaba. Já investiu R$ 40 milhões desde julho de 1998, período em que o faturamento mensal dobrou de R$ 1,2 milhão para R$ 2,4 milhões e o fornecimento de água saltou de 40 milhões de metros cúbicos por dia para 80 milhões.

Publicação da FNU (Fundação Nacional dos Urbanitários), entidade que congrega trabalhadores das empresas de saneamento, energia elétrica, energia nuclear e gás, que se opõe a privatização do setor, relata que apenas 316 dos mais de cinco mil municípios brasileiros estariam efetivamente na mira dos investidores. Esses municípios concentram 75 milhões de habitantes -- aproximadamente metade da população brasileira. O foco está especificamente em 240 cidades concentradas principalmente nas regiões Sul e Sudeste, além das capitais de todos os Estados. Entre os 33 municípios que até agora despertaram a atenção das empresas, a maioria tem 95% da população abastecida com rede de água. “Com a privatização, as receitas decorrentes das tarifas serão reinvestidas no setor ou simplesmente revertidas em lucro”? -- questiona o secretário-geral da FNU, José Eduardo de Campos Siqueira. 

Poder eleitoral -- Em meio à polêmica que a privatização do setor alimenta, há ainda outro ponto convulsivo envolvendo as empresas municipais. Embora não declaradamente essas companhias sejam prontos-socorros de prefeituras endividadas, supõe-se que a transferência ao capital privado fará com que os administradores públicos percam importante suporte financiador informal. Mas como em ambiente político tudo é possível, não está descartada a possibilidade de grandes empreiteiras aproveitarem a oportunidade para sedimentar novo elo com o Poder Público, ultimamente estremecido por causa de atrasos de pagamentos e falta de dinheiro para grandes obras.

Tradicionais financiadoras de campanhas eleitorais, empreiteiras apóiam a privatização porque a entrada de novos operadores é garantia de bons negócios. Para quem acha que os tempos mudaram, basta consultar a Internet ou ler jornais parisienses para conhecer denúncias de envolvimento dos executivos da Suez Lyonnaise des Eaux com políticos das cidades francesas de Nice e Lyon. Há até quem aposte que poderá existir dólares de companhias internacionais nas próximas eleições no Grande ABC. 



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