Esportes

Times da região têm maiores
torcidas. No banco de reservas

DANIEL LIMA - 29/01/2019

Extremos econômicos e sociais do Grande ABC de 2,7 milhões de habitantes, a rica e de altíssima estima São Caetano e a operária e sempre em baixa estima Mauá lubrificam a liderança de torcedores do Corinthians no Grande ABC. Com 39% de apontamentos, o alvinegro tem exatamente a soma de torcedores de São Paulo (19%), Palmeiras (12%) e Santos (6%). O Flamengo vem em quinto lugar com 1% de torcedores.

Os times da região não aparecem no radar e poderiam recorrer a algo que apontei há mais de três décadas como um horror esportivo: seus torcedores poderiam dividir literalmente as camisas com os torcedores dos times da Capital que também residem na região. Camisas divididas, corações multiplicados. Mesmo que a menor parte seja às equipes da região.

Traduzindo: os times da região têm a maior torcida da região. Pena que não passem do banco de reservas. Estão no banco de reservas mesmo. Basta perguntar aos corintianos para quem torcem num Santo André versus Palmeiras. Ou aos torcedores do São Paulo quem eles apoiam num jogo entre o Tigre e o Corinthians. O torcedor palmeirense de São Caetano torce para quem num confronto entre o Azulão e o São Paulo? E o torcedor palmeirense torce para quem num jogo entre Água Santa e Santos?

Afinal, os torcedores dos times grandes que moram na região também são torcedores dos times da região.  Teríamos, portanto, um gataboralheirismo inescapável, porque necessário. É melhor dividir a camisa do que não somar nada, ou quase nada. Portanto, tirar do banco de reservas os torcedores dos times da região quando a conveniência dos torcedores dos times grandes assim o pretender é uma ótima jogada de marketing.  

Vou avançar nas camisas divididas de torcedores das equipes locais com torcedores locais das equipes de São Paulo, mas antes disso vamos aos dados apresentados ontem.

Corinthians contra todos

O resultado que coloca o Corinthians em folgada liderança foi anunciado em nova rodada de pesquisas do Instituto ABC Dados, empresa que está escarafunchando a região. Os resultados das maiores torcidas de futebol na região são semelhantes aos dados mais recentes do Datafolha na cidade de São Paulo. A influência cultural da Capital, portanto, é transbordante. No futebol, então, é massacrante.

Os resultados desses dois recortes municipais da pesquisa não deixam de ser surpreendentes. Menos no caso de Mauá, por ser um endereço mais popular e próximo da Zona Leste de São Paulo, maior reduto de corintianos na Capital. No caso de São Caetano, espécie de ilha da felicidade da Região Metropolitana de São Paulo, haveria indicativos nada empíricos de que, colonizada principalmente por italianos no começo do século passado, teria representatividade esportiva mais equilibrada em relação ao resultado final da região. Ou seja: os palestrinos seriam adversários de peso dos corintianos. Entretanto, como a Zona Leste Paulistana também lhe faz vizinhança, tudo poderia ser explicado.

São Bernardo, Santo André e Rio Grande da Serra têm menos corintianos que a média regional, com exatos 30%. São-paulinos ficam sempre em segundo lugar, menos em Ribeirão Pires, onde quem aparece na posição é o Palmeiras. Vejam a classificação regional e por Município:

1. Corinthians com 39% na região, dos quais 30% em Santo André, São Bernardo e Rio Grande da Serra, 42% em São Caetano, 36% em Diadema, 59% em Mauá e 34% em Ribeirão Pires.

2. São Paulo com 19% na região, dos quais 23% em Santo André, 20% em São Bernardo e em Rio Grande da Serra, 12% em São Caetano, 19% em Diadema, 15% em Mauá e 18% em Ribeirão Pires.

3. Palmeiras com 12% na região, dos quais 13% em Santo André e em Mauá, 11% em São Bernardo, 10% em São Caetano e em Rio Grande da Serra e 12% em Diadema.

4. Santos com 6% na região, dos quais 9% em Santo André, 7% em São Bernardo, 5% em São Caetano, 8% em Diadema, 3% em Mauá, 2% em Ribeirão Pires e 10% em Rio Grande da Serra.

Primeiro em tudo 

O Corinthians é primeiro colocado em todos os recortes anunciados pelo Instituto ABC Dados.

Em Escolaridade, lidera no Ensino Fundamental com 33% (São Paulo é o segundo com 17%); no Ensino Médio com 38% (o São Paulo é o segundo com 20%); e no Ensino Superior com 40% (o São Paulo é o segundo com 19%).

No quesito Renda, Corinthians e São Paulo também dominam: até dois salários mínimos são 33% a 17%; de dois a cinco salários mínimos são 37% a 22% e acima de cinco salários mínimos são 41% a 16%.

Em Religião, a torcida do Corinthians conta com 39% dos católicos e 29% dos evangélicos, enquanto o São Paulo detém 17% a 22%.

Os resultados também colocam Corinthians e São Paulo nos dois primeiros em Gênero e Idade. Do total de homens, 39% são corintianos e 21% são-paulinos. Entre as mulheres, 35% a 17%.

Nas faixas etárias os torcedores estão assim distribuídos: de 15 a 19 anos o Corinthians tem 45%, contra 22% do São Paulo; dos 20 a 29 anos são 39% a 24%; dos 30 aos 39 anos são 44% a 19%; dos 40 aos 49 anos são 34% a 23%; dos 50 aos 59 anos são 33% a 13% (o Palmeiras é o segundo com 15%); e de 60 anos ou mais são 25% a 10% (com santistas e palmeirenses dividindo o segundo lugar com 11%).

Como a Capital 

A pesquisa do Instituto ABC Dados foi realizada entre os dias 11 e 15 de janeiro. Os resultados gerais não surpreendem quando se considera o referencial tão próximo da cidade de São Paulo, analisada pelo Datafolha em fevereiro de 2017: são 36% de torcedores do Corinthians, 19% do São Paulo, 12% do Palmeiras e 5% do Santos. O Flamengo aparece em quinto lugar com 2% dos torcedores na Capital, enquanto 24% disseram não ter time de preferência.

O que chamou atenção nos resultados do ABC Dados foi a ausência de citações às equipes da região, casos de Santo André, São Bernardo, São Caetano e Água Santa de Diadema. Como se explica? Não faltariam explicações, mas provavelmente a mais consistente é a que conduz aos efeitos da proximidade física da Capital das grandes equipes do Estado e do País.

Trata-se de concorrência duríssima que vem do passado e se tornou mais desigual na medida em que o futebol virou um grande produto de marketing e de publicidade abraçado pela televisão aberta a partir dos anos 1990. Sem retransmissora de TV aberta, o Grande ABC não passa de subúrbio da Capital no campo midiático-esportivo. E o futebol profissional paga um preço salgadíssimo porque é invadido diariamente pelo noticiário reservado aos grandes clubes da Capital.

As equipes da região encontram muitas dificuldades para contar com estrutura de patrocínio porque parecem invisíveis diante de potenciais investidores. Exceto situações muito especiais, como o primeiro jogo da final da Copa do Brasil em 2004 diante do Flamengo, quando o Santo André levou grande público ao então Estádio do Parque Antártica, na Capital, e também anteriormente, quando o São Caetano decidiu o título da Taça Libertadores contra o Olímpia do Paraguai no Pacaembu, raramente os torcedores de grandes equipes que moram na região engrossam as arquibancadas pelas cores locais.

No fundo, no fundo, há sempre um torcedor reserva de uma das equipes da região em cada torcedor titular de time grande da Capital. Se a proporção de torcedores prioritariamente de Santo André, São Caetano, São Bernardo e Água Santa é bastante discreta (algo que a pesquisa do ABC Dados não captou), por outro lado é potencialmente imensa quando se coloca a opção de segunda equipe de preferência do morador da região.

Uma pergunta que remeta a quantificar essa realidade poderia ser incorporada numa nova pesquisa. O resultado possibilitaria configurar a importância dos clubes da região em meio ao massacre de cobertura reservada aos grandes clubes paulistas.

Já se foi o tempo em que uma campanha para dividir a camisa dos torcedores do Santo André, que também torciam para equipes da Capital, era um péssimo negócio para o futuro. Em março de 1984 (portanto há 35 anos), este jornalista e o também jornalista, Luiz Carlos Sperândio, escreveram dois textos na cobertura esportiva do Diário do Grande ABC. “Camisa dividida só poderia ser uma ideia de mercador”, afirmei no título da matéria. Nem imaginava que a situação seria completamente revertida em pouco mais de três décadas e chegasse, portanto, a propor agora que sim, é melhor dividir a camisa do que não ter camisa dividida. Leiam alguns parágrafos daquela matéria: 

 Só mesmo um mercador poderia idealizar a camisa dividida, exportando-a para diversos cantos do País, entre os quais Santo André. A reportagem do companheiro Luiz Carlos Sperândio (...) transforma o assunto em saborosa polêmica porque, assim como existe quem defenda a grotesca mistura de cores, há outros que não aceitam. Nós estamos nesse bloco, porque longe de sermos rotulados de reacionários comportamentais, também não pendemos muito para certas revoluções. (...), mas não abrimos mão de defesa do bairrismo no Grande ABC, o que, decididamente, a camisa dividida pretende pulverizar, voluntariamente ou não. Felizmente, a maioria pensa assim, porque dos mais de 12 mil torcedores que estiveram no Bruno Daniel no último domingo, apenas 12 vestiram camisa dividida. (...) Tratam-se de torcedores ainda renitentes ao seu primeiro amor – o clube grande – mas já envolvidos pelas cores azul e branco. Tanto que já dividem a camisa com as cores locais.

Dividindo a camisa

A reversão daquele juízo de valor é a alternativa que parece mais viável. Converter em operação de marketing a adoção dos clubes locais pelos torcedores dos grandes clubes na região deixou de ser heresia esportiva e cultural para ganhar cores de pragmatismo.

A pesquisa do ABC Dados evidencia o que se sente em todos os cantos. Os clubes da região ficam praticamente o ano inteiro congelados nas disputas estaduais que não duram três meses, enquanto os grandes da Capital são freneticamente embalados pela mídia de entretenimento que muitos confundem como crônica esportiva. 

Ter torcedores de Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos com camisas multicoloridas e dísticos de dois clubes, como a então indesejável camisa dividida de 1984, é uma saída para combater o esvaziamento que, se não é tão alarmante quanto sugere a pesquisa do Instituto ABC Dados, é implicitamente preocupante.

Ser o primeiro amor do torcedor que mora na região já é uma batalha perdida. Deixar de ter pelo menos o amor adotivo e de conveniência é flertar com ruptura delicadíssima desse ramal cultural que ajuda a formatar o municipalismo e o regionalismo.



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