Esportes

Vamos ter mesmo
uma decisão caseira?

DANIEL LIMA - 05/07/2000

O futebol profissional do Grande ABC pode viver nas próximas semanas um dos períodos de ouro de trajetória pouco brilhante. São Caetano e Santo André provavelmente vão decidir o título da Segunda Divisão (a chamada Série A-1) do Campeonato Paulista. O São Caetano, clube que mais investiu no campeonato juntamente com o Etti Jundiaí, só não se classificará à final se sofrer uma improbabilíssima derrota de três gols de diferença neste domingo, 9 de julho, contra o Juventus, no Estádio Anacleto Campanella. Ao Santo André resta esforço maior, mas nem por isso de resultado complicado, no Estádio Bruno Daniel: vencer o Etti Jundiaí por qualquer placar. 

Jamais na história um clássico regional decidiu o acesso ao grupo de elite do futebol paulista, no qual Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos são estrelas cintilantes. O mais próximo disso ocorreu em 1976, quando Santo André e Aliança de São Bernardo disputaram o quadrangular decisivo do acesso em Campinas e acabaram perdendo a corrida para o XV de Jaú. 

O presidente do Santo André, Jairo Livolis, carimba a eventual decisão como o Jogo do Século na região. Exagerado ou não, o fato é que jogar com o Santo André seria péssimo negócio para o São Caetano. O discurso politicamente correto de que nada melhor que um clássico para decidir o principal campeonato estadual de acesso do País não passa exatamente disso -- de politicamente correto. 

Defender essa tese tem o mesmo sentido lógico de entender que, para os corintianos, é melhor decidir um título com o Palmeiras do que com o Guarani de Campinas. 

Por que para o São Caetano o Santo André é o pior adversário? Porque o time mantido por fornecedores de elite da Casas Bahia é disparadamente o melhor elenco da competição. Tem jogadores de sobra para enfrentar um regulamento disciplinar draconiano, que penaliza com suspensão automática todo jogador que somar dois cartões amarelos. Cartão amarelo de advertência tem mais força que cartão vermelho de expulsão, ao qual se pode recorrer com o pagamento de multa e julgamento antes do jogo seguinte. Por isso, proliferaram casos de expulsões seguidas de absolvição. 

O exemplo mais grotesco dessa obra de estultice do presidente da Federação Paulista de Futebol, Eduardo José Farah, envolveu o sanguinário volante Anderson, do Santos. Ele foi expulso no primeiro jogo da decisão contra o São Paulo, depois de receber o segundo cartão amarelo que o retiraria inapelavelmente do segundo jogo, foi julgado três dias antes da partida final e, de novo, foi expulso por fazer o que mais sabe -- usar e abusar da violência física.

Como o São Caetano todo-poderoso pode temer um Santo André mais modesto? Principalmente porque há antiga e respeitada máxima no futebol de que clássico é clássico. O São Caetano ainda não esqueceu a última rodada da fase decisiva de 1999, quando enfrentou o Santo André num Anacleto Campanella lotado. Bastava uma vitória simples para consumir pré-encomendados barris de chope gelado. Quem ganhou foi o Santo André, que só não subiu, embora tenha terminado ao lado do festejado América de Rio Preto, porque perdeu num dos critérios de desempate do regulamento formulado pelo mesmo Farah. O América somou mais pontos que o Santo André em toda a competição porque enfrentou mais vezes adversários que fizeram menos pontos. O critério de desempate seria algo parecido como uma prova de obstáculos em que se colocam oito barreiras para um concorrente e apenas metade para o outro. 

A certeza de que São Caetano e Santo André farão a final do acesso deste ano era tanta antes das partidas de volta da semifinal que as frases mais ouvidas dos dois lados são desafios antagônicos: a torcida do São Caetano garante que a vingança (como a justiça) tarda mas não falha; e a torcida do Santo André ironizava com a certeza de que quem amarela (tem medo) uma vez, o faz sempre, referindo-se também à derrota do São Caetano para o Santa Cruz do Recife, na fase decisiva do Campeonato Brasileiro da Série B, de 1999, depois de liderar toda a competição. Coisas de uma rivalidade que ajuda a amalgamar a auto-estima regional. Mas que não passe dos limites. 


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