O São Caetano poderá ir às últimas instâncias esportivas para seguir na Série A (Primeira Divisão) do Campeonato Paulista. O presidente Nairo Ferreira protagonizou ontem espécie de Tabajarismo Futebol Clube, depois de um encontro com o presidente da Federação Paulista de Futebol, Reinaldo Bastos. Nairo Ferreira anunciou desistência da disputa pela vaga. Horas depois, pressionado por conselheiros do clube, voltou atrás. É possível que ainda hoje retorne à FPF para comunicar a decisão.
Se o dirigente máximo do São Caetano seguir à risca a cartilha dos conselheiros mais rebeldes, a trapalhada do Departamento Técnico da Federação Paulista de Futebol vai causar problemas para o presidente Reinaldo Bastos. Especialista ouvido por influentes conselheiros do São Caetano assegura o direito de o clube permanecer na Série A, ocupando a vaga a ser liberada por Bragantino ou RB Brasil, que estão se fundindo em uma única agremiação.
A trapalhada de Nairo Ferreira é explicada como um lamentável desencontro com o especialista ouvido pelos conselheiros. O dirigente foi à Federação Paulista de Futebol sem o devido preparo informativo. E acabou cedendo à tentação de Reinaldo Bastos. Tudo o que a FPF não quer é uma crise gerada pelo equívoco do Departamento Técnico.
Competições distintas
Como mostramos nos dois últimos dias, o regulamento da Primeira Divisão não faz qualquer referência ao acesso do terceiro colocado da Segunda Divisão em caso de desistência de uma das equipes. O regulamento da Segunda Divisão, que define essa migração, não é autônomo. Ou seja: como são competições distintas, não contemplam complementaridade. O acesso das duas primeiras colocadas e o rebaixamento das duas últimas são conexões entre as duas competições. Nada além disso.
A certeza de que o erro regulamentar causará transtornos técnicos e políticos coloca o presidente da Federação Paulista de Futebol em busca de solução diplomática ao impasse. A questão só será definida durante o Conselho Técnico dos clubes da Primeira Divisão, em setembro ou outubro, quando se definirão as regras específicas da competição. Como ocorre todo ano. Até lá, tudo pode acontecer.
Há várias possibilidades teóricas que favoreceriam a demanda do São Caetano para continuar na Série A. Mas também há possíveis dificuldades. Também o terceiro colocado da Segunda Divisão pode lutar bravamente pela vaga na Primeira Divisão, mas as condições legais são frágeis, embora não descartáveis.
Acesso suplementar
O São Caetano ficou na penúltima colocação ao fim da fase classificatória da Primeira Divisão (oficialmente Série A-1). O regulamento determina que os dois últimos colocados são rebaixados. A tábua de salvação é que Bragantino ou RB Brasil não participará da competição do ano que vem, porque se fundiram numa única equipe. É essa vaga que o São Caetano poderá avocar. O argumento é que haveria espécie de rebaixamento compulsório de uma daquelas equipes, por infringir a premissa legal de que uma das agremiações desaparecerá oficialmente do calendário da FPF.
O acesso do terceiro colocado da Segunda Divisão (oficialmente Série A-2) não está contemplado no regulamento da Primeira Divisão. Ou seja: não foi sequer cogitado durante a assembleia dos clubes participantes no Conselho Técnico realizado no último trimestre do ano passado. O fato de constar do regulamento da Segunda Divisão não daria direito à subida automática em caso de abertura de uma vaga suplementar na Primeira Divisão, como seria o desfecho do negócio envolvendo Bragantino e Red Bull. Há quem force a interpretação, inclusive a direção da Federação Paulista de Futebol. Tudo para se livrar do abacaxi repassado pelo Departamento Técnico.
Toalha recolhida
Exatamente por isso, o presidente do São Caetano, Nairo Ferreira, jogou a toalha ao sair do prédio da entidade na Barra Funda, ontem à tarde. Conselheiros influentes do clube tomaram conhecimento da iniciativa do dirigente e o pressionaram a voltar atrás. Eles estão respaldados por informações favoráveis à manutenção do clube na Primeira Divisão.
Não bastasse isso, interpretaram a decisão de Nairo Ferreira como precipitada, porque o caso só será examinado pelo Conselho Técnico da Primeira Divisão, integrado pelos clubes, no último trimestre deste ano.
Há entre os conselheiros do São Caetano uma definição tática em favor de seguir rigorosamente os trâmites esportivos para solucionar o impasse. Isso significa que, como determina o regulamento da competição, não haverá nenhum desvio de rota em direção a outra instância, no caso a Justiça Comum.
Os conselheiros entendem que a presidência da Federação Paulista de Futebol saberá conduzir a situação ao que chamam de “porto seguro da sensatez”. Ou seja: se o regulamento da Primeira Divisão prevê duplo rebaixamento e se Bragantino ou Red Bull não poderá disputar a competição no ano que vem, juntamente com o último colocado São Bento de Sorocaba, a permanência do São Caetano é automática.
Complicações regulamentares
O lado cor de rosa observado por conselheiros do São Caetano não descarta, entretanto, evidentes complicações geradas pelo regulamento da Segunda Divisão. O terceiro colocado deverá mesmo brigar por uma vaga na Primeira Divisão, mas os defensores dessa versão regulamentar já começam a se dividir ante a dificuldade de estabelecer direito a uma competição de nível hierárquico superior sem que haja previsão legal.
Ou seja: o regulamento da Primeira Divisão não faz qualquer menção à abertura de espaço na competição ao terceiro colocado da divisão inferior.
O especialista contratado pelo São Caetano também trabalha numa linha de montagem de defesa que levaria em conta a etimologia do verbete “desistência” da competição, previsto no regulamento da Segunda Divisão. Pretende-se colocar o termo “desistência” fora de cogitação legal, cedendo lugar à “impossibilidade”.
Ou seja: Red Bull ou Bragantino não poderá disputar a Primeira Divisão do ano que vem porque estaria impossibilitado legalmente, não porque desistiria. A semântica não é um penduricalho inútil em questões jurídicas, mesmo na esfera esportiva. Substituir “desistência” por “impossibilidade” pareceria banal a mentes menos treinadas às artimanhas do Direito.
Na verdade, ao possivelmente utilizar a diferença entre uma coisa e outra, o São Caetano estaria se habilitando a seguir na Primeira Divisão sem correr o risco de, mesmo sem o acesso do terceiro colocado da Segunda Divisão, ver-se rebaixado. Ou seja: como em última instância a FPF pode decidir que o acesso do terceiro colocado da Segunda Divisão fere os direitos dos clubes da Primeira Divisão, o São Caetano seria rebaixado porque o regulamento dessa mesma Primeira Divisão é enfático quanto a isso, ou seja, por ter se colocado entre os dois últimos. Dessa forma, a Primeira Divisão do ano que vem teria 15 clubes, não 16.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André