A equipe mais competitiva dos últimos 30 meses do futebol brasileiro resolveu mandar para casa o técnico que a tornou quase vitoriosa. Nada mais lógico, porque é impossível manter um comandante que persistentemente fracassa na batalha decisiva. Jair Picerni, tetravice-campeão pelo São Caetano, perdeu o posto após a derrota para o Olímpia do Paraguai por 2 a 1 no tempo regulamentar e nas penalidades máximas que decidiram a Taça Libertadores da América.
Não falta quem conceda a Jair Picerni a glória do coito interrompido. Fundamentalmente porque ainda enxergam o São Caetano eterna surpresa do futebol brasileiro, não realidade bem-acabada. Muito mais que o mais modesto, menos estruturado e, sim, surpreendente Paysandu da distante Belém do Pará que derrotou o poderoso Cruzeiro e conquistou o título da Copa dos Campeões.
O resultado tornou sonho a perspectiva de disputar o Mundial Interclubes, no Japão, contra o centenário Real Madri de Roberto Carlos, Figo, Zidane e tantos outros craques. A persistência de perder decisões é velha parceira de Jair Picerni, antes mesmo dos tempos em que comandou a Seleção Olímpica de 1984, recheada de talentos, que ficou com a medalha de prata. No São Caetano ele exagerou: caiu diante do Paraná na final do Brasileiro da Segunda Divisão de 2000, contra o Vasco da Gama na final do Brasileiro de 2000, do Atlético Paranaense na final do Brasileiro de 2001 e agora, diante do Olímpia, na final da Libertadores. Três dos quatro jogos decisivos foram disputados em casa, com apoio da torcida. É demais.
O São Caetano do jogo final merecia mesmo abaixar a cabeça e correr para os vestiários enquanto os jogadores e a comissão técnica do Olímpia festejavam ruidosamente a conquista da Libertadores pela terceira vez em 100 anos de fundação. Depois da vitória em Assumpção e da crise que explodiu no time paraguaio, com acusações de noitadas nada ortodoxas, o mínimo que se poderia esperar do São Caetano é que justificasse o favoritismo no Pacaembu praticamente lotado. Entretanto, não poderiam faltar antigas manias brasileiras de subestimar o adversário. Excesso de bajulação dos torcedores, exposição inusitada da mídia festiva e alucinadamente ávida por audiência, desconcentração dos jogadores e o sistemático tremor do treinador Jair Picerni mostraram-se insuperáveis.
Bastava um empate para o São Caetano desvencilhar-se de vez da ziquezira de morrer na praia. O jogo parecia melhor que a encomenda porque, mesmo dominado, o Azulão abriu o placar quase ao final do primeiro tempo. O bom senso indicava que o intervalo do jogo serviria para tranquilizar a equipe excessivamente perdedora de passes e também para substituir qualquer peça dispersiva do meio de campo por um marcador mais rígido, capaz de auxiliar Marcos Senna.
Foi aí que Jair Picerni, fazendo jus ao apelido de Jair Vicerni, entrou em ação. Primeiro, foi expulso de campo infantilmente, comprando uma briga do lateral Russo com um atacante paraguaio. Insistiu tanto numa espécie de artimanha que nem no futebol de várzea se pratica mais que acabou eliminado do espetáculo. Não totalmente eliminado, evidentemente, porque sua influência fora das quatro linhas continuou. Tanto que não mexeu na deficiente estrutura tática da equipe no intervalo, como se esperava. Só providenciou a entrada de Serginho e a retirada do inútil Robert aos 18 minutos do segundo tempo, quando o Olímpia já tinha virado o placar.
O resto da história todos conhecem. Somente o Complexo de Gata Borralheira do Grande ABC pode explicar as vexatórias tentativas de transformar mais uma derrota em jogo decisivo em aplausos, sob a surrada desculpa de que o São Caetano foi, mais uma vez, longe demais. O Paysandu, quatro dias depois, recolou a casa da verdade em ordem. Ninguém suporta tanto vice-campeonato sob o mesmo comando, sabendo-se que o São Caetano tem uma direção empresarial que não deixa faltar nada para que o conjunto prevaleça sobre o individual. O time coletivo perdeu a Libertadores exatamente porque foi individualista. A começar pelo técnico.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André