Esportes

Vaga da discórdia: vejam as
perguntas aos especialistas

DANIEL LIMA - 02/07/2019

Como anunciamos na edição de ontem, reproduzimos hoje as nove perguntas endereçadas a dois especialistas em Direito Esportivo. Eles foram previamente convidados a responder as questões que envolvem uma fantasia chamada “terceira vaga” na Primeira Divisão (Série A1) do Campeonato Paulista. As questões apontam, mais uma vez, esse impasse criado quem sabe com finalidades nem sempre transparentes e republicanas. Afinal, vivemos no País de prestidigitadores contumazes.

Exatamente por conta disso preparamos o material que se segue. A oposição à “terceira vaga” é fundamentada no regulamento da Série A2 (Segunda Divisão). A imprensa mal informada, mas nem por isso descartável porque no futebol brasileiro tudo é possível, inclusive o impossível, deu asas à imaginação de que o terceiro colocado da Série A2 poderia ocupar a vaga que o Red Bull detém na Série A1 e da qual se livrará porque juntou-se ao Bragantino numa empreitada de cunho nacional ao pegar carona, por enquanto, na disputa da Série B do Campeonato Brasileiro. Por enquanto porque informações dão conta de que a operação terá desdobramentos até que o Red Bull assuma a identidade oficial em substituição à agremiação que incorporou.

Mil vezes, verdade

Uma mentira ou um engano repetido mil vezes se torna verdade. E é o que se pretende como desenlace do impasse que ganhou foro de factualidade. O Água Santa de Diadema ou qualquer time que chegasse em terceiro lugar na Série A2 só teria direito a ocupar uma vaga na Série A1 de 2020 se o campeão Santo André ou o vice-campeão Internacional de Limeira anunciasse desistência durante o Conselho Técnico previsto para setembro. Fora isso, o que a Federação Paulista de Futebol patrocinaria seria patifaria regulamentar.

Seria cinismo se, ao enviar as questões aos especialistas em Direito Esportivo, reunisse material neutro, supostamente imparcial. O jornalismo moderno não permite meias palavras ou acomodações. Os especialistas vão responder com toda a liberdade e responsabilidade, mas o farão com base tanto em convicções próprias quanto em resposta às perguntas que formuladas. E as perguntas que formulei são incisivas e peremptórias porque o regulamento, peça decisiva de avaliações, não deixa margem a dúvidas.

O que quero dizer com isso também é que se pretendesse unidirecionamento da avaliação, não procuraria os especialistas em questão. O contraditório é sempre produtivo. Sem contraditório visceral, quem perde é a sociedade consumidora de informações. Mas é claro que o contraditório não é uma oportunidade a enrolações e improdutividades. Sustentar o contrário, ou seja, que o Agua Santa tem sim direitos insofismáveis de acesso, exige fundamentação. 

E parte da imprensa, possivelmente estimulada por setores protecionistas da Federação Paulista de Futebol, jamais lançou mínimo esforço a contra-argumentar com substância. Na maioria dos casos são torcedores organizados travestidos de jornalistas.

Cheiro estranho no ar

Os leitores estão convidados a esmiuçar cada parágrafo das perguntas que se seguem, porque acredito que os especialistas convidados o farão intensamente. E que o façam mesmo porque há um cheiro estranho a contaminar o ambiente esportivo na disputa artificializada da vaga que se abrirá. O silêncio público da Federação Paulista de Futebol não corresponde ao burburinho interno na entidade da Barra Funda. Há espécie de couraça protetora ao Água Santa. Pode ser até mesmo um disfarce programado, porque outra equipe poderia, de fato, estar próxima da ocupação do espaço.

De qualquer forma, a contribuição de CapitalSocial para introduzir a vaga da discórdia num patamar de maior densidade participativa não pode ser minimizada. Os especialistas não têm o poder supremo de exumar o regulamento do campeonato, mas contam com pressuposto de competências que certamente ajudarão a clarear um horizonte tão dúbio como o passado recente. A vaga da discórdia não é uma obra qualquer. É a subversão do que está escrito pelo que se pretende reescrever com subjetividades e malabarismos interpretativos.

Acompanhem agora as perguntas enviadas aos dois especialistas. As questões têm uma construção mais alongada porque o processo se dá por e-mail. Entrevistas presenciais são mais interativas, com perguntas e respostas mais imediatas, mas a tecnologia colocada à disposição da humanidade pela revolução digital não pode ser subestimada. É o que esperamos com as respostas que virão.

CapitalSocial – Embora não exista nada suficientemente capaz de sustentar a tese, o Água Santa de Diadema reivindica utópica “terceira vaga”, criada pela imaginação de parte da imprensa descuidada. O Artigo Nono, Parágrafo Primeiro do regulamento da Série A2 (Segunda Divisão) do Campeonato Paulista é desmistificador nesse sentido. Ou seja: a chamada terceira vaga não é contemplada nem subjetivamente. Basta uma leitura apurada. O Artigo Nono diz: “Terão direito de acesso à Primeira Divisão – Série A-1 de 2020 os dois clubes classificados para a fase final da competição”. O Parágrafo Primeiro especifica: “Em caso de não participação de algum clube classificado para o Campeonato Paulista de Futebol Profissional – Primeira Divisão – Série A-1 de 2020, terá também acesso o clube que obtiver a terceira melhor campanha no Campeonato de Futebol Profissional – Primeira Divisão – Série A2 de 2019, dentre os que disputaram a fase seminal”. O senhor se sentiria mais confortável em defender a causa do Água Santa ou, como chegaremos lá daqui a pouco, do São Caetano, que seria o legítimo herdeiro da vaga vacante em caso de desistência oficial do Red Bull, ou, ainda, preferiria outra alternativa?

CapitalSocial – Defendemos a diferença que separa o enunciado “classificado para” claramente exposto no Parágrafo Primeiro do Artigo Nono, do verbete “participante” para reforçar a garantia expressa no regulamento da Série A2 de que o Artigo Nono e seu Parágrafo Primeiro se referiam exclusivamente àquela competição. Bem diferente, como apontamos, de “participante”, que se refere à Série A1. Qual a sua compreensão sobre isso?

CapitalSocial – Também destacamos ao longo de análises a divisibilidade entre as competições. Ou seja: que o poder decisório dos respectivos regulamentos envolvendo diferentes séries do Campeonato Paulista obedece à premissa de que os clubes de uma divisão não estão integralmente subordinados a outras divisões, sobretudo os clubes da Série A1. Tanto é verdade que a fórmula de disputa da Série A1 é diferente da adotada nas demais. O quesito “acesso”, entre outros aspectos, não teria razão de ser na Série A1, porque é a escala final da hierarquia futebolística do Estado. O que o senhor nos diz.

CapitalSocial – O regulamento da Série A1 determina que as duas últimas colocadas da competição serão rebaixadas. Está lá no Parágrafo Único do Artigo Nono: “Concluída a primeira fase os dois clubes que obtiverem o menor número de pontos ganhos, independente do grupo, serão rebaixados à Primeira Divisão –Série A2 de 2020, observando-se, caso necessário, os critérios de desempate previstos neste Regulamento”.  O regulamento não projetou o que se apresenta à próxima temporada, ou seja, a possibilidade de desistência de uma das equipes participantes que terminaram a temporada fora da zona de rebaixamento. O senhor acredita que a reposição de vaga compulsoriamente contemplaria o penúltimo colocado, no caso o São Caetano, mantendo-se, portanto, dois rebaixamentos, um dentro de campo e o outro pelas razões expostas? Haveria outra solução sem ferir os direitos do São Caetano em sustentar a tese de que a desistência do Red Bull equivale a rebaixamento?

CapitalSocial – Desconsiderados todos os vetores legais, regulamentares e invadindo o terreno da subjetividade, o senhor acredita que é mais merecedor de uma das vagas da Série A1 uma equipe que na hierarquia do futebol paulista, mesmo supostamente rebaixada, ocuparia a 17ª posição entre os 32 clubes mais importantes do Estado, ou quem vem logo a seguir, em 19º lugar? Explicando: se rebaixado, o São Caetano seria o 17º clube do Estado, enquanto o Água Santa, terceiro da Série A2, seria o 19º, atrás do último colocado da Série A1, o São Bento de Sorocaba. Afirmar, como se afirmou, que um terceiro colocado da Série A2 teria mais valor que um 15º colocado da Série A1 é compatível com a meritocracia explicitada na própria definição das séries e seus ocupantes?

CapitalSocial – Também escrevemos que, em nenhum ponto sequer, o regulamento da Série A2 desta temporada faz qualquer registro, mesmo que condicional, à inclusão de um terceiro colocado na classificação geral como ocupante de eventual vaga em aberto na Série A1. Repito: além do já mencionado Artigo Nono e seu Parágrafo Primeiro não exist3 nada, absolutamente nada, no conjunto de regras, que vislumbre aquela saída.  

CapitalSocial -- Também abordamos um aspecto importante do Campeonato Brasileiro para defenestrar a tese que beneficiaria o terceiro colocado da Série A2 do Campeonato Paulista. O regulamento daquela competição distingue, no Artigo Dois, que os critérios técnicos de participação dos clubes é o seguinte: a) ter permanecido como integrante do Campeonato Brasileiro da Série A em 2018; b) ter acessado o campeonato a partir do Campeonato Brasileiro da Série B de 2018. Traduzindo: se a CBF separa “integrantes” de “acesso”, ou de “classificado”, não seria exagero os defensores da terceira vaga arguirem algo que choca com os preceitos regulamentares?

CapitalSocial – Como será possível, do ponto de vista de legalidade, não necessariamente de ética e de moralidade esportivas, o preenchimento de eventual vaga deixada pelo Red Bull sem que se firam, supostamente, os interesses do São Caetano ou do Água Santa? No caso, o clube de Diadema, que reivindica uma vaga que entendemos afrontosa ao regulamento, afirma que a possível venda do CNPJ do Red Bull poderia estar carregada de irregularidade em benefício de uma terceira equipe. O São Caetano não se tem pronunciada porque, provavelmente, está convicto de que só defenderia seus direitos mediante a confirmação da vacância na Série A1. A propalada transferência do CNPJ do Red Bull para uma terceira equipe interessada na vaga passa pelo crivo dos regulamentos esportivos? Se passa, por que, por exemplo, o Red Bull não assumiu diretamente na Série B do Campeonato Brasileiro identidade esportiva própria, ao invés de ficar à sombra do Clube Atlético Bragantino? O que supostamente diferenciaria uma situação da outra?

CapitalSocial – O senhor deve ter percebido que o coloco, agora, como eventual defensor de uma terceira equipe, no caso a possível agremiação que negociaria com o Red Bull a vaga na Primeira Divisão de São Paulo. Isso significa dizer que o senhor tem todo o direito de contestar a adjetivação que incorporo na pergunta anterior quando me referi à questão como “eventual afronta à ética e à moralidade””. É preciso entender que também uso de condicionalidade para definir o negócio com uma terceira equipe como supostamente antagônica aos conceitos expostos. Num exame mais profundo, que não cabe nesta pergunta, responderia a mim mesmo que mudanças no mundo dos negócios do futebol permitem flexibilizar conceitos sem que se caia na gandaia conservadora de sadomasoquismo comportamental. O enunciado que expus com ressalva tem ligação, portanto, com o senso comum de que as vagas que definem hierarquia no futebol devem ser lastreadas dentro de campo. O que acha?



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