Tudo é tratado sob sigilo absoluto. Além de motivos mais que indispensáveis, porque confidencialidade faz parte de investigações criminais, não está fora de cogitação novos atropelos de demandas de outras áreas de um País que persiste no aperfeiçoamento de bandalheiras. Com isso, as ações seriam novamente prorrogadas.
Trata-se do que informalmente é rotulado de Operação Bola Quadrada, marca provisória que poderá ser confirmada ou não no futuro. As investigações foram deflagradas já há algum tempo por policiais federais. São um desdobramento esportivo da Operação Lava Jato em território Paulista.
Cinco clubes profissionais, dois dos quais da Região Metropolitana de São Paulo, estariam na zona de tiro. Pode ser que sejam mais. Pode ser que sejam menos. O universo de delinquentes no jogo da bola depende do foco de investigações. E dos despistes táticos necessários.
Vaga nebulosa demais
A mais que provável vaga que se abriria na Séria A1 do Campeonato Paulista acabou de entrar na rota dos federais. Não existe, em princípio, nada no caso diretamente relacionado às investigações originais. Mas, como tudo no futebol é possível, porque há intrincadíssimas redes de relações intensas e imensas, não se descartam indícios a apontar uma esticada exploratória.
Trabalha-se, no caso específico da chamada terceira vaga, com a possibilidade de desvendar algo que se caracterizaria como obra de arte do marketing associado a maquiavelismo. Estaria no horizonte próximo dos federais uma engenhosa arte de vender gato por lebre.
O gato seria a negociação financeira para favorecer o Água Santa de Diadema ou uma terceira equipe igualmente interessada em ocupar a vaga do Red Bull.
A lebre seria um gesto de caráter supostamente magnânimo e de lisura do Red Bull em favor do mesmo Água Santa ou de uma terceira equipe.
Transferência problemática
Traduzindo em miúdos: a transferência de um direito (no caso a desistência do Red Bull, por já haver garantido a vaga após incorporar o Bragantino) para uma meritocracia de encomenda (ou seja, a interpretação caolha e parcial de que a equipe de Diadema é legítima herdeira do espaço ou uma terceira equipe associada direta ou indiretamente ao Red Bull) ganharia ares de respeitabilidade.
O rascunho da iniciativa desenharia um Red Bull altruístico que abriria mão oficialmente de qualquer vantagem financeira pela renúncia à vaga desnecessária, enquanto algo bem diferente e menos nobre ocorreria nos bastidores.
De que se trata o “menos nobre” é questão a ser observada tendo como polo de interesse a lógica econômica de que ninguém abre mão de determinadas possibilidades de traduzir em dinheiro o que a legislação permitiria.
Quem acredita que o Red Bull abriria mão de verdade de parte do dinheiro que gastou para dar um salto na hierarquia do futebol brasileiro sem se dar conta de que no meio de caminho alguém estaria cultivando um ramal de intermediação vantajosa? Uma coisa estaria condicionada à outra.
Ou seja: o Red Bull teria todas as garantias de que ao incorporar o Bragantino subiria direto mesmo para a Série B do Campeonato Brasileiro e cederia a vaga na Série A1 do Campeonato Paulista por intermédio de terceiros que têm muita influência no mundo do futebol.
Massificação estratégica
Portanto, a massificação midiática em torno de um direito inexistente que favoreceria o Água Santa ou de uma negociação que permitiria a uma terceira equipe o acesso à principal competição estadual do País ganharia contornos de legitimidade e, mais que isso, de diplomacia esportiva do Red Bull.
Repetindo para quem tem dificuldade de entender: o Red Bull sairia compulsoriamente de cena na Primeira Divisão de São Paulo sem oficialmente beneficiar-se do direito de negociar valores monetários, mas, em paralelo, sobre o qual a empresa de energético não teria controle e nem preocupação porque agiria de boa-fé, abrir-se-ia um duto de compensações financeiras a terceiros.
Independentemente do caso da possível vaga na Série A1 do Campeonato Paulista, a sorte que separa os marginais que se utilizam do futebol para corromper e lavar dinheiro é que os federais de São Paulo estão atarefados demais com insumos mais graves que transformaram dinheiro público em mercadoria de contravenções. Não fosse isso, a Operação Bola Quadrada já teria feito estragos monumentais.
Observação atenta
Não é de agora que os federais observam movimentos extracampo do futebol – diferentemente, portanto, da maioria da mídia do entretenimento esportivo, que só se preocupa com o que ocorre dentro de campo e em muitos casos serve de ponte involuntária aos intentos criminosos.
Há indícios gerais mais que de sobra para apertar o cerco contra bandidos do esporte. Gente que faz dos resultados legítimos dentro de campo o desenlace de algo que nem sempre está relacionado ao conjunto de valores meritocráticos fora de campo.
Afinal, guardadas as devidas proporções, dinheiro sujo desequilibra tanto as forças relativas das equipes em campo quanto comprava fidelidades ao governo federal no Congresso Nacional durante o longo período dos petistas e aliados no poder.
É claro que tanto os delinquentes do futebol de agora não são fruto de combustão espontânea, como não o foram os políticos bandidos que a Operação Lava Jato enquadrou e mandou encarcerar.
Cultura de impunidade
Há uma sucessão de fatos históricos que alimentaram o aperfeiçoamento do modelo de corrupção no esporte. Mas a transformação do futebol em grande campo para negócios inclusive internacionais desperta atenção redobrada. Agora não se trata, no palavreado de uma fonte, de “merrecas”. Ou de ladrões de galinha.
Existe um tripé que supre a volúpia de monetização do futebol. Cada vez mais dinheiro é injetado no esporte mais popular do planeta. A visibilidade e a rentabilidade do futebol dispensam adjetivação. Tratado como entretenimento, absorve uma quantidade quase incalculável de recursos financeiros. Especialmente o futebol virou o primo rico dos veículos de massa. Junte-se a isso o afrouxamento de atenção na hierarquia da criminalidade constante e o resultado final é um produto sem maiores riscos ante instâncias de controle de ativos financeiros convencionais. Ou seja: exerce fascínio às inversões financeiras no futebol o cerco cada vez maior de instâncias federais em busca de contraventores e sonegadores.
O COAF não ganhou notoriedade por conta de ser uma extensão humanitária do Vaticano. Quanto menos dinheiro sujo passar pelos caminhos convencionais de negócios, ou seja, o sistema financeiro, menos problemático será o destino dos bandidos esportivos. A bola que rola no futebol se converteu, assim, num refúgio aparentemente tranquilo aos criminosos.
Há muitos empreendedores de futebol que estão num patamar de credibilidade acima de qualquer suspeita. Agem com lisura e cuidados para não mancharem a reputação construída a muito custo. Por isso mesmo contam com administração profissional que causa inveja a empresas de outras atividades. Não se abre mão de passar pelo crivo da parafernália legislativo-fiscal do País.
Mas não custa lembrar que não faltam piratas a explorar todos os meios possíveis para imprimir digitais de ilicitudes muito além do que se vê de competitividade nas quatro linhas.
Portanto, o dinheiro aplicado no futebol por gente que faz do futebol um meio de driblar os agentes da lei tem uma característica especial que atrai cada vez mais empreendedores do submundo econômico: a cultura de que a atividade passa ao largo de recursos públicos diretos e, portanto, não incomodaria autoridades policiais, ministeriais e judiciais.
Ou seja: o futebol seria uma espécie de licença poética para se roubar à vontade, porque o risco de punição é quase zero.
Talvez a Operação Bola Quadrada venha a ser para a área esportiva o que significou a Operação Lava Jato no campo administrativo e político. Quem seria capaz de negar que se alterou completamente o mapa das relações entre público e privado e, mais que isso, deu-se um cavalo de pau no ambiente de impunidade que alimentava novas camadas de corrupção?
Não se sabe exatamente até que ponto irão as investigações da Operação Bola Quadrada. É certo, entretanto, que os federais têm o mapa da mina para flagrar os contraventores da bola.
Futebol como pretexto
Há equipes de futebol montadas a pretexto de interesses esportivos que servem em igualdade ou sobretudo de pontas de lança à lavagem de dinheiro. Não existe nessas agremiações correspondência entre investimentos em forma de organização das equipes e receitas factíveis a qualquer detalhamento fiscal. Ou seja: gasta-se demais em relação aos ramais de organização interna que viabilizem os recursos.
Mais que isso: os balanços não são espelhos da realidade. Salários modestos no papel e nas obrigações trabalhistas são apenas uma forma de despiste. Dinheiro vivo, vivo de verdade, marca as relações entre empregadores e empregados que optaram pela linha de fundo de desvios.
Um código de conduta semelhante ao da máfia torna parceiros desejáveis ou indesejáveis profissionais do futebol das equipes investigadas e os contratantes. O silêncio vale ouro, quando não a própria vida.
Reduzir o tamanho da gulodice do Estado é uma justificativa nos negócios empresariais nesse tipo de relação, mas quando se trata de futebol a questão é outra e se sustenta na necessidade de ocultar recursos sem lastro fiscal de atividades econômicas mais vulneráveis a detecções. Os federais preferem omitir as áreas econômicas em que mais plantam empenho e atenção em busca de soluções. Até mesmo ou principalmente para evitar espécie de apontamento compulsório das equipes envolvidas.
Os policiais federais sabem que há determinadas atividades econômicas que facilitam o ingresso de bandidos esportivos nas competições e no mundo dos negócios da bola.
Acertos contábeis
Jogadores de futebol viraram polos importantes não apenas como medidores de qualidade técnica, de talento, de uma espécie de bolsa de valores informal que permeia os negócios nacionais e internacionais. São também ativos que podem possibilitar acertos contábeis de recursos não contabilizados fora do mundo do futebol.
Se a Odebrecht contava com um departamento de operações não contabilizadas para acomodar o núcleo de corrupção que permeava as intervenções do conglomerado de negócios em conluio com executivos de estatais e políticos de alto coturno, guardadas as devidas proporções a força-tarefa dos federais tem observado no futebol de São Paulo a especialização de algumas equipes em tornarem potencialmente ouro de ganhos financeiros o que não passaria de latão de encrencas criminais.
Os investimentos muito além das contas oficiais dessas agremiações integram uma rede de transações de jogadores que harmonizam os recursos financeiros de acordo com as especificidades de cada interessado.
Seriedade sociológica
O risco sempre vale a pena quando se colocam em confronto os custos fiscais regulares dos negócios e a viabilidade de fazer do dinheiro desviado atalho para o branqueamento em transações esportivas.
Por isso, tudo que gira em torno da bola fora de campo, mas que se reflete em contradições ou confirmações dentro de campo, está na alça de mira dos federais.
A Operação Bola Quadrada corre o risco de se perder no tempo, numa demora resolutiva que inviabilizaria punições. Entre outros elementos dissuasivos está a mídia em geral e a mídia esportiva em particular, porque vive no front. O futebol profissional não é visto com a seriedade sociológica que merece.
Qualquer comparação com os partidos políticos antes da Operação Lava Jato não seria exagero. Distante disso. Por isso se espera, entre as iniciativas desta denúncia, que o Red Bull não seja bucha de canhão de uma operação fraudulenta em todos os sentidos. Dentro e fora de campo.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André