Como deveria ser decidida a vaga que se abrirá na Série A1 do Campeonato Paulista da próxima temporada? Essa é uma questão que precisa ser levada a sério, muito a sério, pelos quatro maiores envolvidos numa disputa que ameaça a credibilidade principalmente da direção da Federação Paulista de Futebol.
Para que não paire dúvidas, vou elencar os respectivos papeis que os envolvidos deveriam exercer. Afinal, quem vai ocupar a vaga que se abriria com a desistência do Red Bull por conta da negociação que possibilitou a incorporação do Bragantino?
Federação Paulista de Futebol – Responsável pelos regulamentos das competições estaduais.
Red Bull – Ocupante terminal da chamada vaga da discórdia na Série A1 do Campeonato Paulista.
São Caetano – Penúltimo colocado na classificação final da Série A1 desta temporada.
Água Santa de Diadema – Terceiro colocado na classificação final da Série A2 desta temporada.
Atuação da Federação
Responsável pela definição das regras do jogo das competições estaduais, a Federação Paulista de Futebol preferiu o silêncio total até agora quanto à ocupação da vaga que será deixada pela Red Bull na Série A1 do Campeonato Paulista.
Trata-se de decisão que conta com apoiadores, mas também com críticos. Ao deixar a bola de idiossincrasias interpretativas rolar sem parar, a direção da FPF permitiu que se cristalizasse uma aberração cuja efetividade a colocaria sob suspeição e descrédito.
Uma suspeição, em linhas gerais, de que contaria com alguns de seus dirigentes, ou apoiadores próximos, nas manobras financeiras que girariam em torno do preenchimento da vaga – como mostramos na análise que trata da atuação da força-tarefa da Lava Jato no campo esportivo paulista na operação Bola Quadrada.
A direção da Federação Paulista de Futebol poderia ter cortado o mal pela raiz. Mas preferiu adiar a decisão para a arena apropriada, ou seja, o Conselho Técnico que deverá se reunir até outubro. O Conselho Técnico é formado por dirigentes dos clubes de cada divisão para definir as bases regulamentares da competição em que estarão inseridos do ano seguinte.
É muito importante realçar que cada Conselho Técnico trata especificamente das regras que vão determinar a competição em que estarão inseridos, obedecendo-se claramente, o regramento geral. Não se pode em cada Conselho Técnico construir uma colcha de retalhos. Mas há especificidades que atendem a cada divisão.
Se a medida adotada pela FPF, ou seja, o distanciamento oficial do embate pela vaga, preenche os requisitos legais, por outro lado, repetimos, contribuiu para a propagação de uma anomalia interpretativa que, de tão repetida por gente que não se deu ao trabalho de ler as regras do jogo sem paixão ou com um mínimo de sensatez, acabou por se tornar massacrantemente majoritária. A versão favorável ao terceiro colocado da Série A2 é uma manobra destilada e incentivada nos próprios gabinetes da FPF.
A manada de estultice correu em direção ao senso mais confortável num País em que o politicamente incorreto sustentado pelos rigores da lei é execrado. Isso serve para qualquer ambiente de discussão.
Diante da situação que se criou sobretudo porque a Federação Paulista de Futebol agiu publicamente como um Pilatos temporário, não restaria alternativa senão, a bem da moralidade e da ética a seu dispor, anunciar durante o Conselho Técnico que a competição da temporada de 2020 contará com apenas 15 representantes.
Ou seja: São Caetano e São Bento seriam rebaixados, Santo André e Internacional de Limeira subiriam e o Red Bull não teria substituto. O regulamento impreciso nesse ponto estimularia esse desvio estratégico, embora carregue fragilidades ante uma ação na Justiça Esportiva.
No fundo, o que atenderia mais adequadamente as exigências éticas seria a Federação Paulista de Futebol deixar de perder tempo e fixar os olhos no regulamento da Série A2. Não há absolutamente nada que forneça combustível ao ritual de o terceiro colocado disputar a Série A1 do ano que vem, exceto a desistência formalizada antes da reunião do Conselho Técnico por um dos dois primeiros colocados.
Ao sugerir a correntes da imprensa que o terceiro colocado teria direito à vaga do Red Bull, a direção da Federação Paulista de Futebol se perdeu no tempo. Até 2016, o regulamento da Série A2 contemplava sim o acesso adicional de uma equipe no caso de desistência de um participante da Série A1. A partir de 2017 o Artigo Nono, Capítulo Primeiro, ganhou novo formato redacional. E jurídico.
Portanto, se deixar de lado uma alquimia interpretativa que afronta o regulamento, a Federação Paulista de Futebol poderia evitar contratempos na Justiça Esportiva que teria o São Caetano como agente contestador. Basta anunciar no Conselho Técnico que a equipe do Grande ABC é legítima ocupante da vaga deixada pelo Red Bull. Explico na sequência o porquê dessa avaliação.
Atuação do Red Bull
Ante a possibilidade de a vaga pertencente ao Red Bull virar objeto de incursões de policiais federais e, mais que isso, manche a reputação da agremiação empresarial, o melhor mesmo é o anúncio oficial de seus diretores de que se decidiu abrir mão de qualquer iniciativa, entregando a definição à Federação Paulista de Futebol. O Red Bull, portanto, não negociaria a troca de CNPJ com qualquer interessado.
Qualquer resolução fora dessa proposta significaria que o Red Bull estaria compactuando com marginais do futebol. Afinal, tem-se a notícia de que a cúpula da empresa na Europa já decidiu que não vai meter a mão na cumbuca de mercantilizar a vaga na Série A1.
Entenda-se mercantilizar como algo que compensaria em parte o investimento que o Red Bull fez para assumir o controle do Bragantino e, com isso, saltar à Série B do Campeonato Brasileiro.
Não adiantará, portanto, os porta-vozes da multinacional de futebol no Brasil anunciarem aos quatro cantos que o Red Bull não receberá um tostão sequer de quem quer que seja que lhe caia nas graças como substituto na competição.
A decisão manteria a suspeita mais que fundamentada de que a pretensa gentileza estaria sustentada num solo pantanoso de negócio escuso, por baixo da diplomacia e da etiqueta.
É preciso lembrar que no negócio com o Bragantino o Red Bull não contrariou os interesses de qualquer agremiação. Não havia rebaixamento e acesso em jogo na Série B do Campeonato Brasileiro como os há na Primeira Divisão Paulista.
O Red Bull comprou os direitos de controlar o Bragantino por divulgados R$ 45 milhões. A projeção é de que em alguns poucos anos assumirá parcial ou integralmente identidade esportiva própria na competição, como Red Bull Bragantino, Bragantino Red Bull ou algo semelhante. Hoje prevalece Bragantino.
Em seguida à compra do Bragantino, anunciou-se, conforme o andamento das disputas da Série A2 desta temporada, que a equipe empresarial pretendia vender a vaga no Campeonato Paulista. Para tanto, obteria parte do dinheiro investido na outra operação.
O mal-estar derivado da iniciativa gerou muita especulação sobre os valores envolvidos. Tornou-se compulsório o questionamento ético. Tanto que a direção internacional do Red Bull teria entendido que alguns milhões de reais pela vaga na Série A1 Paulista provocariam estragos na imagem da empresa e da equipe de futebol.
Resta, portanto, ao Red Bull, anunciar oficialmente que abre mão da vaga, colocando-a disposição da Federação Paulista de Futebol. A transferência direta da vaga especificamente a qualquer equipe interessada sustentaria desconfianças generalizadas. Caberia, portanto, exclusivamente à FPF a deliberação, assumindo ônus ou bônus.
Uma réplica semelhante à operação Bragantino-Red Bull, contaminada de efeitos deletérios de prejuízos a vantagens de terceiros, seria o pior dos mundos para a imagem do Red Bull.
Afinal, se o clube empresarial entregar a vaga supostamente de graça a uma equipe qualquer, permanecerão dúvidas sobre o que teria ocorrido nos bastidores, com dinheiro sujo a lubrificar a engrenagem do futebol.
Se decidir cobrar pela vaga, nada impediria, também, que tanto dinheiro limpo quanto sujo estariam azeitando uma máquina de corrupção. Ou seja, uma espécie de caixa dois estaria acrescentando carga tóxica.
Atuação do São Caetano
Ao participar do Conselho Técnico da Federação Paulista de Futebol, o São Caetano deverá reivindicar a vaga deixada pelo Red Bull, submetendo-se, entretanto, durante o evento, ao critério de interpretação da Federação Paulista de Futebol.
É pouco provável que, ao incentivar informalmente jornalistas a defenderem vaga a favor do Água Santa, a direção da FPF escolha outro caminho senão barrar as pretensões do São Caetano.
Diante de eventual negativa da FPF em reconhecer as razões técnico-regulamentares de que a legitimidade do espaço lhe pertence, definindo-se por 15 participante ou pelo Água Santa, o São Caetano deverá recorrer à Justiça Esportiva.
Se é relativamente certo que o São Caetano perderia no Tribunal Paulista, atrelado à FPF, é muito mais que provável que tudo se alteraria no tribunal da Confederação Brasileira de Futebol, menos suscetível à direção da Federação Paulista de Futebol.
Quais seriam os argumentos do São Caetano para seguir na Série A1 do Campeonato Paulista? O regulamento da competição estabelece que os dois últimos colocados serão rebaixados na temporada. O conceito de “dois últimos classificados” pode ser considerado elástico.
Além disso, somente se caracteriza o rebaixamento de duas equipes durante a realização do Conselho Técnico. Antes disso, o Red Bull terá de comunicar, oficialmente, que está desistindo da competição. E se desistir sem entrar no jogo sujo de negociação da vaga, o conceito de rebaixamento ganha força.
Basta entender a lógica de que quem abdica de disputar uma competição que ainda não terminou – repito, o Conselho Técnico é o ponto final de uma temporada e também a abertura de uma nova temporada – automaticamente está rebaixado.
No caso do Red Bull o rebaixamento seria múltiplo porque só poderia voltar ao quadro de integrantes da Série A1 do Campeonato Paulista caso começasse de novo a trajetória de acesso a partir da divisão menos importante do organograma de participantes.
Desta forma, o São Caetano defenderia a interpretação de legalidade respalda no ponto central de que os rebaixados desta temporada seriam o último colocado São Bento de Sorocaba e o desistente Red Bull de Bragança Paulista.
O São Caetano deverá ir a público dizer que vai recorrer esportivamente porque entende que detém direitos inalienáveis para reivindicar a vaga regulamentar.
É um desafio ao São Caetano equacionar certo grau de subjetividade do regulamento quanto ao uso técnico da expressão que abarcaria o enquadramento da desistência do Red Bull como sinônimo juridicamente legal de rebaixamento.
Reconheça-se que é algo tecnicamente complexo, mas nem por isso inexequível. Quilometricamente muito menos problemático do que combater as pretensões do Água Santa de Diadema. Mas, politicamente, o Água Santa leva vantagem. A FPF vestiu a camisa do clube de Diadema.
Atuação do Água Santa
Não fosse a tolerância, ou quem sabe o incentivo, da Federação Paulista de Futebol com a extravagância regulamentar; não fosse a ignorância quase generalizada da crônica esportiva que se meteu a consagrar um vício interpretativo; e não fossem também os interesses escusos que giram em torno da desistência ou das negociações do Red Bull, o Água Santa de Diadema nem seria páreo à discussão.
Ou seja: tudo giraria em torno da semântica em torno exclusivamente do São Caetano e a vaga aberta pelo Red Bull. Uma semântica, aliás, que poderia ser dispensável. O regulamento da Série A1 deveria prever explicitamente a possibilidade de substituir-se eventual clube desistente pelo penúltimo na classificação geral.
Aliás, tal qual o regulamento da Série A2 especifica para desagrado dos cegos interpretativos de plantão. Está lá que a desistência de um dos dois classificados para disputar a Série A1 ao fim da competição possibilitaria o acesso do terceiro colocado. Cabe frisar: somente-com-a-desistência-de-um-dos-dois-primeiros-colocados.
Portanto, o Água Santa de Diadema ou qualquer equipe que terminasse a Série A2 na terceira colocação na classificação geral só respira direito à Primeira Divisão, portanto, porque se criou uma fantasia chamada terceira vaga.
O regulamento da Série A2 do Campeonato Paulista -- não custa repetir -- é claro e cristalino no Artigo Nono, Parágrafo Primeiro: sobem para a Série A1 do ano que vem os dois primeiros colocados.
A possibilidade de subir o terceiro colocado na classificação geral, caso do Água Santa, só se consumaria diante da desistência de um dos dois primeiros colocados da mesma Série A2. A Série A1 não tem nada a ver com isso. Basta ler o regulamento.
Mas ler o regulamento com sentido crítico e explicativo, não como ilusionismo de quem ao ver um cachorro, ouvir o latido do cachorro, observar o cachorro roendo um osso, sentir o cheiro do cachorro, insiste em dizer que se trata de um coelho. Assim não existe forma de compreender os fatos. Vira fanatismo opinativo.
Em nome da ética e da moralidade, o Agua Santa deve vir a público e dizer sem firulas que seu lugar é na Série A2 do ano que vem. E que investiu na contratação do time inteiro e na Comissão Técnica do campeão Santo André porque entende que esse é o caminho mais esportivamente saudável para quem quer subir dentro de campo, apenas dentro de campo.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André