A história do São Caetano vai mudar completamente. O homem que durante mais de duas décadas assegurou recursos financeiros para a manutenção da equipe mais vitoriosa do Grande ABC neste século decidiu afastar-se de vez. Provavelmente o maior benemerente que já passou por um clube brasileiro, Saul Klein anunciou ontem, segundo fontes do clube, que rompeu as relações com o presidente Nairo Ferreira. A decisão é irreversível, garantem.
O São Caetano sem Saul Klein e alguns colaboradores que financiam praticamente todas as despesas e investimentos deverá entrar em convulsão dentro e fora dos campos entre outros motivos porque dinheiro não dá em árvore. Além disso, o presidente executivo Nairo Ferreira jamais foi capaz de organizar o clube empresarial para sustentar equipes competitivas. As receitas sempre foram bancadas quase que na totalidade pela benemerência de Saul Klein.
Quem conhece o empresário Saul Klein, da família que fundou a Casas Bahia, sabe que o rompimento dos laços com o São Caetano não é uma medida fruto de impetuosidade do momento. O desencadeamento está relacionado aos fatos nos últimos tempos. Saul Klein passou a observar o clube mais de perto. A decisão tornou insustentável a convivência com o presidencialismo autoritário de Nairo Ferreira.
Paixão esportiva
A paixão de Saul Klein pelo clube parecia inesgotável até ontem. O São Caetano legado por Saul Klein foi por duas vezes vice-campeão brasileiro no começo do século, sagrou-se vice-campeão da Libertadores da América e, em seguida, campeão paulista em 2004. Disputou a Série A do Campeonato Brasileiro durante quase uma década.
Diferentemente do que imagina a maioria da crônica esportiva e torcedores, o São Caetano sempre foi uma extensão de Saul Klein durante os períodos mais férteis de resultados. Quem atribui o sucesso do São Caetano a terceiros sabe pouco da realidade dia a dia do clube. E quem acompanha o São Caetano das últimas temporadas, enfileirando resultados aquém do período de glória, mesmo com abundância de recursos financeiros disponibilizados, desconhece que o afastamento de Saul Klein teve como contrapartida o controle soberano de Nairo Ferreira.
Quando Saul Klein afastou-se fisicamente por conta de tratamento médico, o São Caetano começou a conhecer um enredo de derrotas e rebaixamentos. A direção sob a responsabilidade de Nairo Ferreira foi colocada em xeque e não se sustentou sem o monitoramento de Saul Klein.
Recuperado da doença que o acometeu, Saul Klein decidiu há dois meses aproximar-se da direção do São Caetano. Tanto que acompanhou pessoalmente os últimos seis jogos da equipe que disputa a Copa Paulista. Viu quatro vitórias e duas derrotas, contra Água Santa de Diadema e Santo André. Parecia integralmente entregue à antiga paixão. Tanto que até mesmo jogos da equipe que disputa o Campeonato Paulista Sub-20 ele assistiu. Saul é um torcedor de futebol de todas as cores, embora prevalecesse até ontem à noite o azul do São Caetano.
Informações devastadoras
Segundo fontes no entorno do presidente Nairo Ferreira, tudo começou a refluir exatamente na medida em que Saul Klein aprofundou informações. A gestão estaria longe dos padrões imaginados por quem construiu o clube empresarial ainda nos tempos em que cuidava da diretoria de vendas da Casas Bahia, fundada pelo pai Samuel.
O que Saul Klein teria visto não foi o que se poderia chamar de gestão produtiva em relação aos recursos financeiros despendidos. Há, segundo informações, um feixe de impropriedades que contrariariam o exigido por Saul Klein e alguns patrocinadores que preferem não ser identificados. O São Caetano de Nairo Ferreira seria muito mais que uma interrogação imensa quanto ao uso de dinheiros aplicados. A direção executiva flertaria com outras modalidades de aplicação de recursos financeiros em desacordo com os pressupostos delineados.
Há evidente preocupação dos dirigentes em manter longe da Imprensa os desacertos que teriam colocado em xeque a gestão de Nairo Ferreira. Exatamente por isso não faltariam versões sobre os motivos do rompimento e também de eventuais desdobramentos. Sempre discreto, Saul Klein não concede entrevista à Imprensa.
Teste de responsabilidade
Fala-se nos bastidores do São Caetano que Saul Klein teria preparado um enredo para testar até que ponto o presidente Nairo Ferreira estaria disposto a compartilhar o comando executivo da agremiação.
Há uma versão que daria conta de que teria partido de Saul Klein informações que colocariam o São Caetano muito próximo de uma parceria com um grupo que representa inúmeros jogadores de futebol no Brasil e em diversos países europeus.
A suposta parceria valeria inclusive para a divisão de base. O São Caetano, portanto, teria a partir daí uma gestão executiva compartilhada, com a formação de espécie de Conselho de Administração.
Caindo na arapuca?
Sabe-se que a iniciativa teria despertado o presidente Nairo Ferreira para a possibilidade de valorização das ações de uma sociedade limitada. A suposta parceria com investidores estaria encaminhada de tal forma que Nairo Ferreira teria refletido sobre a imperiosidade de valorizar seu quinhão na agremiação empresarial. Haveria condicionante de que Nairo Ferreira não seria bem-vindo ao grupo que supostamente teria interesse nas ações do São Caetano.
Nairo Ferreira detém 45% das ações. A outra fatia de 45% pertence ao espolio de Luiz Batata de Paula. Outros 10% são da Associação Desportiva São Caetano, espécie de clube social do São Caetano Futebol Limitada. Saul Klein, repita-se, é apenas um benemerente rigorosamente formalizado pela Receita Federal.
Há controvérsias sobre a potencial materialidade de o São Caetano contar com novo parceiro societário. Suspeita-se mesmo que tudo não teria passado de um teste de responsabilidade a que seria submetido o presidente Nairo Ferreira. Pretender-se-ia avaliar até que ponto o dirigente comungaria da ideia de acompanhar os novos tempos de gestão corporativa. Foi reprovado e, com isso, passou a ser monitorado detalhadamente. Essa versão parece a mais verossímil com o desfecho da saída de Saul Klein.
Regime presidencialista
A gestão do São Caetano é desde muitos anos responsabilidade única de Nairo Ferreira. Contam-se histórias inacreditáveis sobre o que muitos chamam de peripécias presidenciais. Em suma, o dinheiro de doações de Saul Klein e de patrocinadores anônimos teria sido muito mal-empregado. Entenda-se dinheiro mal-empregado como o diagnóstico de uma sucessão de equívocos e despreparo técnico.
Em linhas gerais, o São Caetano de Nairo Ferreira seria a farra do boi. Assessores de Saul Klein teriam descoberto uma infinidade de razões para o rompimento definitivo das relações com o presidente executivo.
Saul Klein teria usado a informação até prova em contrário apenas estratégica de que encaminhava uma parceria com uma empresa de nomeada internacional exclusivamente para testar o grau de resistência de Nairo Ferreira a aplicação de nova metodologia diretiva. Ele pretendia ver as gigantescas doações muito mais bem aplicadas, inclusive para que se retroalimentasse o processo de fortalecimento do clube empresarial. Não havia correspondência entre o dinheiro doado e os resultados dentro de campo. Equipes mais modestas colecionaram resultados mais expressivos nos últimos anos.
Ao que tudo indica, ainda segundo as fontes que conhecem os bastidores do São Caetano, Nairo Ferreira teria visto nos investidores de capital nacional e internacional uma grande oportunidade de retirar-se da agremiação com uma dupla prova de grande negociador: além de livrar-se de dívidas supostamente gigantescas acumuladas ao longo dos anos, também obteria alguns milhões pelas ações, além de pretender repassar a dívida a terceiros. Ou seja: pretendia premiar a incompetência.
Desastre duplo
Nairo Ferreira não poderia ter feito piores opções. Além de perder a generosidade financeira de Saul Klein, vai herdar dois enormes problemas que ele mesmo se infligiu. Primeiro, ficará sem os recursos doados sistematicamente, mas voluntários, por Saul Klein. Segundo, vai se ver imerso à imensa dívida que gerou sempre tendo a expectativa de que Saul Klein estaria pronto para socorrê-lo.
Nairo Ferreira jamais imaginou a possibilidade de que a generosidade para muitos irrefreável de Saul Klein pudesse ser contida ou, mais que isso, completamente congelada.
Pois é disso que se trata a decisão do empresário agora herdeiro do conglomerado Via Varejo, que reúne a Casas Bahia e a Ponto Frio. Pelo menos é o que garantem pessoas próximas a ele.
A cartada decisiva de Nairo Ferreira foi anunciada ontem por um emissário em telefonema seguido de bilhete manuscrito encaminhado a Saul Klein. Ali estariam listadas as condições propostas pelo presidente do São Caetano para repassar as ações a que tem direito.
Doador cuidadoso
Saul Klein teria respondido, de imediato, que a longa jornada de mais de duas décadas de irrigação financeira para sustentar o clube havia se encerrado. Na condição de doador que preenche todos os requisitos legais, Saul Klein colocava um ponto final num caso específico de paixão.
Pesou na decisão, sobremodo, uma ofensa que teria ouvido de Nairo Ferreira, diretamente ou por terceiros. Ali, selou-se a sorte do dirigente indicado pelo então prefeito Luiz Tortorello para representar a Prefeitura de São Caetano na gestão do clube empresarial.
Há muito tempo longe do dia a dia da cidade em que a família Klein construiu um extraordinário negócio do varejo brasileiro, o filho mais novo do homem que se salvou da caçada nazista na Guerra Mundial possivelmente proferiu um grito de liberdade dolorido e emocionante.
O que será do São Caetano de agora em diante não é mais preocupação de Saul Klein, asseguram duas fontes. Cabe a Nairo Ferreira correr atrás de recursos financeiros para sustentar a agremiação. Uma tarefa indigesta para quem, sempre e sempre e literalmente, recebia dinheiro farto em forma de doações oficiais e jamais organizou o clube na busca por recursos próprios.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André