Esportes

Parecer Jurídico garante: vaga
da discórdia agride regulamento

DANIEL LIMA - 09/09/2019

Recebi de um emissário interessado em que prevaleça as regras do jogo na definição dos integrantes da Série A1 do Campeonato Paulista da próxima temporada mais quatro blocos de trechos do Parecer Jurídico que levará o São Caetano aos tribunais esportivos e se necessário também a instâncias internacionais para fazer valer o direito de disputar a competição. Como se sabe, a Federação Paulista de Futebol decidiu extraoficialmente há muito tempo, à revelia do próprio regulamento da Série A2, que o terceiro colocado será escolhido para substituir o Red Bull. Trata-se de um golpe dinamitado pelo especialista em direitos constitucionais e esportivos. 

De novo vamos fatiar a exposição dos trechos em questão, que se juntarão aos quatro anteriormente reproduzidos por CapitalSocial. O emissário não soube explicar se, de novo, o material obedece ou não a ordem numérica das 39 páginas. De qualquer modo, até eventual surpresa em novas liberações do material, a ordem dos fatores de análise minuciosa não atrapalha o produto final de um nocaute nas pretensões da Federação Paulista de Futebol.

Oficialidade eletrocutada 

Nem poderia ser diferente: enquanto o presidente da FPF, Reinaldo Carneiro Bastos, prefere contar com assessores que não exercem o mínimo de liberdade e imparcialidade no trato da questão (mais alguns dias vamos explicar a razão dessa conceituação), o Parecer Jurídico parceladamente encaminhado a este jornalista é de robustez estonteante. 

Ainda segundo o emissário, contemplou-se CapitalSocial com a antecipação do documento entre outras razões porque somos o único jornalista que apontou e insistiu em denunciar a insensatez da Federação Paulista de Futebol. Mais que isso, a mídia que costumeiramente cobre o futebol fora das grandes massas de torcedores, foi praticamente doutrinada pela falácia vazada dos interiores da FPF. 

Há série de especulações que justificariam a decisão ainda extraoficial de que o terceiro colocado teria lugar assegurado na Série A1. Várias têm o mesmo cruzamento de idiossincrasias: trata-se de tudo, menos de respeito ao próprio regulamento das duas competições, da Série A1 e da Série A2. 

Currículo fatiado 

O autor do Parecer Jurídico é uma sumidade no mundo jurídico. Tanto que CapitalSocial vai subdividir o vasto currículo desse profissional do Direito sem, ainda, revelar sua identidade. 

O parecerista que produziu um documento insofismável à caracterização da terceira vaga, a vaga da discórdia, como fraude, é professor titular da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP, Universidade de São Paulo. Também é professor permanente de Ética da Presidência da República do Brasil (2018-2020). É Professor Permanente do Programa de Doutorado e Mestrado em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atuou como Membro titular do Comitê de Reformas do Futebol Brasileiro (CBF), em 2016, juntamente com Carlos Alberto Parreira, Carlos Alberto Torres, dentro outros, e que resultou na elaboração do Código de Ética do Futebol. 

Delimitando irregularidades 

O primeiro trecho (na verdade o quinto, quanto se considera a edição anterior de CapitalSocial, quando iniciamos a publicação desse que é um verdadeiro dossiê contra a manobra da FPF) provavelmente integra a primeira página, s porque demarca uma linha territorial de ilegalidades perpetradas. Leiam:

 Uma das propostas de leitura que chegou ao meu conhecimento vai no sentido de transpor o Regulamento próprio da Série A1 e concluir por indicar o terceiro colocado de outra Série como beneficiário dessa ocorrência da Série A1. Antecipo, aqui, as conclusões finais, que explicitarei de maneira fundamentada ao longo do estudo, para advertir que não cabe, na atual quadra e no assunto “Regulamento”, o tipo de leitura, de um documento normativo, que se precipita, fantasiosamente, em adotar a c0nclusão acima, de um beneficiário espúrio à Série A1. Procurarei, então, explicar características inaceitáveis desse encaminhamento, a saber: a atipicidade (sem previsão regulamentar), a falta de organicidade (ignora as demais regras), o anacronismo metodológico (analogia inaceitável na atualidade da literatura jurídica e na melhor prática dos tribunais) e, como decorrência de tudo o quanto exposto, a parcialidade (porque parte de subjetivismo de normas heterônomas). 

Conexão reforça arrazoado 

O trecho seguinte liberado à publicação segue a tratar da vaga da discórdia, em conexão com o trecho anterior:

 Além de não ser aceitável esse tipo de construção interpretativa unilateral, por redundar no colapso do próprio Regulamento, tendo sido de há muito superada pelo desenvolvimento científico, não há qualquer indício de que o Regulamento tenha erigido essa regra em especial para receber uma leitura desse porte, o que, apesar do anacronismo, poderia ter ocorrido. Mas o que tivemos foi exatamente o contrário, como irei demonstrar, quer dizer, impede-se esse tipo de proposta interpretativa unilateral. O telos dessa norma, quer dizer, seu propósito maior, não é propriamente o rebaixamento de um ou outro Clube da Série A1, mas sim o estabelecimento e garantia de um sistema de incentivos competitivos, para ascensão e queda, concomitantes, em determinada quantidade, para que se permaneça ou não em uma das Séries. Sobretudo, o que se quer é propiciar a entrada de dois novos players na Série A1, como veremos com mais atenção. Efetivamente deve haver duas vagas na Série A1 da Primeira Divisão, de maneira a propiciar a almejada ascensão de dois clubes da Série A2. Isso só se compreende com uma leitura não isolada do parágrafo único do art. 9º, acima transcrito, porque, isoladamente, tornar-se-ia uma regra rígida que se bastaria a si própria. Mas o telos dessa norma está na mencionada fórmula de incentivos competitivos, que é amplamente adotada nos campeonatos de futebol, e que foi efetivamente adotada neste caso. 

Regulamento Geral 

No terceiro trecho do material liberado, o especialista em Direito Esportivo (e também Constitucional), aborda um dos pontos mais importantes do processo decisório: o Regulamento Geral das Competições da Federação Paulista de Futebol não pode ser atropelado pelo Departamento de Competições (DOC) da mesma entidade. Leiam:

 Nos termos expressos dessa regra de interpretação, os eventuais casos omissos do Regulamento em questão devem ser decididos pelo Departamento de Competições da FPF, mas este deve proceder com observância dos termos do Regulamento Geral das Competições, da FPF, e não conforme seus próprios juízos e convicções. Assim, o art. 50 nos fornece dois comandos: i) previsão de que situações excepcionais (não previstas) podem ocorrer e foram consideradas pelo Regulamento; ii) a decisão, nesses casos, não está em ignorar os fatos novos, mas em aplicar as regras gerais e as diretrizes do sistema regulamentar. Insisto no último ponto (ii) acima: Não se trata de permitir qualquer decisão ou interpretação por parte do referido Departamento. Está peremptoriamente afastada, como haveria mesmo de estar, qualquer arbitrariedade na composição dessas situações anômalas, que se entendam ser de omissão. 

Último bloco

Vamos agora ao último bloco de trechos do documento formulado pelo especialista. Na edição de amanhã provavelmente teremos o terceiro capítulo, conforme promessa do emissário:

 O Regulamento da Série A1 contempla, expressamente, como visto, quais fontes podem ser utilizadas para a solução de casos eventualmente não contemplados de maneira explícita em alguma de suas regras. É o que se encontra no art. 50, já transcrito anteriormente, no que invoca o RGC (Regulamente Geral de Competições, a ser utilizado “nos casos não previstos neste REC (Regulamento Específico de Competições). Porém, não é apenas esse art. 50 do REC que invoca o RGC. O art. 1º do REC já havia fixado desde logo que o Campeonato Paulista de Futebol da Série A1 da Primeira Divisão, deve obedecer: “(...) o RGC da FPF, parte integrante e indissociável deste REC”. O que está no art. 50 é uma solução engenhosa, mas bem conhecida do Direito, e que remonta, em nossa tradição jurídica ocidental, ao modelo estabelecido pelo Código de Napoleão, o Código Civil francês de 1804. No caso esportivo aqui em análise, há reforço de incidência das normas do RGC, tanto para i) fins de solução de casos de interpretação do REC como para ii) fins de solução de casos não previstos no REC. Vejamos esta segunda parte mais de perto, novamente com a dicção do texto do Regulamento da Série A1, que está sob nossa análise: “Art. 50 – os casos não previstos neste REC serão interpretados (...) observando-se os termos do RGC (...)”. Assim, em conclusão, temos que o RGC pode ser utilizado para suprir lacunas do DCO, inclusive com o uso de suas normas gerais, mas nunca violando o DCO, especialmente as balizas destes (falo de balizas, dos grandes vetores do Regulamento, já que não haverá, nessa hipótese, norma específica capaz de ser violada). 

Considero relevante para o bem da causa e felicidade geral de quem aprecia o bom Direito e o jornalismo de interesse público que se aguarde com certo frenesi o próximo capítulo do Parecer Jurídico, prometido pelo emissário. 



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