Esportes

FPF reage e trechos finais do
Parecer Jurídico são liberados

DANIEL LIMA - 12/09/2019

O Parecer Jurídico que destrói o imperialismo do presidente da Federação Paulista de Futebol (publicaremos matéria a respeito em seguida) ganha com esta edição 10 novos e finais blocos de trechos que seriam inicialmente divididos em duas edições. Ou seja: o trabalho publicado com exclusividade por CapitalSocial foi antecipado em um dia. 

Amanhã, sexta-feira, o documento que coloca a FFP em situação no mínimo desconfortável será publicado na íntegra. A garantia é do emissário de uma fonte conhecedora dos trâmites que levaram à produção de quase 60 mil caracteres que dinamitam a resolução oficialmente anunciada ontem pela FPF.

Seria covardia comparar o Parecer Jurídico preparado com rigor por um especialista em Direitos Constitucionais e em Direitos Esportivos com o que o presidente da Federação Paulista de Futebol assinou ontem à tarde. Para que o documento da FPF ganhasse uma moldura adequada, talvez devesse ter sido encaminhado à Imprensa enrolado em saquinho de pão. 

Comparação humilhante 

A simples sugestão de que se comparem os dois documentos é uma ofensa à inteligência, mas é exposta como forma de definir a diferença entre um trambolho resolutivo e um arcabouço que envereda por caminhos seguros dos direitos de quem está sendo passado para trás. 

O que o especialista que organizou e assinou o Parecer Jurídico de 40 páginas é uma espécie de bomba relógio que agora poderá ser deflagrada, já que o presidente da FPF, incomodado com o documento, saiu muito antes do que se esperava da toca da conveniência ditatorial. 

Mais blocos destruidores

Os 10 blocos de trechos que se seguem parecem constar de páginas sequenciais. Há encadeamento mais lógico das análises do que aparentemente se observou nas edições passadas, quando o emissário preferiu, ao que se entende, liberar aleatoriamente o material bombástico com o qual a FPF jamais imaginou enfrentamento. Os mandachuvas do futebol não ferem a lógica dos mandachuvas em todas as áreas. Eles se sentem intocáveis. 

A cúpula da Federação Paulista de Futebol recebeu todos os blocos do Parecer Jurídico, assim como milhares de leitores de CapitalSocial. A publicação na íntegra do material, na edição de amanhã, dá sequência a uma ação transparente de CapitalSocial. Mais que isso: coerente e consistente. Afinal, desde março deste ano, quando tanto a Série A1 quanto a Série A2 estavam em plena disputa, colocamos barreiras éticas e regulamentares à interpretação mais que perniciosa, porque agressora ao Regulamento. A FPF bancou desde sempre a irresponsabilidade esportiva de propagar direitos de o terceiro colocado da Série A2 ingressar na Série A1 pelas portas dos fundos da legislação esportiva, sobremodo do Estatuto do Torcedor, como apontou o parecerista em questão. 

No material que publicaremos antes das próximas duas horas, explicamos alguns pontos que caracterizam a ação ardilosa da Federação Paulista de Futebol, confirmada pelo rigor do Parecer Jurídico produzido por um profissional do Direito cujo currículo e os encaixes analíticos são a segurança de que não existe a mínima margem de erro na avaliação. 

Se for confirmada pelo emissário do Parecer Jurídico a liberação da identidade do responsável pelos trabalhos que instalam a Federação Paulista de Futebol no calabouço da moralidade e da ética esportivas, publicaremos na íntegra o currículo do autor. Na verdade, será apenas uma síntese do abundante retrato técnico do especialista. Algo que provavelmente causaria constrangimento aos dirigentes da FPF

Acompanhem agora os trechos finais do Parecer Jurídico, ou o documento que levou o presidente da FPF, Reinaldo Bastos, a apressar os passos para tentar consumar uma aberração legislativa, cujo desfecho deverá ganhar tribunais esportivos, inclusive internacionais.

Primeiro bloco 

 Seria proposta inusitada, para dizer apenas o mínimo, querer que o Regulamento da Série A2 resolvesse o problema da exclusão de um integrante classificado em outra Série (A1). Mais ainda. Teríamos um total descalabro se o Regulamento tratasse dessa questão de outro campeonato e silenciasse sobre a mesma questão para o seu Campeonato. De qualquer forma, não foi isso o que ocorreu no Regulamento da Série A2. O § 1º nos fornece regras sobre o Campeonato A2, sobre o que ocorre se um dos dois primeiros classificados deixar de poder participar da Série A1, quer dizer, se deixarem de exercer o seu direito de acesso, o que pode ocorrer por diversos motivos, como o próprio desaparecimento do clube. Como demonstrei ao longo do presente Parecer, não se deve utilizar qualquer outro Regulamento para sanar dúvidas de outra competição, sob pena de introduzir regras novas e arbitrárias, surpreendendo a todos participantes que se esforçaram e competiram com a certeza das regras que guiariam os resultados finais. O Regulamento da Série A2 do Campeonato paulista da Primeira Divisão atende a pressupostos e objetivos próprios, tem por objeto apenas a respectiva competição e clubes ali nominados e envolvidos (art. 3º). De seu conselho Técnico próprio resultou a forma final dessa competição (arts. 4º a 14º), diversa, como se sabe, daquela forma adotada na Série A1. Trata-se, como disse antes, de retomar, aqui, observações muito basilares, mas que se tornaram essenciais para evitar um equívoco de imputação normativa.

Segundo bloco 

 Imaginar que parte essencial das regras da Série A1 esteve longe do alcance dos clubes da Série A1, escondida no Regulamento da Série A2, é tão equivocado quanto pretender aplicar leis, nacionais, estaduais ou municipais, que tratem de campeonato, competição ou concorrência públicas, simplesmente por conterem regra que, aos olhos de alguns, seria a melhor solução para um suposto problema surgido no campeonato paulista de Futebol na Série A1 da Primeira Divisão. Nada há que sustente minimamente serem as regras da Série A2 as mais propícias e adequadas para eventualmente complementarem a Série A1, caso esse procedimento de recorrer a normas heterônomas fosse aceitável aqui. Pois tudo estaria ao alcance dos pseudo-legisladores de plantão: normas estrangeiras, de outros campeonatos em curso, de campeonatos anteriores, etc.. Seria necessário avançar para muito além daquele martírio competitivo, de que falava Nelson Rodrigues em uma de suas recorrentes crônicas de futebol que comumente aceitamos como um mero “charme desesperador”. Seria, neste caso, apenas desesperador, para todos envolvidos, frustrarem-se as regras da competição.

Terceiro bloco 

 Por fim, reitero que o Regulamento da Série A1 não se reporta ao Regulamento da Série A2 para solução de seus problemas interpretativos ou de omissão. E este é mais um ponto chave. Porém, é possível que, conscientes dessas limitações, pretendesse alguém utilizar, ainda assim, uma regra da Série A2, mas invocando a falta de solução do Regulamento da Série A1 para um caso similar tratado naquela outra competição. Nesse caso, em realidade, estar-se-ia invocando a chamada analogia. A analogia é operação mental que parte do pressuposto consciente de que a regra não foi desenhada para o caso ao qual se quer aplicá-la, mas entende que mesmo assim deve-se usar essa regra, por falta (omissão) de uma regra própria. Esse tipo de operação, porém, é absolutamente excepcional e só pode ocorrer legitimamente em determinadas condições. Vejamos quais são e se teria cabimento uma analogia no caso da Série A1 do Campeonato paulista de futebol.

Quarto bloco 

 O problema de aplicação das normas heterônomas (ou extra-sistêmicas) se define como a tentativa de invocar ou utilizar uma norma exterior ao contexto ou aos sujeitos interessados, quer dizer, usar uma norma que, a princípio, é estranha às normas e razões que regem o sujeito ou a situação da vida. Essa operação é extremamente perigosa e delicada. Assim, a título ilustrativo, podemos constatar esse tipo de ocorrência espúria quando se pretende aplicar aos vereadores as regras de impedimentos que são próprias e específicas de juízes (sujeitos diversos), ou pretender aplicar como indexador do pagamento de precatórios o indexador dos juros bancários (situações diversas regidas por normas diversas). É o que ocorreria se tentássemos aplicar, sem mais, regras da Série A2 para solucionar dúvidas ou casos excepcionais ocorridos na Série A1, sem a autorização prévia, para tanto, no próprio Regulamento da Série A1. Em todos esses exemplos há uma pretensão de ampliar indevidamente o campo de incidência de uma norma, para alcançar pessoas ou situações não previstas inicialmente pelas normas em uso, sem que isso signifique que a norma deixará de ser aplicada às pessoas ou situações corretas. Essa operação geralmente ocorre por simples erro de avaliação do aplicador da norma, de maneira involuntária (como achar que o Regulamento da Série A2 serve também para a Série A1). Mas também pode ocorrer por uma pretensão consciente de usar a norma de outro sistema de maneira analógica, para um sistema não abrangido por ela, considerando que no sistema para o qual se transporta a regra não há solução específica para o caso a ser solucionado. 

Quinto bloco 

 No presente estudo parece haver, da parte de determinadas pessoas, um possível erro de avaliação sobre quais regras regem o caso, com leituras apressadas e desatentas. Mas também não descarto a tentativa, mais complexa, por parte de alguns - e que agora passo a analisar de maneira mais detida -, em invocar a analogia. Aqui, abordo o tema “analogia” de maneira sintética, com o intuito específico de realçar seus contornos conceituais para, logo a seguir, aplicar essas premissas ao caso concreto. Vejamos. O caso do uso de analogia não é, rigorosamente falando, uma interpretação equivocada, mas sim de aplicação inovadora das normas. Dito de outra forma, trata-se de aplicação de normas que, a princípio, sabe-se que não são aplicáveis ao caso concreto, como anunciei acima. Força-se uma solução normativa externa ao caso concreto, pela falta de normas para este e pela existência de normas para casos afins. Explico melhor essas situações. 

Sexto bloco 

 A analogia ocorre onde uma interpretação mais lata ou extensiva, como se costuma falar, só por si, é insuficiente para alcançar o resultado pretendido, por mais que se possa considerar a interpretação como um processo aberto. No caso presente, porém, já pudemos definir, acima, a solução a partir da interpretação dos Regulamentos próprios (REC da Série A1 e RGC). Logo, só por isso é descabida a pretensão de realizar a operação analógica. Mas prossigo, aqui, no tema analogia, para também identificar outros impedimentos, desta sorte conceituais, que vedam seu uso no caso concreto deste Parecer. O pensamento analógico é inovador por essência, ao passo que o pensamento interpretativo se circunscreve ao espaço de liberdade conteudística contido em cada norma. A analogia extrapola a normativa do caso concreto para usar outras normas, a princípio não aplicáveis ao caso concreto. A interpretação fixa-se exclusivamente nas normas aplicáveis ao caso concreto. Exatamente por ser criativo, o pensamento analógico enfrenta restrições e condicionantes severas, sob pena de estabelecer-se a insegurança e imprevisibilidades sobre quais são as normas de conduta a serem seguidas, tornando insuportável a vida em sociedade e, no caso das competições, desacreditando a objetividade técnica do sistema. Já advertida Carlos Maximiliano que esse processo analógico “não é simples, destituído de perigos; facilmente conduz a erros deploráveis o aplicador descuidado”.

Sétimo bloco 

 É sabido que o uso arbitrário e subjetivo da analogia, especialmente contra legem, como no caso presente, permite alcançar qualquer resultado, já que basta ao operador das normas encontrar outras normas afinadas aos interesses concretos e objetivos que almeja, por mais distantes que possam estar em relação ao tema que se pretende resolver. Nesses casos de desvio no uso da analogia invocam-se falsos argumentos de uma pretensa proximidade de tema e de razões entre os casos (o caso supostamente não regulado por sua formativa própria e o caso afim, regulado por norma que se quer transplantar). A decisão do STF no julgamento dos Mandados de Injunção n. 670, n. 708 e n. 712 é bastante emblemática e ilustrativa. Determinou-se a aplicação analógica da Lei de greve do setor privado para os servidores do setor público, no que couber. Trata-se de analogia autorizada pelo STF, para um caso extremo de omissão do legislador, do qual resultava prejuízo ao exercício de direitos constitucionais. Certamente esse contexto específico não ocorre no caso presente.

Oitavo bloco 

 Por isso aproveito para insistir que quanto maior o distanciamento temático da lei a ser usada como parâmetro de decisão (analogicamente), mais próximos estaremos de certa arbitrariedade no uso da analogia. Os elementos de conexão entre o caso concreto e as razões e objeto da Lei a ser implementada analogicamente - como ocorreu na decisão do STF sobre greve de servidores públicos - são elos essenciais como medida de legitimidade. Mas não apenas isso. Pressupor, no caso concreto deste Parecer, que o Regulamento da Série A2 de 2019 é o conjunto de normas mais próximas da Série A1 demanda certo esforço argumentativo, já que as competições atendem, como visto, a objetivos e a modelos totalmente distintos. Não se trata de pressuposto simples ou automático. Poder-se-ia facilmente, nessa linha de liberdade, invocar também outros Regulamentos da Série de elite de outros campeonatos. Por isso é preciso que o sistema próprio autorize o uso da analogia. Isso que ocorre no nosso sistema jurídico geral a partir da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, mas seu alcance são apenas as normas jurídicas produzidas pelo Estado. 

Nono bloco 

 No caso do Regulamento da Série A1 não há possibilidade de uso da analogia como solução regulamentar para os casos supostamente omissos. Há outras regras específicas dirigidas para os casos omissos, já analisadas, como o art. 50. Por fim, relembro que a analogia é peremptoriamente vedada, no melhor entendimento doutrinário, quando seu uso pretende restringir direitos. No caso presente, nada mais restritivo do que cassar o direito de participar da Série superior do Campeonato paulista de futebol, expulsando um clube com base em regra não pensada e criada apenas para outra Série. Em conclusão, teríamos que ignorar a diretriz específica do Regulamento próprio para fazer uso livre (arbitrário) de analogia, por supostamente oferecer uma solução considerada boa. 

Décimo bloco 

 As Federações atuam dentro de sua autonomia constitucional quando elaboram e impõem um conjunto de regras denominado Regulamento, a fim de reger as competições esportivas, especificando as regras de cada uma das séries em corpus jurídico próprio. A não-aplicação do respectivo Regulamento é ato que retira da competição o seu caráter esportivo, de qualificação dos clubes e seus atletas pelos seus méritos, como se requer em uma competição esportiva. Ignorar o Regulamento próprio e seus integrantes já qualificados significa transformar uma competição esportiva em um espaço para decisões imperiais, ressuscitando práticas que ficaram nos escombros da História, como o uso de convites para fins classificatórios. Analisados, de maneira sintética, os pontos centrais deste Parecer, passo a responder os quesitos formulados, de maneira mais direta, a partir e nos termos de tudo o quando restou exposto neste Parecer: Sim. O Regulamento paulista da Série A1 de Futebol profissional, de 2019, indica como deve ocorrer o Campeonato de 2020, em virtude da desistência de um dos clubes classificados para a Série A1 (e dela integrante em 2019), pelo recurso às regras gerais do RGC, especialmente o elemento técnico, nos termos que foi apresentado neste parecer. Não há espaço para criacionismo jurídico fora dos regulamentos que regem o caso concreto excepcional que venha a ocorrer. Soluções para a Série A1 que venham a ser cogitadas a partir de regras próprias e específicas do Regulamento da Série A2, são espúrias ao nosso modelo em vigor e, por isso, constituem práticas vedadas. Há responsabilidade da FPF em não se desviar de suas regras, nem permitir esse desvio. Embora não esteja obrigada a seguir normas competitivas de cunho estatal na elaboração de seus regulamentos, tendo ampla autonomia normativa, fica absolutamente vinculada àquelas que houver livremente estabelecido, nos termos aqui expostos.



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