Esportes

Quando nem o VAR detecta a
malandragem de um atacante

DANIEL LIMA - 01/10/2019

O VAR que decidiu anular o que seria o gol da vitória do Palmeiras diante do Internacional em Porto Alegre acertou o tiro no que viu e deixou de acertar no que também estava exposto para ser visto.

Sei que vou criar polêmica em torno do lance, mas de vez em quando vale a pena sentir a audiência esportiva, mesmo que, nesse caso, possivelmente hostil.

Li e ouvi tudo o que foi possível ler e ouvir sobre o gol palmeirense. Não houve uma viva alma que tenha matado a charada que nem o VAR matou. Pois vou expor o que meus olhos bem treinados no futebol viram.

E peço paciência aos leitores, que, por estarem com a cabeça feita, certamente desdenharão o que vou escrever.  Recorram à gravação do lance, especialmente no que o Sport TV apresentou no horário de almoço de ontem. De preferência num monitor grande; desses em que os personagens aparecem em tamanho razoável.

Acompanhem o lance 

Para começo de conversa e também para acirrar os ânimos, vou logo dizendo claro e bom som que o atacante William é esperto, espertíssimo. Um malandro, no bom sentido do termo.

Nada diferente, portanto, de tantos atacantes que se movem em busca de artimanhas para enganar não só a arbitragem como também o distinto público dos cronistas esportivos, em larga escala ruins demais como observadores de arbitragem e, principalmente, os torcedores.

Sugeriria aos leitores que mantivessem uma ação interativa com esse texto. Parem a leitura e só a reabram quando estiverem em casa, defronte a TV e tenham disponível o lance do jogo. Nos mínimos detalhes. Com tomadas de todos os ângulos.

As mesmas tomadas que vi ontem na hora do almoço, enquanto pedalava minha bicicleta ergométrica. Se estivesse suando às bicas em cima da esteira que também tenho para apurar o fôlego e os músculos, não poderia opinar patavina. Com a esteira é impossível acompanhar lucidamente qualquer coisa na televisão. O barulho e a intensidade das passadas atrapalham a ponto de se tornarem barreiras cognitiva e visual. A bicicleta ergométrica é mais maneira. Tenho os dois equipamentos como tática de revezamento. Um dia para cada um. Tempos diferentes, movimentos diferentes, resultados semelhantemente benéficos.  

Barrando o zagueiro 

Espero que os leitores tenham atendido à sugestão e só agora tenham reaberto a leitura deste texto. Defronte à TV. Monitor controlado no lance tão problematizado. Sport TV de preferência. Lembrem-se: o que foi passado na hora do almoço do ontem.

Vamos então à elucidação do caso que expus ontem mesmo a um amigo muito chegado, meu parceiro de muitas jornadas, ex-árbitro de futebol dos melhores que o passado já produziu. Tão bom tecnicamente como disciplinador. Tenho cada história que só conto quando ele autorizar.

Disse resumidamente em áudio ao meu amigo do peito e ex-árbitro o que estou tratando neste espaço. 

Imagem pronta? Reparem que a bola está entre o atacante William e o zagueiro do Internacional. Todos disseram e escreveram que o zagueiro Klaus fez falta no atacante e que, portanto, ao anular o gol, porque William involuntariamente tocou a mão na bola, a infração deveria ser batida na entrada da área. Muitos nem concordam com isso. Consideram que o gol fora mal anulado, desconhecendo-se, portanto, as recomendações da FIFA de que bola na mão ou mão na bola do atacante é falta e está acabado.

Soltando a imagem 

Congelamos a imagem na bola que estava dividida entre William e o zagueiro do Internacional. Reparem o que houve em seguida. Reparem bem mesmo. Soltem a imagem. Quem faz a infração?  Olharam? Foi William. Ele, de costas para o zagueiro, ou quase de costas, sentiu que poderia perder o domínio da bola que se lhe apresentava e não teve dúvida: esticou a perna direita na direção da trajetória natural do zagueiro que, sem alternativa, abalroou o atacante.

Repetindo: William interpôs a perna direita como alavanca faltosa, não supostamente de autoproteção, na direção da perna esquerda do zagueiro. A finalidade é deliberada: impedir o adversário de aliviar o perigo e, principalmente, de provocar a infração.

Na sequência, e é nesse ponto que a totalidade da crônica esportiva e mesmo os especialistas em arbitragem mantêm atenção centralizada, William é beneficiado pelo toque de mão aparentemente involuntário, mas não tão involuntário assim, para ganhar a jogada e servir a um companheiro em condição de gerar o gol palmeirense.

Finalmente, o que pretendo mesmo dizer é que por melhor que seja o VAR, e o VAR é bem melhor que o olho humano, por mais que o olho humano seja treinado e experiente, sempre haverá um componente surpreendente para driblar a tecnologia.

Engenharia do delito

A malícia dos jogadores, que não é um quesito exclusivamente nacional, conduz a resultados inesperados numa disputa de bola. Essa tática, por assim dizer, de usar o deslocamento premeditado da perna para tirar um adversário da jogada ou, também, mais usual mesmo, para provocar uma infração, como se houvesse uma ação delituosa do adversário, é uma das mais engenhosas artes de ludibriar a arbitragem, a crônica esportiva e os torcedores.

Decidi escrever estas linhas estimulado por um site que ouviu diversos cronistas esportivos sobre o lance em questão. Todos, sem exceção, dividiram-se entre a legalidade e a ilegalidade da jogada complementar do lance envolvendo William; ou seja, se a arbitragem deveria ou não dar razão ao VAR que detectou o toque ou os toques na mão do atacante.

Repito: passei uma breve gravação de minhas observações ao meu amigo ex-árbitro, profissional de nomeada. Estou esperando a resposta. Tenho absoluta certeza de que ele concordará comigo. Sabem por quê? Porque foi com ele que aprendi a detectar esse tipo de jogada, da qual Romário, o Rei da Área, era praticante mestre, embora o fizesse, sempre, com muito mais arte que William.

Aprendi com meu professor de arbitragem um abecedário inteiro de lances que pouca gente enxerga. Até porque, se muita gente enxergasse, haveria excesso de árbitros de futebol de grande nível na praça.

Só para completar: sempre me refiro à nomenclatura de “árbitro” para identificar quem apita um jogo de futebol. Desde criança aprendi a distinção entre árbitro e juiz. Meu pai era árbitro no Interior. E juízes atuavam nos respectivos fóruns.

Meu então vigoroso pai era sim desses árbitros que não temia ninguém. O currículo de presidente da Liga de Futebol de Araçatuba e de árbitro aos finais de semana provavelmente tenha um ponto que caracterizava sua personalidade: expulsou Leivinha, que viria a ser um dos grandes craques palmeirenses, aos dois minutos do primeiro tempo do jogo em que o Linense, então time revelador do atacante, enfrentava o Ferroviário em Araçatuba.

Dois minutos para o senhor Gabriel José de Lima expulsar Leivinha de campo após ouvir aquilo que todo árbitro ouve, mas nem sempre reage como deveria. Não é por nada não, mas sempre que ameaço fraquejar em alguma coisa, meu velho pai entra em campo. E, nessas situações, vejo sempre um Leivinha à minha frente.  

Em tempo: meu amigo ex-árbitro, meu mestre de arbitragem, respondeu à minha mensagem – estou absolutamente certo. 



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