A Federação Paulista de Futebol formalizou ontem em circular enviada aos clubes da Série A1 o que decidira em abril deste ano: rasgou o regulamento aprovado em outubro do ano passado. Trata-se de atentado que se utilizou das armas da conveniência mais que esperta que possivelmente jamais será destrinchada e também da safadeza interpretativa que despreza o bom senso.
Os covardes da imprensa vão continuar em silêncio. Quando não, aprovarão a aberração. Para o deleite dos péssimos cidadãos esportivos que também o são, geralmente, como cidadãos sociais.
Ou alguém tem dúvidas de que muitos vagabundos sociais fazem pose de cidadãos corretos mas revelam a verdadeira face no âmbito futebolístico sob a desculpa esfarrapada de que o esporte perdoa tudo? Uma licenciosidade poética seletiva e desmascaradora.
A FPF trata a todos como cretinos juramentados. Afinal, vendeu uma ideia equivalente à de que a Terra é plana ou de que marcianos estão por aí oferecendo no mercado imobiliário nichos de residências estelares. Não faltam ignorantes de todos os matizes a tratar a decisão da forma que mais agrada à direção da FPF – com olímpico servilismo.
Como jornalismo politico
Da mesma forma que o jornalismo político nacional foi incapaz de dar sinais consistentes de que havia roubalheira generalizada envolvendo políticos e estatais, insumos que consagraram a Lava Jato, no futebol paulista há parcela de cronistas esportivos que se deslumbra com mordomias e salamaleques ou se amedronta com ameaças nem sempre veladas.
Contando com a benevolência crítica geral e quase irrestrita, a FPF cometeu seguidamente três crimes esportivos na chamada circular divulgada ontem: retirou os direitos de o São Caetano seguir na Série A1 do Campeonato Paulista, instalou confortavelmente o Red Bull na Série A2 e abriu vaga para o Água Santa de Diadema no principal campeonato estadual do País como terceiro colocado da competição de Acesso.
Há dúvidas apenas sobre um desses crimes: o rebaixamento do Red Bull para a Série A2 ao invés da Segunda Divisão, ou B1. A convocatória aos clubes da Série A2 e A3 não é aberta, ou seja, os integrantes não são identificados. O Red Bull disputará a Segunda Divisão se o regulamento da Série A1 (e também das duas demais séries) for respeitado.
Clube que desiste de uma competição (é o que se dará com o Red Bull por não poder disputar a mesma série do Bragantino, também administrado por uma empresa sob o controle da companhia de energéticos) é deslocado à divisão inferior. O conceito de divisão no futebol paulista coloca as três séries sob o guarda-chuva da Primeira Divisão, enquanto a Segunda Divisão é o primeiro degrau ao Acesso.
Se o Red Bull ocupava a Série A1 da Primeira Divisão, automaticamente deveria ser rebaixado à Segunda Divisão. Mas tudo indica que não será assim. Vai ser do jeito que os asseclas jurídicos do presidente Reinaldo Bastos quiserem. E eles sempre querem o que o presidente quer.
Triplo homicídio esportivo
Fosse um caso policial, teríamos um triplo homicídio. Como o caso se limita à esfera esportiva, trata-se de mais um escândalo a ser esquecido. Inclusive pela Imprensa que ou está mancomunada com a FPF (caso de sites sustentados por esquemas que flertam com a bandidagem), ou é descuidada e comodista por natureza ou reconhece que não vale a pena enfrentar os poderosos de plantão.
A tríplice barbárie normativa está caracterizada em mais de 40 páginas do Parecer Jurídico do especialista em Direitos Constitucionais e Direitos Desportivos André Ramos Tavares. Com linguagem sofisticamente jurídica, André Ramos Tavares traduziu em muitos pontos as análises de CapitalSocial, única publicação que deu ao triplo assassinato ético da FPF o tratamento adequado. Regulamento é regulamento. O resto é encenação.
É provável que os tribunais esportivos tratem do assunto de agora em diante. Até porque falta a uma Operação Lava Jato que faça no futebol o que fez na política: uma varredura que sugira novos tempos.
Circular da Vergonha
A FPF fez circular ontem aos clubes da Série A1 a agenda da reunião do Conselho Técnico da competição programada para a próxima terça-feira às 10h30 na Capital. A confirmação do rebaixamento do São Caetano e do acesso biônico do Água Santa estão expressos na formação dos grupos preliminares que, após sorteios, distribuirão as 16 equipes nos respectivos grupos da competição.
O Agua Santa está no Pote 4 juntamente com o Bragantino, o Internacional de Limeira e o Santo André. Ou seja: o Bragantino que se livrou do rebaixamento na Série A1, classificando-se em 14º lugar, e as três equipes que chegaram às primeiras colocações na Série A2: o Santo André como campeão, o Internacional de Limeira como vice-campeão (conforme determina o regulamento) e o Água Santa como terceiro colocado (infringindo o regulamento que não prevê o acesso natural da equipe).
Se o São Caetano confirmar deliberações informais dos últimos meses, a Série A1 e a Série A2 poderão passar pelo crivo da Justiça Esportiva. E se tanto o Nacional da Capital quanto o Taboão da Serra pegarem carona no Parecer Jurídico que protege os direitos do São Caetano, também a Série A3 poderá sofrer complicações no calendário.
Parágrafo da malandragem
Não custa repetir: Série A1, Série A2 e SérieA3 são denominações da Federação Paulista de Futebol para definir as equipes que integram a Primeira Divisão. A Segunda Divisão é integrada por mais de quatro dezenas de clubes.
A reprodução (mais uma vez) do Artigo Nono, Parágrafo primeiro, do regulamento da Série A2 (e que segue a mesma trilha na Série A3 e na Segunda Divisão) jamais será perda de tempo, porque os enunciados estão sendo ignorados pela direção da FPF. Leiam:
Artigo Nono – Terão direito de acesso à Primeira Divisão (Série A1 de 2020, os dois clubes classificados para a fase final da competição).
Parágrafo Primeiro – Em caso de não participação de algum clube classificado para o Campeonato Paulista de Futebol Profissional (Primeira Divisão, Série A1 de 2020), terá também acesso o clube que obtiver a 3ª melhor campanha no Campeonato Paulista de Futebol Profissional, Primeira Divisão, Série A2 de 2019, dentro os que disputaram a fase semifinal.
A restrição regulamentar à subida do Água Santa, terceiro colocado, foi eliminada pela interpretação desajustada da direção da Federação Paulista de Futebol. O Parágrafo Primeiro é claro: o terceiro colocado só chegaria à Série A1 no caso de um dos dois primeiros classificados da competição, Santo André ou Internacional de Limeira, desistir do acesso.
Parecer Jurídico irrefutável
O Parecer Jurídico de André Ramos Tavares disseca o assunto. Por isso vale a pena reproduzir alguns parágrafos. Leiam:
Em realidade, ao dispor que “também” terá acesso o clube classificado com a terceira melhor campanha, o parágrafo primeiro apenas admite o acesso (também) do terceiro colocado, com melhor campanha na Série A2, no caso de um dos dois primeiros colocados da Série A2 desistir do acesso. O que a norma está contemplando é o critério, igualmente técnico, de acesso do terceiro colocado, na falta de algum dos primeiros colocados da Série A2.
Mais Parecer Jurídico
Assim, no campeonato de 2019, o Água Santa de Diadema tem em face de si a possibilidade, normativamente contemplada, de ascender sim, bastando para tanto que ou o Santo André ou Internacional de Limeira comuniquem algum fato relevante em relação ao respectivo Clube, como algum dos fatos que relatei hipoteticamente no início deste Parecer. Isso quer dizer um fato que implique a abertura legítima de uma vaga de acesso aberta na Série A2. Ademais, essa ocorrência precisa ser comunicada à Federação Paulista de Futebol previamente à reunião do Conselho Técnico. É o que resta inexorável a partir do § 2º do mesmo art. 9º do Regulamento da Série A2, in verbis: “§ 2º - Este acesso somente será concedido quando a não participação do Clube classificado para o Campeonato Paulista de Futebol Profissional - Primeira Divisão - Série A1 de 2020 for oficializada antes da realização do respectivo Conselho Técnico.”
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Assim, esse parágrafo é esclarecedor em relação à cabeça e ao primeiro parágrafo, como não poderia deixar de ser, perfazendo-se, no conjunto dessas normas, um encadeamento lógico e semântico inquebrantável. “Este acesso” remete ao §1º, e também ao caput do art. 9º. Deixa-se certo que todas normas se referem a um acesso que surge apenas e somente se ocorrer alguma eventualidade com os classificados primeiros colocados da Série A2, e desde que atendida a condicionante temporal transcrita acima.
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O conjunto normativo assim explicitado deixar certo que na Série A2 apenas duas agremiações terão direito de acesso. Podemos cogitar de situações hipotéticas nas quais juntamente com o primeiro colocado acabe ascendendo o terceiro colocado, ou este com o segundo colocado, mas não três classificados. Se há apenas duas vagas de acesso, só podemos elucubrar sobre uma variação de nomes de dois clubes, não um acréscimo de terceiro, juntamente com os dois primeiros. O conjunto regulamentar veda essa pretensão, tratando-a como anticompetitiva e atécnica, nos termos que apresento neste estudo.
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É inescapável a conclusão, pois, de que o parágrafo primeiro acima mencionado responde exatamente à seguinte pergunta, e exclusivamente a ela: o que acontece se se souber que algum (dois) clubes classificados para o Campeonato da Série A1, e, portanto, ainda não integrante dela, perder a condição de poder participar da Série A1 para a qual se classificou no curso da Série A2?. Essa é a típica questão que há de ser resolvida no âmbito do Regulamento da Série A2 e em nenhum outro. O critério para indicação do novo classificado é matéria atinente exclusivamente a esse Regulamento. Essa a justa expectativa de todos, devidamente atendida pelo art. 9º referido por último.
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Seria proposta inusitada, para dizer apenas o mínimo, querer que o Regulamento da Série A2 resolvesse o problema da exclusão de um integrante classificado em outra Série (A1). Mais ainda. Teríamos um total descalabro se o Regulamento tratasse dessa questão de outro campeonato e silenciasse sobre a mesma questão para o seu Campeonato.
Mais revelações até segunda
Com uma prova irrefutável, vamos mostrar até a edição da próxima segunda-feira que a Federação Paulista de Futebol decidiu desde abril que o São Caetano, 15º colocado na Série A1, não teria espaço na competição do ano que vem. Trata-se de afirmação documentada e que, em última instância, coloca a direção da FPF sob suspeita.
Primeiro porque, parafraseando Chacrinha, os campeonatos só acabam quando terminam. E só terminam um pouco antes da edição seguinte, no caso da temporada de 2020. Para isso que existe o Conselho Técnico.
O documento é assinado por um integrante da Comissão de Direitos Jurídicos da Federação Paulista de Futebol e é expresso em termos coletivos, ou seja, do conjunto dos assessores do presidente da entidade.
Paralelamente a isso, a FPF fez massificar nas mídias que cobriram a Série A2 do Campeonato Paulista a premissa equivocada de que o terceiro colocado teria lugar garantido na Série A1 da temporada seguinte. Como se está confirmando agora. Criou-se um ambiente de unanimidade burra a partir dos corredores da FPF. Tudo de forma conveniente. E transgressora.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André