Esportes

Vaga da discórdia: disparate
da FPF não está encerrado

DANIEL LIMA - 24/10/2019

O sorteio dos grupos da fase de classificação da Série A1 do Campeonato Paulista e os conselhos técnicos das Série A2 e Série A3 não asseguram que tudo está resolvido no futebol paulista com vistas à próxima temporada. 

Não é porque a Federação Paulista de Futebol rasgou o regulamento de cada uma dessas competições que integram o guarda-chuva da Primeira Divisão que tudo está equacionado. Desdobramentos na esteira dos abusos normativos da direção da FPF ainda serão sentidos. É questão de pouco tempo. Quem viver verá.

Temos informações de fontes seguras de que os próximos tempos não serão tranquilos para a cúpula da Federação Paulista de Futebol. O Parecer Jurídico produzido pelo especialista em Direitos Constitucionais e Direitos Esportivos André Ramos Tavares é espécie de tiro de canhão que será utilizado brevemente para explodir as decisões do Conselho Técnico da Série A1, realizado terça-feira, e efeitos vinculantes nas demais séries.  Afinal, são sete equipes com direitos em xeque. São Caetano, Red Bull e Água Santa de Diadema são os mais visíveis e decisivos. 

Iniciativa inédita 

A medida a ser anunciada brevemente rompe as fronteiras de tudo que já se viu como consequência de erros e arbitrariedades de federações estaduais quando está em jogo a permanência ou o rebaixamento de equipes filiadas. A iniciativa está cercada de sigilo.

Sabe-se que será bombástica na medida em que retirará a disputa da Série A1 do ano que vem da bitola de deliberações aparentemente definitivas. Haveria um componente de alta octanagem jurídico-esportiva que provocaria entre outras situações um alerta à mídia. As consequências dessa operação são diagnosticadas como possíveis de provocar rebuliço no ambiente de servilismo tácito que caracteriza as relações entre a Federação Paulista de Futebol e seus filiados. 

Democracia no futebol paulista (e no futebol brasileiro como um todo) não passa de jogo de cena. Quando a própria Federação Paulista de Futebol decide rasgar o regulamento que aprovou juntamente com os clubes, não existe outra premissa explicativa de que algo de podre percorre os corredores daquela entidade. A circunscrição do futebol ao próprio território do futebol torna a atividade uma ilha constitucional semelhante a nações sob regimes ditatoriais. 

Acomodando parceiros 

A FPF acomodou irregularmente o Red Bull na Série A2 e o Água Santa de Diadema na Série A1 da próxima temporada. O regulamento de cada competição disputada neste ano foi flagrantemente desrespeitado pelo presidente Reinaldo Bastos. Ele é assessorado por um grupo de advogados ligados a grandes clubes, mas que fazem intervenções em nome de outros filiados. 

A ação colaborativa na FPF favorece os integrantes do comitê de assuntos jurídicos ante a concorrência. Eles contam com exposição permanente e falam em nome da entidade. O comitê conta com dois profissionais diretamente relacionados a clubes beneficiários das deliberações mais que previamente ajustadas no Conselho Técnico da Série A1.

O primeiro é André Sica. O segundo é Cristiano Caús. André Sica representa os interesses do Red Bull e também do Palmeiras. Caús é advogado do Água Santa de Diadema e falaria em nome do Santos.

Já em abril eles decidiram que o São Caetano não teria direito ao que o regulamento assegura: permanecer na Série A1 diante da então possibilidade de o Red Bull ter de desistir por conta de pertencer à mesma organização que administra o Bragantino. As duas equipes não poderiam disputar a mesma competição por determinação internacional. 

O Água Santa subiu pela porta dos fundos. O Artigo Nono, Parágrafo Primeiro do regulamento da Série A2 (e tantos outros artigos e parágrafos) determina que apenas duas equipes têm direito ao acesso. Mas a FPF jogou no lixo o que fora decidido no Conselho Técnico realizado em outubro do ano passado. 

Em nenhuma circunstância é exagero reproduzir o Artigo Nono, Parágrafo Primeiro, do regulamento da Série A2, desprezado pela Federação Paulista de Futebol:

Artigo Nono – Terão direito de acesso à Primeira Divisão (Série A1 de 2020, os dois clubes classificados para a fase final da competição).

Parágrafo Primeiro – Em caso de não participação de algum clube classificado para o Campeonato Paulista de Futebol Profissional (Primeira Divisão, Série A1 de 2020), terá também acesso o clube que obtiver a 3ª melhor campanha no Campeonato Paulista de Futebol Profissional, Primeira Divisão, Série A2 de 2019, dentro os que disputaram a fase semifinal. 

Também não é exagero repetir alguns trechos do Parecer Jurídico de mais de 40 páginas de André Ramos Tavares. 

Em realidade, ao dispor que “também” terá acesso o clube classificado com a terceira melhor campanha, o parágrafo primeiro apenas admite o acesso (também) do terceiro colocado, com melhor campanha na Série A2, no caso de um dos dois primeiros colocados da Série A2 desistir do acesso. O que a norma está contemplando é o critério, igualmente técnico, de acesso do terceiro colocado, na falta de algum dos primeiros colocados da Série A2. (...). “Este acesso” remete ao §1º, e também ao caput do art. 9º. Deixa-se certo que todas normas se referem a um acesso que surge apenas e somente se ocorrer alguma eventualidade com os classificados primeiros colocados da Série A2, e desde que atendida a condicionante temporal transcrita acima. (...). O conjunto normativo assim explicitado deixa certo que na Série A2 apenas duas agremiações terão direito de acesso. (...). É inescapável a conclusão, pois, de que o parágrafo primeiro acima mencionado responde exatamente à seguinte pergunta, e exclusivamente a ela: o que acontece se se souber que algum (dois) clubes classificados para o Campeonato da Série A1, e, portanto, ainda não integrante dela, perder a condição de poder participar da Série A1 para a qual se classificou no curso da Série A2?  Essa é a típica questão que há de ser resolvida no âmbito do Regulamento da Série A2 e em nenhum outro. O critério para indicação do novo classificado é matéria atinente exclusivamente a esse Regulamento. Essa a justa expectativa de todos, devidamente atendida pelo art. 9º referido por último. (...). Seria proposta inusitada, para dizer apenas o mínimo, querer que o Regulamento da Série A2 resolvesse o problema da exclusão de um integrante classificado em outra Série (A1). Mais ainda. Teríamos um total descalabro se o Regulamento tratasse dessa questão de outro campeonato e silenciasse sobre a mesma questão para o seu Campeonato—escreveu André Ramos Tavares.



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