Não está fora de cogitação legal a Associação Desportiva São Caetano romper o contrato com o São Caetano Futebol Limitada. O primeiro é o clube associativo que dá guarida ao segundo, o clube empresarial. A parceria vem desde 2003. E vai até 2027.
O contrato está sendo esmiuçado. Pretende-se provar que Nairo Ferreira ultrapassou a linha de fundo da responsabilidade contratual. Ele teria aberto brecha suficiente para o São Caetano Futebol Limitada deixar de administrar o futebol da cidade. Tudo por causa da vaga da discórdia. Os leitores estão cansados de saber do que se trata. Nairo Ferreira é visto como espécie de traidor. Teria colocado interesses pessoais acima da agremiação.
E o que aconteceria se o São Caetano Futebol Limitada for impedido de representar legalmente a Associação Desportiva São Caetano? Ora, a Associação Desportiva poderia firmar com outra agremiação empresarial tudo que diz respeito ao futebol do São Caetano.
Boia salvadora
A iniciativa poderia provocar medidas judiciais de lado a lado. Nairo Ferreira teria dificuldades de reagir. Segundo consta, ele procuraria uma boia salvadora que o livrasse dos desajustes que colecionou ao longo dos anos.
Até outro dia Nairo Ferreira era presidente das duas metades do São Caetano -- a associativa e a futebolística. Quem tem o todo sob responsabilidade normalmente pode fazer tudo. Agora é mandachuva apenas da metade-futebol. A outra metade, associativa, deverá contar com outro dirigente.
Nairo renunciou ao cargo há três semanas pressionado por conselheiros insatisfeitos. Ele teria aceitado se afastar da metade associativa para amenizar uma bucha que seria contundente. Ele teria navegado em suposto mau uso de recursos financeiros doados pelo empresário Saul Klein.
O empresário doou milhões ao São Caetano. Dinheiro suficiente para a equipe estar no mínimo na Série B do Campeonato Brasileiro. Está rebaixada dentro de campo à Série A2 do Campeonato Paulista e não aparece no circuito do Campeonato Brasileiro em nenhuma divisão. Além de tudo isso, o São Caetano tem dívida acumulada de quase R$ 30 milhões. Portanto, Nairo Ferreira conseguiu o milagre reverso de transformar uma galinha dos ovos de ouro em urubuzada. Com perdão do racismo animal.
Deslize na FPF
Adicionalmente, uma contabilidade para lá de negligente com os pressupostos desejados teria comprometido o clube associativo, que conta com 1% das ações do clube empresarial.
Afinal, onde Nairo Ferreira cometeu o deslize que pode custar o rompimento de um contrato que iria até 2027? A resposta é que ele representou o São Caetano legalmente no Conselho Técnico da Federação Paulista de Futebol com os clubes da Série A2.
Ou seja: sugeriu a todos que aceitava passivamente a arbitrariedade da FPF. A entidade errou tanto ao não rebaixar o Red Bull para a Segunda Divisão, ao invés da Série A2 da Primeira Divisão, como ao ascender o Água Santa de Diadema à Série A1, justamente no espaço legal que o regulamento confere ao São Caetano.
Sei que o leitor está a perguntar como o presidente da metade associativa que de fato é representante legal do São Caetano na Federação Paulista de Futebol contraria os interesses da agremiação e admite formalmente que a outra metade, o São Caetano Futebol Limitada, seja deslocado à Série A2?
Relações estreitas
O fato é que Nairo Ferreira tem relações estreitas com a presidência da FPF. E quem tem relações com Reinaldo Bastos sabe que não é bom negócio pular para o outro lado da cerca. Quem não tem boas relações sempre está disposto a também pular para o outro lado da cerca, o lado do presidente, claro. As federações que comandam o futebol brasileiro praticam uma democracia singular.
Nairo Ferreira ficou em posição incômoda desde que, em abril, solicitado a cumprir a obrigação de defender os direitos do São Caetano, assinou um documento endereçado à FPF. Os termos eram claros: o São Caetano apoiava a entidade na observância de que o regulamento lhe garantia permanência na Série A1 desde que o Red Bull fosse rebaixado, como o foi agora -- embora para um quadradinho hierárquico equivocado.
Um especialista de identidade não revelada e autor da peça encaminhada à direção da FPF após a assinatura de Nairo Ferreira correu numa raia argumentativa diversa do que se imaginava. Ao invés de cair na armadilha da narrativa da Imprensa e dos próprios dirigentes da FPF que manipulavam nos bastidores o Artigo Nono, Parágrafo Primeiro, dando-lhe conotação de que o terceiro colocado da Série A2 herdaria a vaga do Red Bull, percorreu-se caminho oposto. O São Caetano aplaudia a FPF pelo regulamento, enfatizando a justeza técnica que lhe resguardava os direitos. Trocou-se, portanto, a beligerância pelo aplauso.
Nairo Ferreira foi praticamente obrigado a assinar o documento, segundo fontes internas do clube. Não se sabe exatamente quem o teria aconselhado a não trair o São Caetano, mas não há dúvida de que ele entendeu de imediato que aquele era o roteiro mais ajuizado.
Nairo Ferreira confirmou a contrariedade que lhe impuseram numa manifestação oficial praticamente em paralelo ao registro do documento na FPF. Em nota à Imprensa, desdisse tudo o que assinou, abrindo mão publicamente da vaga na Série A1. As informações dão conta de que tanto a FPF quanto dirigentes do Água Santa o teriam sensibilizado.
O fato é que jamais em momento algum Nairo Ferreira saiu a campo para defender a manutenção do São Caetano na Série A1. Acompanhou passivamente o desenrolar do noticiário. Até que terça-feira passada ocupava uma das cadeiras reservadas ao clube no Conselho Técnico da Série A2. No dia anterior, o Água Santa estava representado no Conselho Técnico da Série A1.
Sabe-se que conselheiros mais ativos da Associação Desportiva São Caetano e torcedores mais entusiastas do São Caetano Futebol Limitada não teriam engolido a postura de Nairo Ferreira.
Corre também nos bastidores a versão de que a manutenção de Nairo Ferreira como representante do São Caetano no Conselho Técnico da Série A2 foi intencional. Buscou-se uma prova suplementar de que ele incidiu em traição ao clube. E isso só se tornou possível porque a Associação Desportiva São Caetano, que representa legalmente o São Caetano Futebol Limitada na FPF, preferiu não oficializar junto à FPF a renúncia de Nairo Ferreira.
Ou seja: tivemos uma representação eticamente desastrosa de Nairo Ferreira no encontro na FPF, mas sob o ponto de vista regulamentar, nada a reclamar.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André