Esportes

Vaga da vergonha: São Caetano
vai recorrer nos próximos dias

DANIEL LIMA - 26/11/2019

Ainda não há informações seguras sobre o formato jurídico da operação, mas uma coisa é certa: torcedores do São Caetano, que também são conselheiros do São Caetano, preparam ação junto ao Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Futebol para anular a decisão da direção da entidade que eliminou a equipe da Série A1 do Campeonato Paulista da próxima temporada. O que emergiu como vaga da discórdia virou vaga da vergonha. Nada mais lógico que haja reação. Demorada, mas aparentemente iminente.

O Água Santa de Diadema foi favorecido. O regulamento é incontestável: a vaga deixada pelo Red Bull, que se juntou ao Bragantino, deveria ser ocupada pelo São Caetano. O rebaixamento da equipe dentro de campo tem a prerrogativa salvadora de cláusulas normativas de que apenas duas equipes devem ser degoladas. No caso, o São Bento de Sorocaba, último colocado, e o Red Bull. Se outra equipe da Série A1, além do Red Bull, se juntasse a outro integrante da mesma Série A1, o São Bento também se salvaria.

Um Parecer Jurídico demolidor do especialista em Direitos Desportivos e Constitucionais, André Ramos Tavares, colocou a definição da FPF no quarto de despejo da insensatez.

Retaguarda jurídica

O que a direção da FPF produziu é uma patifaria regulamentar. Rasgou as próprias normas aprovadas em Conselho Técnico. Tudo em nome do obscurantismo esportivo. Houvesse um time grande envolvido, a máscara cairia ruidosamente.

A FPF já divulgou o regulamento e a tabela de jogos da Série A1 e também da Série A2 do Campeonato Paulista. O Red Bull foi indevidamente instalado na Série A2. Nada surpreendente: o advogado da agremiação, André Sica, é conselheiro especial do presidente da FPF, Reinaldo Bastos. Sica integra uma comissão de Direitos Jurídicos da entidade. Direitos Jurídicos para os próximos, claro. Mesmo que os próximos não tenham Direitos Jurídicos.

Regulamentos de todas as séries que integram a Primeira Divisão de São Paulo determinam que, em situação que se encaixam negociações entre Red Bull e Bragantino, a equipe que sobra da incorporação deve ser rebaixada à divisão inferior. No caso, divisão inferior é a Segunda Divisão, popularmente conhecida como B1, fita de largada que acomoda as equipes profissionais do Estado, da qual partem a empreitadas de acesso.

O recurso ao TJD de São Paulo seria apenas a primeira estação de embarque contra a decisão da FPF. Em seguida, dependendo do resultado, seria acionado o STJD, da Confederação Brasileira de Futebol. Esse desdobramento é avaliado como quase compulsório. A história do tribunal paulista é recheada de decisões alinhadas aos interesses do presidente de plantão. É um tribunal com cartas marcadas, segundo análises de especialistas que acompanham a trajetória do organismo. Eles formam espécie de diretório partidário. No caso, o partido é a FPF.

Desarrumação diretiva

O que está atrapalhando a iniciativa de torcedores e conselheiros do São Caetano é a desarrumação diretiva e administrativa do clube-empresa presidido por Nairo Ferreira. Ainda não se tem o substituto do dirigente que até outro dia representava oficialmente também a Associação Desportiva São Caetano. Nairo Ferreira solicitou licença do cargo. Nunca é demais lembrar que o São Caetano é dividido em duas partes legais: a Associação Desportiva São Caetano, que é o clube associativo, e o São Caetano Futebol Limitada, que administra o futebol.

Há avaliações contraditórias a respeito dos poderes legais do São Caetano Futebol Limitada. Tem-se como certo que Nairo Ferreira poderia ter a relação oficial com a FPF interrompida a partir da eleição de seu substituto na Associação Desportiva São Caetano. Afinal, a representação da Associação Desportiva na FPF assim o permitiria.

Tudo poderia ser simplificado se Nairo Ferreira não fosse visto com desconfiança e, também, se não houvesse sobre ele sombra de desinteresse em defender o São Caetano nas instâncias esportivas. Nairo Ferreira é visto como alguém que jamais se incomodou com o equívoco da Federação Paulsita de Futebol. Mais que isso: como foi omisso durante todo o tempo, correm rumores de que teria motivos de sobra para desprezar o grosseiro erro interpretativo do regulamento.

Sombra financeira

Além da questão do representante legal da Associação Desportiva São Caetano na ação junto ao Tribunal de Justiça Desportiva também existe sombra sobre o futuro do São Caetano. Sem o mecenas Saul Klein, que virou investidor e está prestes a assinar contrato que o colocaria como comandante da Ferroviária de Araraquara, Nairo Ferreira estaria imobilizado para sustentar a equipe.

O São Caetano viveu praticamente duas décadas graças aos desembolsos de Saul Klein, regulares e tributados pela Receita Federal. Como deixou de colaborar após descobrir série de irregularidades cometidas ao longo dos anos, Saul Klein colou Nairo Ferreira em situação delicada: ou o presidente do São Caetano Futebol Limitada se vira nos trinta para arrumar patrocinadores ou o clube-empresa viverá situação de insolvência financeira que afetará a equipe dentro de campo.

Como se observa, a situação parece kafkiana. O São Caetano reivindicaria um direito que foi usurpado pelos mandachuvas da Federação Paulista de Futebol e, ao mesmo tempo, estaria à beira de um ataque de esfacelamento financeiro e estrutural.  

Federação Paulsita de Futebol e Tribunal de Justiça Desportiva são aliados informais, mas também não deixam de cometer deslizes e antagonismos que revelam a flacidez da organização do futebol do Estado. Um exemplo é o caso do Barretos, terceiro colocado da Série A3 do Campeonato Paulista. A agremiação luta para ascender à Série A2 ao contestar o rebaixamento simples do Red Bull. Trocando em miúdos, com a diferença de que o Água Santa não precisou recorrer à Justiça Esportiva, porque a FPF lhe deu de bandeja a vaga na Série A1, o Barretos quer subir graças a uma leitura enviesada do regulamento da Série A3.

Trata-se de evidente equívoco que se sobrepõe a outro. Ou seja: não é porque o Red Bull vai participar indevidamente da Série A2 na próxima temporada que o Barretos teria direito à vaga. Afinal, o regulamento também prevê que, como no caso do São Caetano na Série A1, o 15º colocado da Série A2 seja mantido na competição do ano que vem. No caso, o Nacional da Capital. Mas o Nacional não reagiu ao erro de interpretação do regulamento porque seus dirigentes têm ligações estreitíssimas com o presidente Reinaldo Bastos.

Divisibilidade inquestionável

O recurso do Barretos não encontrou respaldo nos juízes do tribunal esportivo de São Paulo. Embora a posição individual dos integrantes do TJD não tenha sido publicada oficialmente, o noticiário de jornais e sites dá conta de que um dos aspectos que demoliram a iniciativa da equipe se fixou na divisibilidade dos campeonatos.

Trata-se do raciocínio de que Série A1, Série A2 e Série A3 são equivalentes à Primeira Divisão, Segunda Divisão e Terceira Divisão. A avaliação é corretíssima, já apontada por este jornalista em várias das mais de quatro dezenas de análises sobre a vaga da discórdia que virou vaga da vergonha.

Entretanto, o regulamento das competições, inclusive para a próxima temporada, insiste em colocar sob o guarda-chuva da Primeira Divisão a Série A1, a Série A2 e a Série A3. Leiam o que escrevi a respeito da divisibilidade das competições na edição de 16 de abril: 

 Cada competição organizada pela Federação Paulista de Futebol tem vida regulamentar própria nos pontos fundamentais reunidos no REC, Regulamento Específico de Competições. Ou seja: há divisibilidade legal que não pode ser jogada no lixo de subjetividades caolhas. Desta forma, Série A-1 é Série A-1, Série A-2 é Série A-2 e Série A-3 é Série A-3. Tanto quanto os paulistas são paulistas, os mineiros são mineiros e os cariocas são cariocas. A FPF poderia simplificar tudo e seguir nomenclaturas dos campeonatos nacionais em toda parte do mundo civilizado da bola, inclusive o Brasil. Desta forma, teríamos Série A, Série B, Série C e Série D no Campeonato Paulista. Como o é no Campeonato Brasileiro. Ficaria muito mais fácil o entendimento, principalmente para o público. Afinal, não precisaríamos dizer que Série A-1 é Primeira Divisão e que Série A-2 é Segunda Divisão, por exemplo. Colocar todas as séries sob o manto de Campeonato Paulista da Primeira Divisão é uma jogada de marketing exagerada. Mais confunde que valoriza as competições. Mas isso é apenas um detalhe que não pode ofuscar o principal. Com a divisibilidade regulamentar especificada no regulamento, a competição de maior nível hierárquico, no caso a Série A-1, não depende dos humores e horrores da divisão imediatamente inferior. Ou seja: questões relativas a posicionamentos classificatórios são resolvidas dentro da Série A-1. Dois times sobem e dois times descem. Eventuais problemas são resolvidos nas respectivas divisões. Sem invasão de domicílio, portanto.

O que o diz o Parecer Jurídico

A propósito da divisibilidade das competições, leiam um trecho do Parecer Jurídico do especialista André Ramos Tavares, publicado nesta revista digital em agosto último:

 Seria proposta inusitada, para dizer apenas o mínimo, querer que o Regulamento da Série A2 resolvesse o problema da exclusão de um integrante classificado em outra Série (A1). Mais ainda. Teríamos um total descalabro se o Regulamento tratasse dessa questão de outro campeonato e silenciasse sobre a mesma questão para o seu Campeonato. De qualquer forma, não foi isso o que ocorreu no Regulamento da Série A2. O § 1º nos fornece regras sobre o Campeonato A2, sobre o que ocorre se um dos dois primeiros classificados deixar de poder participar da Série A1, quer dizer, se deixarem de exercer o seu direito de acesso, o que pode ocorrer por diversos motivos, como o próprio desaparecimento do clube. Como demonstrei ao longo do presente Parecer, não se deve utilizar qualquer outro Regulamento para sanar dúvidas de outra competição, sob pena de introduzir regras novas e arbitrárias, surpreendendo a todos participantes que se esforçaram e competiram com a certeza das regras que guiariam os resultados finais. O Regulamento da Série A2 do Campeonato paulista da Primeira Divisão atende a pressupostos e objetivos próprios, tem por objeto apenas a respectiva competição e clubes ali nominados e envolvidos (art. 3o). De seu conselho Técnico próprio resultou a forma final dessa competição (arts. 4o a 14), diversa, como se sabe, daquela forma adotada na Série A1. Trata-se, como disse antes, de retomar, aqui, observações muito basilares, mas que se tornaram essenciais para evitar um equívoco de imputação normativa. Imaginar que parte essencial das regras da Série A1 esteve longe do alcance dos clubes da Série A1, escondida no Regulamento da Série A2, é tão equivocado quanto pretender aplicar leis, nacionais, estaduais ou municipais, que tratem de campeonato, competição ou concorrência públicas, simplesmente por conterem regra que, aos olhos de alguns, seria a melhor solução para um suposto problema surgido no campeonato paulista de Futebol na Série A1 da Primeira Divisão. Nada há que sustente minimamente serem as regras da Série A2 as mais propícias e adequadas para eventualmente complementarem a Série A1, caso esse procedimento de recorrer a normas heterônomas fosse aceitável aqui. Pois tudo estaria ao alcance dos pseudo-legisladores de plantão: normas estrangeiras, de outros campeonatos em curso, de campeonatos anteriores, etc. Seria necessário avançar para muito além daquele martírio competitivo, de que falava Nelson Rodrigues em uma de suas recorrentes crônicas de futebol, que comumente aceitamos como um mero “charme desesperador”. Seria, neste caso, apenas desesperador, para todos envolvidos, frustrarem-se as regras da competição.



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