Esportes

Vaga da vergonha ganha novo
e mais que necessário capítulo

DANIEL LIMA - 20/12/2019

Fossem os tribunais esportivos menos contaminados pelos poderes igualmente esportivos constituídos nos corredores e gabinetes de entidades controladas por mandachuvas e mandachuvinhas, provavelmente nenhum torcedor do São Caetano apelaria (como se está apelando agora) à Justiça Comum em defesa dos direitos de a equipe seguir na Série A1 do Campeonato Paulista. 

Possivelmente os novos desdobramentos de uma decisão arbitrária da Federação Paulista de Futebol ganharão alguma repercussão e, mais que isso, poderão invadir o terreno da subjetividade interpretativa que provocaria um paradoxo lastimável: vão condenar quem escolheu o caminho da verdade dos fatos regulamentares e glorificar a sandice federacionista. 

Não é exagero tipificar a decisão da FPF como sandice. Afinal, as entranhas explicativas da entidade estão eivadas de desconfiança do que se passou nos bastidores para que se desse de bandeja uma vaga no principal campeonato estadual do País a uma equipe, o Água Santa de Diadema, que não conta com direito algum. 

Desafio aos opositores

A quem acha que exagero em algum ponto desse conjunto de parágrafos, faço um resumo da ópera que certamente o profissional de Direito contratado pelo torcedor do São Caetano enfatizou no documento encaminhado ao Judiciário:  abandono a profissão que abracei há muito tempo se qualquer opositor encontrar em algum ponto do regulamento da Série A1 ou das demais séries das competições paulistas algo que sustente a subida e a descida de três equipes numa mesma temporada.

Ou seja: o Água Santa será um clube-pirata na Série A1 do ano que vem caso a FPF mantenha o que já foi decidido no Conselho Técnico realizado recentemente à revelia da moralidade e da ética esportivas. O Água Santa poderia ser o Santo André, poderia ser o Internacional de Limeira ou qualquer uma das 16 equipes que disputaram a Série A2 Paulista deste ano. Não existe discriminação deste jornalista contra a equipe de Diadema. Existe regulamento. Por acaso (acaso mesmo, porque era a melhor equipe e deveria ser campeã da temporada, não o terceiro colocado) o Água Santa meteu salto alto na semifinal contra o Santo André e teve de se contentar com o terceiro lugar.

A notinha do jornalista Paulo Vinícius Coelho (típica de blogueiro apressado) dando conta de que o São Caetano ingressou na Justiça Comum, por ação de um torcedor, para paralisar a Série A1 do Campeonato Paulista, é flagrantemente imprecisa, quando não tendenciosa. A FPF tão mal servida de advogados (os mesmos que fizeram a lambança interpretativa que premiou o Água Santa em detrimento do São Caetano) ganhou um defensor e tanto, no caso um jornalista de nomeada que, entretanto, não entende patavina do caso.

Gaiato no navio

PVC, como é conhecido, entrou de gaiato no navio de besteiras normativas patrocinadas pela Federação Paulista de Futebol. Detalhista nas análises de jogos, pioneiro na popularização de dados de desempenho até então insondáveis, além de acrescentar memória e bem estruturadas avaliações táticas, Paulo Vinicius Coelho escorregou no tomate da precipitação. Ao abordar superficialmente a vaga da vergonha, PVC fez uso de habilidade semelhante à de uma criança que pega a chave do carro do pai e trafega por uma avenida coalhadíssima. Resumidamente, a gaiatice de PVC tem duplo formato.

Primeiro, PVC não deveria escrever que o São Caetano é o responsável pela iniciativa junto à Justiça Comum. Não há digitais do clube nesse sentido. Está bem que o senso comum indicaria essa possibilidade, mas sem provas materiais não se pode acusar ninguém. Poderia até fazer conjecturas, não afirmativas.

Para reforçar essa avaliação, lembro que o novo presidente do São Caetano, o advogado Carlos André de Freitas Lopes, não só nega (numa declaração ao Diário do Grande ABC de hoje) vinculação à petição na Justiça Comum como, numa assertiva que pode ser entendida como haraquiri, praticamente abre mão da vaga. Nada diferente do que fizera o antecessor Nairo Ferreira. Ou seja: estranhamente, a alta cúpula do clube joga na lata do lixo um direito inalienável de seguir na Série A1.

Segunda gaiatice:  PVC criminaliza a iniciativa do torcedor do São Caetano ao afirmar que se pretende interromper o calendário esportivo da FPF. Nada disso: o que está em jogo (e que a Justiça Esportiva seria incapaz de resolver porque é comprometida até a medula com as instâncias executivas de federações e confederação) é a própria legislação esportiva.

Legislação a respeitar

Explico: o Estatuto do Torcedor veda clara e inexoravelmente mudanças na forma de disputa de uma competição sem a quarentena de dois anos, obedecendo-se a um rito processual aprovado pelo Congresso Nacional. No caso envolvendo São Caetano, Água Santa, Red Bull e FPF, o que tivemos foi o acesso indevido de três equipes na Série A1, com consequente descenso indevido de três equipes. O regulamento estabelece o limite de dois para lá e dois para cá.  

Não tenho conhecimento (como parece ninguém ter até agora) do conjunto de alegações que deram entrada na Justiça Comum em defesa dos direitos do São Caetano. É provável que a ação tenha trânsito em instâncias superiores, já que teria sido rejeitada na primeira escala hierárquica do Judiciário.

Entretanto, especulando sobre esse longo processo de desmoralização do regulamento, a FPF vai ter de se virar nos 30 para cavoucar e encontrar algum ponto que dê o mínimo de sustentação à aberração cometida. Se o Judiciário for rigoroso, tanto o Estatuto do Torcedor quanto o regulamento da Série A1 e da Série A2 serão aliados do São Caetano.  Se for negligente, as traquinagens da FPF seguirão impunes.

Mais complicações

Por isso insisto: o jornalista Paulo Vinícius Coelho cometeu barbeiragem ao dar conotação pecaminosa à iniciativa que beneficiaria o São Caetano, caso a Justiça Comum decida em favor da lógica regulamentar que jamais encontraria respaldo na Justiça Esportiva sob a tutela de Reinaldo Bastos, comandante de Federação Paulista de Futebol.

Conhecendo o gado da crônica esportiva como conheço, não tenho dúvida de que se dividirá não necessariamente em partes iguais na interpretação dos fatos que veem de longe: os adeptos da traquinagem da Federação Paulista de Futebol vão continuar a bater o pé em defesa da interpretação canhestra do regulamento em questão e aqueles que até agora não se deram conta do que se perpetrou, terão a oportunidade de, ao mergulharem nas águas regulamentares, reagirem com a sensatez dos independentes. Tomara que PVC esteja entre eles e, portanto, se redima.

A Federação Paulista de Futebol cometeu um latrocínio interpretativo e decisório ao transformar a vaga da discórdia em vaga da vergonha. A Justiça Comum deveria acabar com essa farra. O mundo esportivo não pode continuar a repetir com tanta liberdade o que as empreiteiras de obras e os governos de várias instâncias sempre fizeram até que a Operação Lava Jato desse as caras.



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