Esportes

Quem ganharia caso a chuva
não atrapalhasse em Itaquera?

DANIEL LIMA - 28/02/2020

Não tenho a menor ideia (na verdade tenho sim, mas não chegaria a uma conclusão irretocável) sobre o que teria acontecido no jogo entre Corinthians e Santo André caso os dois terços que faltaram por causa da forte chuva fossem de fato disputados, não guerreados. Acho que no fundo, no fundo, o Santo André se deu melhor com o empoçamento quase generalizado em Itaquera, embora essa conclusão seja precária, sujeita a chuvas e trovoadas argumentativas.

De qualquer forma, do jeito que foi até o fim (porque o futebol virou mercadoria que quando exposta na televisão não pode atrapalhar a programação geral), o resultado acabou justo. Mas também esclarecedor em vários pontos.

Há consagradas bobagens que a mídia construiu ao longo de décadas no futebol, entre as quais a máxima de que não se mexe em time que está ganhando. Aliás, uma máxima retirada do campo esportivo e levada muitas vezes a outros setores, inclusive à Administração Pública. Outro dia um prefeito da região a utilizou como salvo-conduto de qualidade da gestão. Frase puramente pirotécnica, estimulada por marqueteiros agarrados às entranhas e bolsos de homens públicos que não passam de trapaceiros sociais.

Vagabundice geral

Tanto quanto “não se mexe em time que está ganhando” é uma falácia própria da vagabundice analítica dos profissionais que giram em torno de uma bola de futebol é afirmar que “o campo está ruim para os dois times”. Trata-se de extensão dessa anomalia macunaímica.

É nesse ponto que vou especular sobre o jogo entre Corinthians e Santo André. O estado lamentável do gramado favoreceu a quem naquele embate? Tenho argumentos que direcionam tecnicamente a resposta para os dois lados. Separadamente, claro.

O Corinthians foi mais prejudicado porque é comprovadamente uma equipe mais dotada de individualidades. Nem se comparam os jogadores. O processo de seleção econômica que transformou o futebol em negócios é uma estrada longa. O Corinthians e tantos times chamados de grandes selecionam os valores que os compõem. O Santo André e tanto outros times pequenos são caçadores de supostas soluções que sobrariam no mercado de terceira linha.

O Corinthians foi mais prejudicado porque até que a chuva praticamente inutilizasse o gramado, ao fim de 32 minutos do primeiro tempo, exercia domínio completo sobre um Santo André supostamente acovardado na defesa, a livrar-se da bola de qualquer maneira ou a não poder conectar defesa, meio de campo e ataque diante da marcação avassaladora do adversário.

O Corinthians foi mais prejudicado pela chuva porque contava com o ambiente de mandante como força propulsora de desequilíbrio gradual do adversário, como é natural e lógico em confrontos de times grandes contra times pequenos.

Prejuízos ramalhinos

O Santo André foi mais prejudicado pela chuva porque, embora reconhecidamente conte com menos dotes individuais, é uma equipe em estado de graça técnica e coletiva, com a consagração do conjunto como soma extraordinária de todas as virtudes possíveis de cada uma das individualidades que o compõe. Bem diferente, portanto, do adversário.

O Santo André foi mais prejudicado porque a chuva impediu que um dos vieses positivos do Santo André se manifestasse potencialmente, no caso o poder de um contragolpe sempre movido a velocidade, intensidade e objetividade.

O Santo André foi mais prejudicado porque o ambiente normalmente sempre favorável ao time da casa e ainda mais quando o time da casa é o time do povo poderia virar-se contra o feiticeiro na medida em que, como se deu aos 32 minutos, antes que a chuva desabasse, abrira o placar com um gol do centroavante Ronaldo, num giro de cabeça pouco comum no futebol.

Primeiro ciclo alvinegro

Portanto, em três exemplos favoráveis ao Corinthians, contrapostos por três exemplos em defesa do Santo André, liquido e enterro a preguiça crítica que se resume “o campo está ruim para os dois lados” fomentada pela simplicidade dos rasos, não dos rastreadores de soluções.

Talvez tenha um argumento, que consta como desdobramento de um dos seis apresentados, que indicaria o Corinthians como a equipe que mais se ferrou com a chuva, embora se deva ressaltar que os dois terços que faltaram de futebol tenham como ponte de partida dessa análise o placar de um a zero a favor do Santo André, porque, coincidentemente, foi aos 32 minutos que mais se iniciou o processo de degradação do gramado.

O Corinthians teria sido mais prejudicado pelo temporal porque o jogo até o fim do primeiro ciclo da partida, ou seja, de um terço, apresentou o dono da casa como controlador absoluto do jogo, seguindo uma variável de ocupação de espaço, posse de bola e finalizações. No total, durante o jogo misturado à pelada, foram 22 finalizações do Corinthians e apenas duas do Santo André.

Ou seja, durante o terço produtivo do jogo, um jogo que jamais vai terminar porque paradoxalmente foi interrompido taticamente pela chuva, o Corinthians teria sido melhor que o Santo André. O time de Paulo Roberto dos Santos jamais se comportou como líder geral do campeonato, metido defesa adentro com praticamente todos os jogadores ocupando espaços destrutivos.

Estatísticas enganam

Mas esse argumento, o argumento de que o Corinthians projetava uma vitória que o temporal atrapalhou, também não é totalmente sustentável, por mais que tenha acuado o Santo André. Basta verificar que as oportunidades criadas não têm parentesco algum com a quantidade de finalizações.

O emburrecimento estatístico no futebol é uma febre incontrolável. Qualquer chutinho, qualquer investida que tenha alguma agudeza, são levados à coluna de probabilidade de gol. Pura bobagem. O que a tecnologia não detecta porque quem a programa muitas vezes não entende bulhufas de futebol é que há determinados lances que não dão em nada, mas que são muito mais contundentes na formulação, embora incompletos na conclusão.

Querem um exemplo? Os mineradores de dados ignoram lateral que vai à linha de fundo depois de receber passe milimétrico de um companheiro e executa cruzamento entre a pequena área e o goleiro, ponto geralmente vulnerável do sistema defensivo. A bola passa por todos e sai do outro lado do gramado, na lateral. Os computadores ignoram a jogada.

Por outro lado, um chute qualquer de fora da área que passa sem força e sem direção certa, é contabilizado como finalização.

Interrogações persistem

Não sei o que teria sido o jogo entre Corinthians e Santo André caso a chuva não atrapalhasse e expusesse a dependência mercantilista das regras do futebol aos dados de audiência televisiva.

No meu imaginário atrevido sofro com a ideia de que perdi uma grande oportunidade de medir com alguma precisão até que ponto o Santo André defensivista com viés contragolpista acenaria com alguma segurança eventual sucesso na fase de mata-matas do campeonato, para a qual parece destinado.

E também até que ponto a pressa exagerada de criar ações ofensivas atrapalhará os planos do técnico Thiago Nunes na construção de um novo modelo de jogar futebol, imposto pelo Flamengo às demais equipes nacionais. O Corinthians confunde as bolas de intensidade e de pressa. Algo que se agrava na medida em que os resultados positivos demoram a sair do forno da precipitação.



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