A histórica vitória do Santo André ontem em Campina Grande, na Paraíba, quando recuperou a oportunidade perdida quatro dias antes no Estádio Bruno Daniel, coloca o clube mais popular da região na Série B do Campeonato Brasileiro da próxima temporada. Finalista da Copa Estado de São Paulo, que será decidida quarta-feira em Itu e domingo no Estádio Bruno Daniel, o Santo André está próximo de uma façanha, depois de ganhar no início do ano a Taça São Paulo de Futebol Júnior, espécie de Campeonato Brasileiro da categoria. Quem sabe numa mesma temporada — e ano ímpar, para variar — o Santo André consiga três objetivos memoráveis.
Quem conhece um pouco da realidade do Santo André tem razões de sobra para vibrar com os resultados em campo. Sempre apoiado pela torcida mas abandonado em larga escala pelos detentores de recursos financeiros, o Santo André se vira como pode para sustentar-se num maremoto que atingiu o futebol profissional nos últimos 15 anos. As agremiações de pequeno porte e mesmo médio foram varridas do mapa por uma combinação malévola de incompetência gerencial, privilégio aos clubes de massa pelas TVs aberta e paga para exibirem seus craques e desinteresse de parte dos comandantes das mídias regionais, incapazes de enxergar a influência cultural do futebol, entre tantos problemas.
Por isso, quando desembarcar hoje da Paraíba, quem aprecia a valorização regional precisa render homenagens ao novo integrante da Série B do Campeonato Brasileiro, onde até outro dia estava o Palmeiras de tantas tradições. Quanto vale uma vaga na Série B? Para o Santo André vale muito, muitíssimo, porque se até recentemente conseguia o milagre de sobreviver na Série B do Campeonato Paulista e não passava de figurante na Série C do Brasileiro, obrigado a montar e desmontar equipes numa mesma temporada, agora se abre a perspectiva de contar com calendário praticamente anual. Algo como um produto que vai às gôndolas o ano inteiro e não apenas numa temporada de verão.
Se ganhar a Copa Estado de São Paulo, então, o calendário anual estará asseguradíssimo, porque terá o direito de disputar a Copa do Brasil, além da Série A do Campeonato Paulista e da Série B do Brasileiro. Provavelmente o presidente Jairo Livolis, o vice Celso Luiz de Almeida e o técnico Luiz Carlos Ferreira já estejam delineando o planejamento para a próxima temporada. É verdade que estavam tão eufóricos quando falei com eles dos vestiários vitoriosos em Campina Grande — eu em São Bernardo e eles lá, saídos de uma tarde-noite memorável — que nem lhes passava pela cabeça qualquer coisa que não fosse extravasar a tensão emocional contida pelos dois primeiros ao final do desastre de quarta-feira contra o Botafogo da Paraíba. Nada que a contratação de Luiz Carlos Ferreira no dia seguinte — decisão ousada que mostra bem a cara de uma direção que jamais entrega os pontos — não tenha sido essencial.
Na viagem de retorno ao Grande ABC hoje, que deverá ser coroada com desfile em carro aberto, a direção do Santo André provavelmente já terá delineado os horizontes factíveis no ano que vem. Quem conhece Jairo Livolis, o maior presidente da história do clube, sabe o quanto esse ex-executivo de empresas multinacionais e hoje empreendedor no setor de material esportivo é meticuloso na organização do clube. Ao fechar esta temporada, Jairo Livolis e sua diretoria conseguiram atingir o ápice da competência geralmente pouco reconhecida por quem deveria apostar mais nessa que é a melhor ferramenta para a auto-estima de um Município abaladíssimo por uma série de infortúnios — da evasão industrial mais dramática nos últimos 20 anos passando pela morte do prefeito Celso Daniel.
Chegamos, acredito, ao ponto terminal de uma série de descalabros contra um clube que, sem ter o aporte empresarial do vizinho São Caetano — nossa maior expressão profissional em todos os tempos — conseguiu manter-se num calendário que não tem reservado mais que três meses de competições aos deserdados da televisão.
O fato é que, exceto os torcedores assíduos, massa maior do que se imagina e que desafia a proximidade dos grandes e insinuantes clubes profissionais badalados dia e noite pela mídia, Santo André não tem merecido o Santo André. O clube, que acaba de subir para a Série B depois de uma maratona da qual participaram 94 concorrentes, merece mais atenção. Jairo Livolis e seus companheiros de diretoria fazem o milagre da multiplicação de recursos financeiros não só para colocar a equipe em campo, mas ao dotá-la de condições técnicas rumo ao Acesso. Com muito mais, outros clubes só conhecem tropeços.
A crise de identidade do Grande ABC, essa massa institucional amorfa, desconexa, sujeita aos sacolejos de triunfalistas empedernidos, encontra no futebol profissional um dos ramais mais sensíveis à constituição de novo modelo social. Só quem desconhece o poder de aproximação do futebol entre agentes sociais estrelados ou anônimos desdenha essa possibilidade. Quem, como eu, ficou na boca da arquibancada na chuvosa noite da última quarta-feira, e viu grande parte dos quatro mil torcedores acorrerem ao Estádio Bruno Daniel gritando pelo Santo André sabe o quanto essa paixão poderia ser canalizada a outras atividades. Basta que se exercite uma ação de ressonância pós-jogo que jamais foi aplicada nem aqui nem em outros municípios. O São Caetano, como se sabe, deveria receber o Prêmio Incompetência de Marketing, depois de ver seu público murchar cada vez mais mesmo ao contar com equipe que pelo terceiro ano consecutivo está entre as melhores do País.
Fiquei particularmente muito feliz no final da tarde de ontem e até cantei sem parar o hino do Santo André depois que soube pela Jovem Pan que o time de Luiz Carlos Ferreira vencera o Campinense. Aliás, os rapazes da Jovem Pan tiveram que engolir a vitória de Ferreira, porque durante a transmissão do jogo do São Paulo contra o Internacional de Porto Alegre eles eventualmente interrompiam a transmissão para dar o balanço da rodada de resultados. Informados de que o Campinense abrira o placar contra o Santo André, o narrador e o comentarista foram sarcásticos. Disseram que Ferreira, chamado de Rei do Acesso, há muito não ganhava nada. Disseram que se tratava de um elevador encrencado que não subia nem descia. Quando veio a virada, o comentarista ainda tentou minimizar a importância do treinador contratado a toque de caixa. Disse que não se pode considerar Acesso por apenas um jogo. Pura bobagem e tentativa tosca de sustentar uma opinião precipitadamente maldosa. Coisa do radialismo nacional.
Pena que nenhuma emissora da região tenha transmitido o jogo. Levaram nossas emissoras para a Capital, num desrespeito ao princípio ético da concessão dos canais de voz. As que sobraram transmitem programas religiosos de quase ou nenhuma importância regional ou, como é o caso da Rádio ABC, prefere a suposta rentabilidade dos jogos do Santos. Gostaria de estar na pele do presidente Jairo Livolis neste momento, curtindo o sucesso da equipe e dando um tapa de luva de pelica em todos aqueles que subestimaram não apenas a importância do clube, mas, sobretudo, a fome de informação dos torcedores. Cheguei ao ponto de tentar falar com uma emissora de Campina Grande. Estava ansioso por saber o resultado final, porque havia um vácuo imenso entre uma notícia e outra.
Imaginem o sufoco que passei na tarde de ontem, já que só recorri à transmissão de futebol pelo rádio como última instância para conter a tensão por um resultado intermitente. Confesso que não suporto futebol pelo rádio, depois de passar uma infância e uma adolescência inteiras com o radinho colado ao ouvido. Fique traumatizado. De vez em quando, apenas para conferir o tamanho das bobagens, acompanho o que narrador, comentarista e repórter passam de informação e o que vejo na transmissão ao vivo pela TV. São diferenças abissais. Há posicionamentos peremptórios sobre infrações, escanteios, evoluções técnicas e táticas que não têm qualquer relação com as imagens. Salvam-se uns e outros, é verdade, porque seria demais enfiar todos no mesmo saco sem fundo de incompetências, mas meu tempo de ingenuidade de torcedor já se foi há muito. Mas num jogo como o de ontem, senti falta. A agonia em não saber o resultado é sempre pior que a pior das narrações, mais sofrível que o mais desatento dos comentaristas e mais angustiante que o mais desapetrechado repórter.
Tudo isso é café pequeno diante da satisfação de ver um modelo de comando clubístico, praticamente marginalizado por uma sociedade dirigente incompetente nas mais diferentes atividades, alcançar uma temporada de tamanho sucesso. Questão de competência e também de teimosia em plantar num solo tão árido. Espero que os acomodados e os insensíveis tenham aprendido a lição. O Santo André vitorioso é um time moldado com muito sacrifício pessoal e financeiro.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André