Reparem os leitores, também ouvintes, também telespectadores, também internautas, como se industrializam versões a respeito da morte do zagueiro Serginho, do São Caetano.
Num mundo em que os meios de comunicação se multiplicaram na proporção do esfarelamento da informação qualificada, quando morre uma celebridade em situação fora do esquadro da rotina, tudo pode acontecer.
Por celebridade entenda-se quem há muito trafega pelas mídias diversas e é reconhecida em ambientes públicos ou quem, como no caso de Serginho, teve a vida interrompida ao vivo e em cores durante a transmissão de um jogo de futebol.
Basta essa menção — teve a vida interrompida ao vivo e em cores durante a transmissão de um jogo de futebol — para emergir a primeira polêmica jornalística, incentivada pelas contraditórias interpretações médicas: Serginho morreu mesmo no gramado, próximo ao bico da pequena área do São Caetano, enfiando a cabeça desfalecida entre as pernas longas do atacante Grafite, ao sofrer um curto-circuito coronário, ou somente mais tarde, no Hospital São Luiz?
Esse primeiro ponto de um novelo de interrogações, especulações, intrigas, afirmações, desmentidos, desconfianças e tudo que está cercando os momentos finais do zagueiro duro de roer que não tinha medo de cara feia, esse primeiro ponto, como dizia, é café pequeno perto do manancial disponível no banco de dados de precisões e imprecisões.
Acreditem: como no caso que envolveu o prefeito Celso Daniel, morto após sequestro tipicamente urbano, conforme constatação da Polícia Civil e da Polícia Federal, o caso Serginho vai dar muito pano para manga.
Longe de ter o espectro político, ideológico e administrativo do caso Celso Daniel, combustível que alimenta múltiplas avaliações e que transforma esse período eleitoral em raia preferencial de novas investidas, o caso Serginho ganhará perfil menos dilacerante, mas sobrará ao São Caetano doses maciçamente venenosas de desconfiança.
Como — vejam só — se o São Caetano não primasse pela seriedade ao conduzir um grupo de profissionais do futebol que só tem provado, há meia década, o quanto os adversários mais tradicionais estão a léguas de distância de seu aparato organizacional.
Insisto com os leitores: mantenham-se atentos ao desenrolar dos fatos e dos boatos que mobilizarão os meios de comunicação sobre o incidente que vitimou Serginho.
Ouvindo uma emissora da Capital, ontem à noite, quando retornava à minha residência, a notícia dava conta de que os familiares de Serginho, inconformados com suposto desleixo do São Caetano, iriam acionar o clube judicialmente por gorda indenização.
Num dos jornais que li hoje, a notícia dava conta de que a família do jogador não só ignorava o assunto como o desprezava, em reconhecimento aos cuidados com que o São Caetano sempre o tratou dentro e fora de campo.
Dúvidas se instalam no caso Serginho de forma sobreposta. Do momento em que dobrou-se à dor até a notícia oficial de que supostamente seu coração só parou de vez no Hospital São Luiz, muito se escreverá, se ouvirá, se dirá, se proclamará por estes dias e por muito mais tempo.
Bastará um familiar do jogador, contrariado com o rumo dos acontecimentos e que, estimulado por um sempre ganancioso advogado, se sinta no direito de reagir às eventuais conclusões policiais e médicas, para o assunto voltar aos debates.
Não está fora de alcance que o médico do São Caetano seja excomungado por suposta negligência. Sim, nada é impossível, considerando-se principalmente que outros médicos ouvidos pela mídia e que desconhecem dados históricos do zagueiro, já enfiaram o dedo em riste com declarações sem sustentação e, mais que isso, estupidamente antiéticas.
Insisto com os leitores: reparem atentamente no noticiário já divulgado e no que ganhará mais espaços na mídia sobre a morte de Serginho e poderão constatar, com o senso crítico que se exige, o quanto vão transformar uma morte acidental em manchetes e desvarios.
Acreditar que a equipe médica do São Caetano, comprovadamente zelosa com os profissionais sob sua guarda, desprezaria ficha médico-coronária que colocasse o jogador Serginho a um passo da morte, é acreditar que Sérgio Gomes da Silva, primeiro-amigo de Celso Daniel, matou o prefeito de Santo André e, com isso, destruiu a galinha dos ovos de ouro que lhe atribuíam na relação com o petista.
Contrariamente ao que pensam alguns, esses casos, embora diversos, convergem para a mesma matriz: nenhuma celebridade estrutural ou circunstancial, em qualquer lugar do mundo, em qualquer campo de atividade, consegue escapar incólume quando a morte foge do figurino de normalidade.
Os meios de comunicação vivem para a espetacularização e da espetacularização se nutrem. E, no fundo, no fundo, os consumidores de informação adoram. Não é por outra razão que as telenovelas são sucesso a tantas décadas.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André