Esportes

Para onde vai mesmo o
futuro do Santo André?

DANIEL LIMA - 12/04/2006

O Santo André escapou domingo passado, contra o São Caetano, do vexame de decidir permanência na Primeira Divisão do futebol paulista contra o Palmeiras, neste domingo, dia nove de abril. O chamado Ramalhão esteve ameaçadíssimo de rebaixamento dois anos depois de surpreender o País e ser ovacionado em carro de bombeiros após a conquista da Copa do Brasil em pleno Maracanã diante do Flamengo. A crise do Santo André é sobreposta. O futebol cai pelas tabelas porque não conseguiu repor as peças que tanto sucesso fizeram. E a administração do presidente Jairo Livolis entrou em parafuso: perdeu o foco do futebol e mergulhou em crise com uma minúscula mas incômoda oposição do advogado Luiz Antonio Lepori.


O Santo André estaria vivendo espécie de efeito Tostines. O time esteve à beira do rebaixamento porque há brigas diretivas ou há brigas diretivas porque o time esteve à beira do rebaixamento? A melhor resposta é a fusão dos conceitos. A crise diretiva se alimentou dos maus resultados do futebol que, por sua vez, derivaram da crise diretiva.


As eleições para a presidência estão programadas para novembro. Jairo Livolis, por força estatutária, não poderá candidatar-se depois de mais de uma década de mandatos. Uma nova possibilidade de rebaixamento, agora para a Terceira Divisão do Campeonato Brasileiro, adicionaria mais lenha na fogueira.


A candidatura do advogado Luiz Antonio Lepori, ex-presidente da subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André à direção do clube é um acinte. Lepori é um homem vaidoso que desconhece o terreno cada vez mais movediço do futebol profissional e, como dirigente, não tem respaldo ético para pleitear o cargo. Ou alguém que passa anos e anos sem pagar a mensalidade de associado de um clube do qual é presidente do Conselho Deliberativo pode reivindicar o comando sem chocar os conselheiros e, principalmente, o bom senso?


Jairo Livolis é a contraface de Luiz Antonio Lepori. Tem enormes dificuldades de relacionamento institucional e isso coloca o Santo André em dificuldades para ampliar o arco de parceiros que poderiam fortalecer as bases financeiras. Diferentemente de Lepori, que cultiva relações pessoais e institucionais como sustentação de atividades profissionais, Jairo Livolis é avesso a salamaleques. Vitorioso empresário do setor de material esportivo, Jairo Livolis perde para Lepori no manejo diplomático, mas o supera largamente na sensibilidade e no conhecimento do mundo do futebol. Vive o Santo André de chuteiras muito antes do Santo André social.


Quem mais exerce funções institucionais no clube é o vice-presidente de futebol Celso Luiz de Almeida, igualmente antigo colaborador, executivo do Departamento de Esportes da Prefeitura de Santo André. O Santo André saiu da Segunda para a Primeira Divisão paulista e da Terceira para a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro depois de um acordo de apoio financeiro com fornecedores da Prefeitura de Santo André então administrada por Celso Daniel. Quem cuidou das operações foi Klinger Sousa, candidatíssimo à sucessão de Celso Daniel. Celso Luiz de Almeida atuou no meio de campo da aproximação entre clube e Prefeitura.


A pífia campanha do Santo André na Segunda Divisão Paulista teria repercussões incendiadoras se o rebaixamento fosse o destino redivivo de 1994 contra o mesmo Palmeiras. Primeiro, a disputa presidencial seria ainda mais beligerante. Segundo, a possibilidade mantida em sigilo de o clube firmar parceria com grupo de empreendedores esportivos naufragaria. O Santo André precisou de sete anos para recuperar um lugar na Primeira Divisão de São Paulo, depois de cair em 1994. Um novo rebaixamento poderia ser fatal porque cada vez mais futebol é disputa de mercado. Os empresários interessados em revolucionar o futebol da cidade provavelmente procurariam outro endereço de clube de Primeira Divisão estadual. O próprio noticiário de dissensões diretivas já teria provocado estragos. O Santo André não é o Corinthians para subestimar os estilhaços de confrontos extracampo.


Equipes de porte médio como o Santo André estão ameaçadas de extinção ou de se congelarem como coadjuvantes do futebol pela própria lógica do marketing televisivo de prestigiar os clubes de grandes torcidas. Já se foram os tempos de romantismo. Futebol é audiência e audiência é sinônimo de negócios para a televisão e para os clubes.


Somente parcerias que interagem na cadeia de investimentos do futebol podem amenizar a inexorável analogia com as mudanças em atividades econômicas diversas. O Santo André estaria para a competitividade de espaços do futebol brasileiro e do futebol mundial assim como autopeças nacionais para o universo das montadoras de veículos. Não foram poucas que desapareceram da face regional e nacional desde que se deu a abertura econômica nos anos 1990.


Há divergências de valor inteiramente dispensável sobre a inadimplência de Luiz Antonio Lepori como associado do Santo André. Ele não contribuiria com o clube desde que o Parque Jaçatuba era um amontoado de entulhos e o então recém-eleito presidente Jairo Livolis resolveu apostar na construção do clube esportivo e social, inaugurado em 1992. A obra mudou a história do clube que hoje conta com seis mil contribuintes médios. Deixou de ser um time de camisas e de sede alugada. Lepori não pagaria desde aqueles tempos na versão oficial do clube. Na versão dele, Lepori, presidente do Conselho Deliberativo, a dívida, providencialmente quitada no ano passado, somava oito anos. Algo como evocar inocência num crime de oito facadas, não de 13.


Com tudo isso, o Santo André viveu desde o começo do ano duas batalhas simultâneas. No campo de jogo, as complicações giraram em torno de um time para disputar o Campeonato Paulista. Optou-se por um grupo essencialmente jovem. Apostou-se na renovação, mas foi enorme o impacto da perda de jogadores que fizeram calar o Maracanã no memorável 30 de junho de 2004. O time não aguentou o tranco do campeonato entre outras razões também porque fez experiências malsucedidas com treinadores que pouco conhecem o futebol paulista. E, ainda por cima, nas últimas rodadas, foi vítima de arbitragens desastradas.


No campo administrativo a batalha chegou ao Judiciário, com liminares de um lado e de outro. Luiz Antonio Lepori conseguiu provar na Justiça o direito de manter o número de origem de associado impertinentemente devedor e, com isso, habilitar-se à disputa presidencial. Como novo associado de registro de cinco dígitos, em vez de dois do título original, estaria inabilitado a concorrer. Se fosse levada a ferro e fogo, a inadimplência de Luiz Antonio Lepori como associado o impediria inclusive de presidir o Conselho Deliberativo.


O problema da insistência de desprezar o compromisso com o pagamento de mensalidades não se limita ou se limitava a Luiz Antonio Lepori. Há outros casos de devedores contumazes entre conselheiros. O próprio Conselho Deliberativo do Santo André exige reforma porque está envelhecido, sofreu várias baixas por morte e requer oxigenação para sair do conservadorismo da formalidade de reuniões e atuar de forma propositiva, de acordo com os novos tempos. Independentemente de possível transação que coloque um parceiro de peso para dirigir o futebol. Afinal, a vida social do clube requer reforços comunitários.


A possibilidade de Luiz Antonio Lepori alcançar a presidência do Santo André em novembro é materialmente possível tanto quanto o time quase rebaixado do sempre salvador técnico Luiz Carlos Ferreira vestir a camisa da Seleção Brasileira na Copa do Mundo. Uma lista com mais de 70% de assinaturas de conselheiros pede a renúncia de Lepori. A decisão foi tomada no início de março, quando a equipe de futebol já dava mais que sinais de que poderia sucumbir no Campeonato Paulista.


O estatuto do clube, impreciso e ultrapassado, não prevê a destituição do presidente do Conselho Deliberativo. Por isso, Lepori teria de atender a sugestão de renúncia. O dirigente respondeu com a liminar obtida na Justiça que, ao lhe resgatar o número de origem do título de associado, depois de pagar mensalidades em atraso, abriu-lhe as portas do direito de concorrer ao comando executivo do clube. Uma suposta vitória de Luiz Antonio Lepori mergulharia o Santo André em monumental crise.


O resumo dessa crônica de desacertos é facilmente compreendido. O Santo André está a quilômetros de distância do modelo ideal de competidor do futebol profissional, entre outras razões porque a avalanche transformadora é recente e devastadora. Por isso, não pode se dar ao luxo de cindir-se diretivamente.


Ou o clube ingressa na rede de profissionalismo globalizado ou, mais dia, menos dia, dançará. Foi assim com as melhores e também com as piores autopeças do País. Sem choro nem vela. Quem achar que a comparação é bobagem não sabe o que diz. Dois terços dos clubes profissionais de São Paulo desapareceram nos últimos 15 anos. E a maioria que está em atividade não faz para o café. Até que chegue um ou outro interessado em transformar romantismo em negócio. O Santo André espera por momento especial no mundo empresarial do futebol.


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