Esportes

Saul Klein dá guinada em um
ano: de doador a empreendedor

DANIEL LIMA - 08/06/2020

Saul Klein deixou de ser comprovadamente o maior doador de um clube no Brasil para virar empreendedor que dá saltos atrás do outro. Quem está ganhando com isso é o futebol brasileiro porque agora, sem terceirizar os recursos financeiros, Saul Klein imprime mais produção e produtividade às ações e deliberações.

O homem que na primeira década deste século fez do São Caetano referência de sucesso com dois títulos de vice-campeão brasileiro, um vice da Libertadores da América e um título paulista, agora tem o controle acionário da Ferroviária. O time de Araraquara, há sete anos na Série A1 do Campeonato Paulista, se organiza para, em cinco anos, chegar à Série B do Campeonato Brasileiro.

A democracia diretiva na Ferroviária de Araraquara torna Saul Klein referência de gestão de clube empresarial. Se houvesse em suas veias o ditatorialismo comum dos proprietários de qualquer coisa, bastaria sua palavra para resolver tudo. Não é assim. A gestão é colegiada. Saul Klein é o voto decisivo, mas não abusivo. Ele sabe que todo mundo tem direito a opinar, mas a argumentação encaminha tudo a uma boa solução.

Prestação de contas

Uma ideia de Saul Klein já está colocada em prática na Ferroviária. A partir de agora todos os treinadores que passarem pelo clube terão reuniões quinzenais com o Comitê Diretor, integrado por Saul Klein, o assessor Marcelo Santoro, Julio Taran e o diretor-executivo Pedro Martins.

O técnico Dado Cavalcante, recentemente contratado, já expôs planos aos dirigentes. Os encontros seguirão o conceito consagrado nas grandes e médias empresas: quem toma decisão em qualquer instância de poder, mas principalmente na linha de frente, é representante de uma parcela do processo de definições e, portanto, precisa e deve ser avaliado constantemente. Até porque a Ferroviária de Saul Klein não abrirá mão de uma doutrina conjugada com objetivos econômicos: fará do sistema ofensivo prioridade. Algo, guardadas as devidas proporções, que o Santos faz ao longo da história. Antes mesmo do desembarque de Pelé.

Inteligência Digital

Mesmo com toda a discrição de quem aprendeu que cada situação exige cuidados específicos, Saul Klein está em momento muito especial. Praticamente recuperado de longa depressão que o tornou presa fácil da administração escandalosa de Nairo Ferreira como presidente do São Caetano, Saul Klein agora está rodeado de profissionais de negócios esportivos com metodologia semelhante à dos grandes clubes da Europa.  Parafernálias de Inteligência Digital vão muito além do controle minucioso da mineração de dados da equipe dentro de campo. A sofisticação tecnológica já se junta à inteligência humana como parceiros indispensáveis.

A dose de ciência esportiva onde pesa a ciência esportiva não é sacrificada. Muito diferentemente disso: é requisitada em cada decisão colegiada. Quem acredita que ciência numa modalidade esportiva recheada de improviso e subjetividades é perda de tempo deveria conhecer o banco de dados que a Ferroviária de Araraquara conta para contratar, vender e dispensar profissionais que correm atrás da bola ou que movimentam os cordéis técnicos e táticos para fazer a bola escolher o melhor roteiro possível rumo ao gol adversário.

Entre os parceiros com os quais Saul Klein partilha definições sobre os rumos da Ferroviária está Júlio Taran. O representante da maior agência de profissionais do futebol brasileiro tem fortíssima imbricação no futebol europeu. Outros investidores também mantêm relações com Saul Klein.

Do nocaute à novos saltos

Nesses últimos 12 meses que marcam nova etapa na vida profissional e pessoal de Saul Klein está a ultrapassagem de um desafio que exigiu a habilidade que o transformou no maior profissional do varejo brasileiro, à frente do setor de vendas da Casas Bahia, rede fundada pelo pai Samuel Klein.

Há um ano Saul Klein estava nocauteado pela doença que mata milhões de habitantes no mundo a cada ano, mas começou a reagir quando descobriu que a montanha de dinheiro que doou ao São Caetano de Nairo Ferreira era em larga parcela mal-utilizada ou desviada da finalidade de sustentar um time que, coincidentemente, caia pelas tabelas na hierarquia do futebol brasileiro.

Foram rebaixamentos e rebaixamentos, embora os valores das doações seguissem ritmo praticamente uniforme e suficiente para manter a equipe entre as principais de porte médio do País. Em cinco anos Saul Klein despejou com aval da Receita Federal quase R$ 80 milhões no oficialmente chamado São Caetano Futebol Limitada.

Apoiando São Caetano

Na medida em que descobriu os desvios de finalidade do presidente Nairo Ferreira, Saul Klein reduziu os recursos ao clube no segundo semestre do ano passado. Mas mesmo assim, foram praticamente novos R$ 15 milhões de doação. Mas acabou.

O São Caetano só existe nesta temporada porque Saul Klein usa o prestígio e a habilidade de vendedor para sensibilizar patrocinadores. Ou seja: mesmo concentrado na trajetória da Ferroviária de Araraquara, Saul Klein doa tempo para evitar uma catástrofe ainda maior do São Caetano. Faltam colaboradores para arregaçar as mangas de comprometimento com o clube.

A dívida do clube-empresa que Saul Klein criou no começo do século ultrapassa a R$ 40 milhões. Nairo Ferreira conseguiu a proeza de registrar duas operações matemáticas ao mesmo tempo: somou rebaixamentos dentro de campo e multiplicou déficits fora de campo.

Começo satisfatório

A Ferroviária que disputou a Série A1 desta temporada já contou com a ação de Saul Klein. A equipe está praticamente livre do rebaixamento e chegou à terceira etapa da Copa do Brasil, um feito inédito. 

Esses resultados, seguindo a projeção de Saul Klein, estão aquém do que o também clube-empresa projeta para os próximos tempos. Mas não houve decepção. Afinal, o herdeiro da Casas Bahia, do Grupo Via Varejo, chegou praticamente em cima da hora e em condições acionárias que não lhe garantiam elasticidade de movimentos que passou a ter recentemente quando adquiriu o controle legal.

Saul Klein está em lua de mel como investidor de olhos fixos literalmente no mundo do futebol. A empresa de Julio Taram é parceira de grande influência na Europa. A proposta de produzir talentos e exportá-los já dá sinais de efetividade. Alguns jogadores da Ferroviária já despertam a atenção de clubes estrangeiros. No mercado interno, Saul Klein conta com rede de possíveis fornecedores com os quais mantem contatos frequentes.

Saul Klein é, portanto, espécie de catalizador e difusor de negócios do futebol. Negócios que não devem ser conceituados como mera operação de compra a venda. Saul Klein conta com uma equipe de gestores de olhares fixos no conjunto de um sistema de medidas empresariais.

Consolidação avança

O entusiasmo de Saul Klein é espécie de bola de neve com solidez de uma rocha. Com saúde em dia, o comandante da Ferroviária voltou aos tempos de criatividade empreendedora.

Um plano ainda mantido em segredo, mas que diz muito sobre provável reviravolta do futebol em Araraquara, está sendo gestado para ser levado adiante assim que a pandemia do vírus chinês for superada e a vida voltar ao normal, mesmo que seja um novo normal.

“Mais Araraquara na Ferroviária” é o mote adotado por Saul Klein para elevar substancialmente a média de público no Estádio da Fonte Luminosa, entre outras inovações.

A Ferroviária conta com média de torcedores superior à de qualquer clube do Grande ABC quer em termos relativos, em proporção à população, quer em números absolutos, que considera os torcedores que ocupam o Estádio da Fonte Luminosa.

Despertando a comunidade

Entretanto, ainda não é o que Saul Klein quer como modelo de negócio com comprometimento social. Daí a iniciativa de dar ênfase ao projeto. Araraquara conta com uma rede de veículos de comunicação mais densa que o Grande ABC. Entre outras razões porque dispõe de retransmissoras de televisão da Capital. Ou seja: há janelas na programação diária que municipalizam a programação. O Grande ABC vive na penumbra da TV.  

Ao invés de ter assumido a Ferroviária de Araraquara, Saul Klein poderia ter desembarcado no Santo André. Havia negociações nesse sentido. Tudo foi descartado em outubro do ano passado quando às tratativas que se iniciaram pouco antes, interpôs-se uma informação equivocada publicada pelo Diário do Grande ABC. Dava-se conta de que Saul Klein teria oferecido R$ 7 milhões para assumir o clube, valor subestimado pelo presidente Sidnei Riqueto.

O empresário que sempre admirou o Santo André como exemplo de multiplicação de resultados com baixos recursos financeiros puxou o freio de mão diante dos valores monetários apontados. Tudo porque nada fora discutido que levasse a precificação do negócio. Criou-se impasse de ordem ética: se houvesse a consumação do negócio por valor superior ou inferior ao publicado, os próprios dirigentes do Santo André ficariam em maus lençóis ante conselheiros deliberativos que seriam chamados a aprovar a transferência de comando do futebol.

Mas as relações entre o dirigente e o Santo André continuam diplomáticas como sempre o foram. Tanto que dois jogadores do Ramalhão acertaram transferência para a Ferroviária durante a pandemia: o meio-campista Dudu Vieira e o jovem atacante Will.



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