Esportes

Santo André não entra para a
História, mas é maior surpresa

DANIEL LIMA - 07/08/2020

Fiz uma pergunta a mim mesmo (e, é claro, também aos leitores) na edição de 18 de fevereiro último: “Afinal, esse Santo André vai mesmo entrar na história?”. Quase sete meses depois, com intervalo de bola parada por conta do vírus chinês, e encerrada a participação da equipe na Série A-1 do Campeonato Paulista, após eliminação nas quartas de final diante do Palmeiras, respondo sem pestanejar: não, o Santo André do técnico Paulo Roberto Santos não entra na história do clube como uma das equipes inesquecíveis.   

O Santo André desta temporada não é um coito de eficiência técnico-tática interrompido pelo Coronavírus. É muito mais a consequência dos limites de elasticidade nos gramados, ditados por somatório de vetores que começam com dinheiro farto e termina com dinheiro farto em relação à maioria dos competidores.  

Com a competência de gestão mais uma vez demonstrada pela direção do Santo André e um punhado a mais de grana, o salto teria sido muito maior. Como o foi em 2010 ao se tornar vice-campeão estadual em final contra o Santos de Neymar e um Paulo Ganso que parecia extraclasse.  

O Santo André é o primo-pobre do futebol da região e mesmo assim fez muito mais sucesso na competição do que o primo-rico Água Santa de Diadema, rebaixado à Série A—2.  

Ponto fora da curva 

O time de Paulo Roberto Santos foi além do que era possível. Com jogadores na conta do chá, ou seja, sem um banco de reservas à altura, embora não fosse também tão discrepante dos titulares, a equipe se notabilizou pela personalidade tática.  

Como verão logo abaixo, o Santo André foi até um determinado momento um ponto fora da curva no Campeonato Paulista. Chegou ao extremo algumas rodadas antes que a pandemia chegasse.  

Foi tão surpreendente o Santo André na Série A-1 do Campeonato Paulista que, existisse um prêmio à equipe mais revolucionária, certamente o mereceria sem contestação.  

Afinal, mostrou em campo algo raro no futebol brasileiro. Há muito tempo não se via uma equipe tão competente em produzir contragolpes. Sem firulas, sem morosidade, sua dissuasão, sem maluquices. Contragolpes letais, rápidos. Um futebol zas-tras.  

Modelagem própria 

Longe, portanto, de modelagens mais conhecidas e consagradas ou esmiuçadas pela crônica. Distante do estilo tempestuoso de Jorge Sanpaoli, da avalanche de Jorge Jesus, da metódica formulação de Fernando Diniz, da morosidade construtiva de Fábio Carille. Um Santo André de identidade própria. Um time que parecia odiar a bola, com a qual mantinha contatos rápidos. Mas que a amava, por lhe dar a objetividade de uso e abuso.   

O Santo André sofreu o percalço da descontinuidade como todos os demais times que enfrentaram a pandemia, mas mesmo sem o vírus chinês o Ramalhão não escaparia da armadilha de esvaziar-se como fator-surpresa a cada nova rodada do campeonato. 

Afinal, o time de Paulo Roberto Santos chegou ao ápice muito antes dos demais adversários e na medida em que as rodadas se consumavam, menos potencial de efetividade se registrava. Tanto que os resultados começaram a minguar nas três rodadas antecedentes à paralisação de mais de quatro meses.  

A máquina do futebol zás-traz, como identifiquei em outro texto, passou a ser esquadrinhada a cada jogo. Os mapeadores técnicos e táticos, chamados de analistas de desempenho, com o uso de mineração de dados, identificaram as maiores virtudes e os pecadilhos da equipe. E trataram de buscar antídotos.  

Custo-benefício 

De qualquer maneira, levando-se em conta as condições econômicas e financeiras do Santo André, o que vimos no Campeonato Paulista foi o melhor exemplar de custo-benefício do futebol brasileiro no início desta temporada, cujo divisor de águas é o Coronavírus.  

Como podem observar na sequência, estava ali o Santo André devorador de adversários e que durante quase toda a fase classificatória liderou a competição. O recesso obrigatório retirou de Paulo Roberto Santos jogadores importantes, a partir do goleiro Fernando Henrique, e como complemento, o centroavante Ronaldo, em fase de efetividade jamais alcançada.  

O Santo André dos jogos finais da fase de classificação, no empate contra o Santos e na derrota para o Ituano, não era mais o Santo André pós-pandemia, mas também não era um time qualquer. Guardava na memória tático-técnica mais que resquícios da fase anterior.  

Ainda era um Santo André que conciliava forte marcação e contragolpes contundentes. Leia os principais trechos da análise de 18 de fevereiro.    

Afinal, esse Santo André vai

mesmo entrar na história? 

 DANIEL LIMA - 18/02/2020 

 Da mesma forma que apontei já nas primeiras rodadas o Santo André como grande surpresa na Série A1 do Campeonato Paulista desta temporada, não tenho razão alguma para esconder algo de que desconfio: tenho dúvidas se esse time vai entrar para a história do clube como um dos melhores em campo em todos os tempos. Para chegar lá será preciso mais que continuar ganhando os jogos que restam na fase classificatória: será indispensável chegar o mais alto possível na competição quando o bicho de fato vai pegar, ou seja, nas fases de mata-matas. Querer contrariar a lógica do sucesso é exercitar a burrice, ou seja, não dá para instalar um time, qualquer time, no pedestal, se não houver uma fita de chegada satisfatória. Que não é necessariamente o título. Está aí a Seleção Brasileira de 1982 para não nos enganar -- Entre tantos exemplos que poderiam ser pinçados da memória sem que o clubismo brutalizado prevaleça. 

 Vou fazer um voo panorâmico sobre o Santo André atual de 15 pontos ganhos em 18 disputados em contraponto a outros Santo André de sucesso. Mas antecipo o resumo da ópera: duvido que chegue aonde chegou o time de 2010, vice-campeão paulista após dois jogos finais com o Santos de Neymar e Paulo Henrique Ganso. Acho que aquele Santo André então comandado fora de campo pela Saged, empresa que terceirizou o futebol durante cinco anos, e pelo técnico Sérgio Soares, dentro de campo, é o melhor da história. Não relativizo a conclusão por conta de investimentos financeiros, de custo-benefício. Isso não entra na contabilidade porque abriria o leque a subjetividades.  

 (...). Há seis exemplares de sucesso do Ramalhão nesse período todo. A começar pela equipe que ganhou o título que não valeu acesso em 1975, contra o Grêmio Catanduvense, numa final no Estádio Bruno Daniel. Depois vieram o que à época, editor de Esportes do Diário do Grande ABC, chamei de “baixinhos frenéticos”, antes que os anos 1970 terminassem. Fernandinho, Bona, Da Silva e Arnaldinho compunham um quarteto mágico. Continuando, nos anos 1990, mais precisamente em 1997, veio o time que ficou invicto durante 24 partidas no campeonato de acesso e não chegou à então Divisão Principal porque, no quadrangular final, foi escandalosamente roubado pela arbitragem porque o presidente Jairo Livolis decidiu não se dobrar ao presidente da FPF de então. 

 Aquele Santo André era uma máquina de jogar futebol entre as equipes do mesmo porte no futebol paulista. Havia sincronia fina entre os setores com a associação de mobilidade, inventividade e eficiência. Claro que o time campeão da Copa do Brasil em 2004, diante do Flamengo, não poderia ficar fora da lista. Um time que encantou os torcedores aos poucos. O time vice-campeão contra o Santos em 2010 jogava por música. Guardadas as devidas proporções, antecipava o que viria a embalar o mundo do futebol em forma de Barcelona, o maior time que estes olhos já viu. O Santo André de Sérgio Soares privilegiava o sistema ofensivo. Basta dizer que nos dois jogos finais com o Santos o placar agregado foi de cinco a cinco. Uma vitória para cada lado de três a dois. O Santos fez a festa porque teve melhor desempenho na fase de classificação. Ficou um gostinho amargo por conta da atuação da bandeirinha Maria Elisa não sei das quantas. 

 Estava me esquecendo de uma equipe do Santo André que também merece estar entre as melhores de todos os tempos. Trata-se do time vice-campeão brasileiro da Série B, em 2008, num processo de resultados que só não garantiu o título da temporada porque o Corinthians, rebaixado no ano anterior, justificou os investimentos e o início de uma grande revolução. Aquele time que teve no goleiro Neneca o melhor entre os jogadores.  

 Agora está na praça em forma de grande surpresa o Santo André do técnico Paulo Roberto dos Santos. Vamos ver até onde vai esticar a corda. Possivelmente estará na primeira fase do mata-mata, quando deverá enfrentar o Palmeiras. Trata-se do mais pragmático entre todos os times do Santo André que obtiveram destaque na história. A marcação forte em todos os setores e a transição rápida nos contragolpes são marcas registradas de um treinador que sabe não contar com individualidades extraordinárias. O Santo André transmite a sensação de que joga tendo como referência o último minuto de um jogo que vale taça e é preciso marcar um gol a qualquer custo. Parece não querer correr qualquer risco de deixar de construir uma oportunidade de gol por conta do cronômetro incansável. 

 O que me preocupa no Santo André de agora é a oscilação de desempenho nos 90 minutos. Parece um paradoxo, mas o Santo André do minuto emergencial é o mesmo Santo André do tempo integral contraditório. O que significa isso? Que o time sai de um estágio de controle ocupacional do espaço para a submissão aparentemente comprometedora num piscar de olhos. Mais precisamente num intervalo dos dois tempos. O Santo André não joga os dois tempos com a mesma fluência. E tudo se acentua de forma preocupante quando o calendário reserva três jogos por semana. O que mantém o Santo André vivíssimo mesmo em condições adversas que se repetem a cada jogo do campeonato é o foco no ferramental de conceitos de velocidade e precisão na construção de jogadas. 

 Ao criar ações tóxicas aos adversários com o uso das laterais do gramado ou o espaço central em evoluções sistematizadas, o Santo André automatizou incursões que parecem ter saído de computadores. Há uma repetição de alta produtividade nos passes combinada com eficiência nas finalizações. O Santo André é dotado do pragmatismo eficiente que o São Paulo de Fernando Diniz sonharia ter para completar o coletivismo dominador do tempo e do espaço. O São Paulo usa lantejoulas técnicas e táticas que o Santo André de Paulo Roberto Santos descarta. 

 Logo detectei o Santo André com olhos igualmente pragmáticos após o primeiro jogo no campeonato, mas confesso que não teria a coragem, agora, de diagnosticar a equipe como concorrente para valer à lista dos melhores times ao longo dos tempos. Vou esperar um pouco mais. O que fará mesmo a diferença será o resultado final. Quanto mais alto subir, mais se aproximará de comparações com times que não necessariamente obtiveram títulos, mas que estão na lembrança de quem entende que futebol é uma obra coletiva em qualquer dimensão econômica, seja de Champions League, seja da Segunda Divisão Paulista. 



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