O milionário que preside o São Caetano está correndo para evitar o maior vexame da história do futebol da região. Nairo Ferreira, abastadíssimo presidente do São Caetano Futebol Limitada, corre para desativar temporariamente a bomba que ele próprio produziu.
Milionário na exata proporção dos repasses de doações vultosas do então mecenas Saul Klein, Nairo Ferreira socorre-se de um empresário de jogadores para garantir que o São Caetano entrará em campo hoje contra o Pelotas pela Série D do Campeonato Brasileiro.
O dia de ontem foi de alvoroços cumulativos no São Caetano. A ameaça de greve perdurou desde as primeiras horas da tarde. Jogadores, funcionários e comissão técnica publicaram no site do clube a decisão de não comparecimento ao jogo desta noite contra o Pelotas, no Estádio Anacleto Campanella.
O São Caetano faz péssima campanha na competição. Não deverá passar à fase de mata-mata. Parte da explicação é que a equipe que disputa a Série D do Brasileiro não tem nada a ver com a equipe que ganhou a Série A-2 do Campeonato Paulista, readquirindo o direito de jogar na Série A-1 no ano que vem.
Água na fervura
No final da tarde surgiu a informação de uma fonte dos próprios grevistas: o São Caetano joga sim hoje. E vai esperar o cumprimento da promessa de Nairo Ferreira e do agente de jogadores Ângelo Canuto, que participaram de uma reunião de emergência com todo o elenco. Salários, premiações e direito de imagem, espécie de complemento salarial, serão pagos nos próximos dias.
A corrida do milionário Nairo Ferreira e do agente de jogadores Ângelo Canuto foi intensa para colocar água na fervura de um escândalo esportivo que mancharia não só a reputação histórica do São Caetano como do próprio futebol paulista. Até mesmo o acesso do São Caetano à Série A-1 do Paulista poderia ser questionado juridicamente pela Federação Paulista de Futebol. A garantia desse desdobramento veio ao fim da tarde de ontem de dois assessores do presidente Reinaldo Bastos.
Rebaixamentos seguidos
Talvez não seja interessante entrar em detalhes sobre o que se passou no São Caetano desde que o mecenas Saul Klein decidiu retirar doações generosíssimas que fizeram de Nairo Ferreira, dono das ações do São Caetano e presidente durante mais de duas décadas, invejável milionário.
O resumo da ópera para o São Caetano estar em situação financeira deplorável, com mais de R$ 40 milhões de dívidas de várias espécies, é que os mais de R$ 80 milhões encaminhados regularmente por Saul Klein nos últimos cinco anos, com declaração em Imposto de Renda, não tiveram o destino esperado. Nem dentro nem fora de campo. Ou seja: na formação de times competitivos e no pagamento de obrigações implícitas de um clube-empresa.
O São Caetano sob o controle mais centralizado de Nairo Ferreira e do vice-presidente Genivaldo Leal caiu seguidamente no ranking do futebol brasileiro. Saiu da Série A do Brasileiro e chegou à Série A-2 do Paulista, algo como uma sexta divisão na hierarquia nacional. Durante esse período as doações de Saul Klein se agigantaram. O contraponto à multiplicação de pães de recursos doados foi um vendaval de incompetência dentro e fora de campo.
Saul Klein deixou de monitorar o clube e os recursos financeiros registrados pela Receita Federal porque sofreu as durezas de uma doença devastadora. Foram cinco longos anos de sofrimento com depressão. Somente a partir de abril do ano passado o ex-executivo familiar e herdeiro da Casas Bahia começou o processo de recuperação da saúde.
De novo de volta
A prática mais exaustivamente levada a campo pelo milionário Nairo Ferreira é transformar a direção do São Caetano em algo que se assemelha a rodízios de alimentação. Somente nesta temporada foram anunciados três diferentes comandos societários. Todos muito estranhos. Nenhum resistiu durante muito tempo. Ou seja: o ano de 2020 é uma pandemia administrativa para o São Caetano. A ameaça de greve, portanto, está inserida num contexto de compulsoriedade.
O milionário Nairo Ferreira está legalmente de volta à presidência, embora as seguidas retiradas para dar vez a estranhos sem qualquer intimidade com futebol empresarial não tenham passado de encenação para, segundo especialistas, encontrar alguma saída jurídica que o retire do polo passivo como principal, quando não único, responsável legal pela montanha de dívidas.
Presidente de honra
A participação de Saul Klein no São Caetano, desde que anunciou retirar-se como doador, em meados do ano passado, obedece à premência socorrista de quem tem paixão pelo clube.
Torcedor que durante uma década inteira deste século fez do São Caetano o clube mais vitorioso do futebol regional, Saul Klein juntou nos últimos 12 meses alguns patrocinadores na condição de presidente de honra. Com isso, impediu que a crise fosse antecipada.
Conselheiros e torcedores influentes querem Saul Klein de volta ao clube, mas ao que parece não haverá retorno. Saul Klein anunciou reservadamente ontem que estaria se afastando da condição de presidente de honra.
Saul Klein é dono da maioria das ações da Ferroviária de Araraquara, que também disputa a Série D do Campeonato Brasileiro. Além disso, as relações com Nairo Ferreira tornaram-se inconciliáveis ao descobrir o quanto de dinheiros doados ao clube foram desviados.
Há informações de que processos judiciais estão tirando o sossego de Nairo Ferreira e do então vice-presidente do São Caetano Futebol Limitada, Genivaldo Leal, igualmente milionário durante a fase de doações financeiras de Saul Klein.
Trocando em miúdos e sem qualquer risco de contestação legal que retire Nairo Ferreira e Genivaldo Leal da condição de dirigentes singulares no futebol brasileiro: enquanto o São Caetano mergulhava num pântano de compromissos financeiros, trabalhistas e fiscais a descoberto, tanto um quanto outro multiplicavam posses imobiliárias, entre outros ativos. A isso, em linguagem policial, dá-se, até prova em contrário, configuração de estelionato. Entre tantos outros delitos.
Agente de jogadores
O parceiro de Nairo Ferreira na reunião de ontem com os atletas é um agente de futebol que já teve complicações com a Justiça. Ângelo Canuto já cumpriu pena de prisão. Ele foi retratado assim em matéria publicada recentemente pela Folha de S. Paulo:
Ângelo Canuto, 45, esboça um sorriso quando escuta que nada pode ser mais diferente da vida na prisão do que a levada no futebol. "É mais parecida do que você pensa", rebate. A comparação soa estranha porque a imagem mais conhecida do futebol profissional é a de glamour, dinheiro e outros luxos. "No cárcere você também pode ter tudo isso", ele responde. Empresário de futebol que fez transações com grandes clubes do país, Canuto foi preso em 2014 como um dos líderes de uma organização criminosa que traficava cocaína pelo porto de Santos. Ele nega essa acusação. "Se eu fosse isso, não estaria aqui para contar essa história. Nunca fui chefe de tráfico no porto de Santos. Eu fui condenado por organização criminosa, não por tráfico. Já fiz coisa errada? Fiz. Muita coisa errada. Mas nessa operação, não", afirma. Ele repete em seguida trecho da letra da música "Um homem na estrada", do Racionais MC: "Te chamarão para sempre de ex-presidiário". A frase está em vários trechos de "Extracampo na ótica do cárcere", livro escrito por Canuto e lançado em setembro pela editora Recriar. Ele expõe o pensamento de que as vidas no futebol e em uma penitenciária podem estar mais próximas do que as pessoas imaginam. O empresário ficou quatro anos e meio preso. Saiu em agosto de 2018.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André