É baita temeridade afirmar que o Santo André é o melhor time da história do futebol do Grande ABC no ranking do Paulistão, a Série A-1 do Campeonato Paulista. Da mesma forma, qualquer assertiva que direcione a liderança ao São Caetano é um risco.
O engenheiro, escritor, historiador e músico Ivan Gottardo aproveitou a ociosidade potencial da pandemia e decidiu construir um ranking. Li a exposição na coluna de Dérek Bittencourt, no Confidencial do Diário do Grande ABC. Como tenho longa relação com rankings, tanto de apreciador como de criador e executor (o G-22, dos Maiores Municípios do Estado de São Paulo é criação minha, entre outras), decidi meter a mão na massa crítica.
Por mais que Ivan Gottardo tenha de ser exaltado pela paixão por números e futebol, provavelmente ele sabe que ranking depende de metodologia. E que, conforme a metodologia, os resultados não são exatamente os mais apropriados.
Exemplo: Santo André à frente do São Caetano como melhor time regional no Paulistão exige contraditório. Tanto quanto o inverso; ou seja, o São Caetano ser catapultado à condição de líder regional.
Reparos a fazer
Independentemente de uma coisa ou outra, o ranking do historiador engenheiro, escritor e músico não me agrada. Levar em conta apenas e exclusivamente o somatório de pontos desde 1902, é inconsistente. O estudo só não é flagrantemente contraditório porque o Corinthians lidera a pontuação e, sem que tenha peso algum em termos metodológicos, os 30 títulos colocam a equipe também na liderança qualitativa.
No caso específico de Santo André e São Caetano (e tantos outros exemplos que poderiam ser pinçados porque os mais de 100 participantes paulistas colecionam reparos) as controvérsias são muitas.
Muito mais jogos
O Santo André só tem mais pontos no acumulado histórico que o São Caetano no Paulistão (655 ante 369 pontos) porque disputou 10 edições a mais, fundado duas décadas antes. O Santo André está em 21º lugar na classificação geral do Paulistão com 25 participações e 623 jogos, enquanto o São Caetano ocupa a 32ª posição e 269 jogos.
Quando se substitui a quantidade participativa pela qualidade dos resultados, o São Caetano é melhor. No próximo jogo que fizer pelo Paulistão desta temporada (no qual é favoritíssimo ao rebaixamento), o São Caetano conta com 38,66% de probabilidade de vitória, 23,79% de empate e 37,55% de derrota. Já o Santo André inicia o jogo com apenas 30% de vitória, 34,19% de empate e 35,79% de derrota.
Essas possibilidades não estão atreladas aos adversários que as duas equipes enfrentarão na rodada da Série A-1, mas ao histórico. Esses são números sintetizados do total de 892 partidas que as duas equipes disputaram na competição.
O aproveitamento de pontos do Santo André é de 41,41%, ante 46,59% do São Caetano. O Corinthians, líder do ranking, conta com aproveitamento de 57,10% dos pontos ao longo dos tempos.
Três pontos sempre
Faço apenas um adendo ao que chamaria de produtividade de pontos. Não levei em conta, nesse caso, os números do estudo de Ivan Gottardo. Preferi metodologia própria. Considerei, para efeitos estatísticos, que cada jogo disputado por todas as equipes contabilizava potenciais três pontos. O estudioso levou em conta também os regulamentos de edições do Paulistão que ainda atribuíam dois pontos por vitória e um ponto por empate. Acho que a ordem dos fatores não altera o produto numérico final, mas isso não importa muito para o espírito da coisa.
Ainda no confronto entre São Caetano e Santo André, o Azulão leva vantagem também no placar médio histórico. Quando se dividem os gols marcados pelos gols sofridos das 368 partidas disputadas pelo São Caetano, o resultado médio unitário é de 1,37 x 1,35. Uma vantagem mínima, portanto. Já no caso do Santo André, de 623 jogos, o placar médio é de 1,05 x 1,19. O São Caetano fez 368 gols e sofreu 364, enquanto o Santo André marcou 657 e sofreu 742.
Também em matéria de destaque participativo, quando se consideram apenas os dois primeiros lugares de cada edição, a vantagem é do São Caetano, que ganhou um título e foi vice em outra disputa. O Santo André foi vice-campeão em 2010 diante do Santos.
Dois concorrentes
Notaram que tudo isso concorre para a assertiva de que o São Caetano é melhor que o Santo André na história do Paulistão? Notaram? Mas não é bem assim. Não é nada assim, para ser reto e direto. Argumentar em contrário tem consistência.
Somente Santo André e São Caetano devem concorrer na região ao título de melhor representante local na história do Paulistão. Equipes que no passado jogaram a competição, independentemente da nomenclatura, e as que mais recentemente estiveram entre as melhores do Estado, não contam com numerosidade de jogos que possa ser considerada. Dos atuais representantes do futebol da região, o São Bernardo Futebol Clube foi quem mais entrou em campo para jogar a Série A-1, num total de 96 jogos e seis participações. É muito pouco para concorrer.
Por mais que a quantidade de jogos importe, o vetor não é suficiente para estabelecer juízo de valor à qualidade dos pontos conquistados. Nem mesmo quando se divide esse mesmo total pelo número de edições disputadas. Tampouco pelo placar médio. Menos ainda necessariamente quanto às conquistas semelhantes.
Edição por edição
O ranking mais próximo do adequadamente justo para medir a importância histórica de Santo André e de São Caetano na Série A-1 do Campeonato Paulista deveria ser o resultado do destrinchamento total de cada edição, estabelecendo-se valor qualitativo a cada colocação alcançada, independentemente do conjunto de pontos disputados.
Vou tentar ser didático. Quando se estabelece a valoração de cada posição final na tabela de classificação em cada temporada, com o decréscimo quantitativo na medida em que colocações secundárias são registradas, modula-se o fator qualidade e a valorização dos concorrentes.
Por exemplo: o primeiro colocado soma mais pontos que individualmente todos os demais, os quais, também, se diferenciam entre si de acordo com o lugar na grade final. O ranking exposto pelo engenheiro, músico e historiador não contempla essa performance.
Para chegar a resultado definidor de quem é o melhor time do Grande ABC no Paulistão ao longo da história (desconsiderem os demais, fixem-se no São Caetano e no Santo André), é indispensável o uso de arcabouço metodológico que associe posicionamento classificatório e respectiva valoração qualitativa em cada temporada.
Resposta mais certeira
Feito isso, é muito provável, é quase certo, que se chegará a uma resposta que, como se viu no estudo atual de outra faceta, não carregue interpretações contestatórias mais que necessárias, porque fundamentadas na lógica.
O que poderia sugerir a Ivan Gottardo como complemento ao estudo oportuno que levou a campo para combater a monotonia pandêmica é que, já que conta com o que é o mais complexo e problemático, ou seja, planilhas e planilhas de resultados de mais de 100 anos da competição, que se concentra em cada edição tendo o Santo André e o São Caetano como únicos protagonistas. E que, com base numa grade de valor de cada posição na tabela que contemple a justeza da qualidade dos resultados obtidos, leve ao público os resultados provavelmente incontestáveis dessa competição.
Outra esfera
Independentemente de tudo isso, digo sem medo de ferir suscetibilidades que, em contraponto às dúvidas mais que relevantes provocados pelo trabalho estatístico mencionado, o Santo André é a equipe regional que conta com história mais vitoriosa quando se aferem todas as competições do futebol paulista.
Nesse caso, a longevidade participativa é um ponto importante de inflexão, mas não único. O conjunto da obra, que inclui as disputas pelo Acesso, outrora extraordinariamente concorridas e mobilizadoras de torcedores, é amplamente favorável ao Santo André.
Já o São Caetano ganha a disputa quando o guia de interpretação se move ao âmbito nacional e internacional, conforme o ranking da Folha de S. Paulo. Ou seja, quando as competições do Estado de São Paulo não entram no radar avaliativo, o São Caetano está à frente do Santo André no Ranking Folha mesmo sem ter conquistado, como o Santo André conquistou, algo com o peso da Copa do Brasil. Os vice-campeonatos brasileiros e o vice da Libertadores da América representam resultados mais expressivos, de acordo com a grade de valoração posicional, restrita à primeira e à segunda colocação.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André