Pode parecer fora de hora e até mesmo fora de propósito, mas sempre é hora e sempre é oportuno oferecer observações que tenham a marca do politicamente incorreto. Sim, porque o politicamente correto badaladíssimo e bom-mocista é espécie de cupim ético que corrói sorrateiramente a verdade.
Dos jornalistas qualificados que costumo ler, apenas o corintiano Nirlando Beirão, dono de texto primoroso na CartaCapital, teve o atrevimento de condenar o Internacional de Porto Alegre que, propositadamente, deu de bandeja a vitória ao Goiás, na última rodada da Série A do Campeonato Brasileiro, em 2 de dezembro. Bastava um empate do Internacional para o Corinthians não ser rebaixado.
Enquanto se disputava no Estádio Serra Dourada uma fraude que teve no árbitro carioca pau-mandado para eventuais contratempos do pedaço mais disposto do Internacional, no Parque Antártica o Atlético Mineiro de Emerson Leão fulminava o Palmeiras de Caio Júnior e classificava, vejam só, o arqui-rival Cruzeiro à Taça Libertadores da América.
Nirlando Beirão fez o contraponto dos dois jogos (o recheio crítico é meu mesmo) para condenar a atitude do Internacional de Porto Alegre e, por extensão, destilar descrença de seriedade no futebol brasileiro que, como se viu nas horas subsequentes à queda do Corinthians, alguns vestais da mídia esportiva procuraram disseminar com a cara-de-pau dos oportunistas.
Vou mais fundo ainda, sempre com a ressalva de que não pretendo amenizar a responsabilidade diretiva do Corinthians pelo rebaixamento à Série B. A diferença em relação aos cronistas politicamente corretos é que o Corinthians poderia ter escapado sim, porque o Goiás é um time inferior e só se mantém na Série A porque se beneficiou de trambicagens éticas e técnicas.
Imaginem os leitores (sejam corintianos, sejam os outros) o que estaria a crônica esportiva desfilando até agora caso o Corinthians jogasse a última partida da rodada em seu campo contra um adversário que se comportasse como o Internacional e fosse beneficiado com a execução de três penalidades máximas por conta de as duas primeiras terem sido invalidadas? O mundo cairia. Ou, para completar, se escapasse do rebaixamento e anunciasse, dois dias depois, a contratação do técnico Mano Menezes, então no Grêmio?
Essa história de afirmar que os pênaltis deveriam mesmo ser repetidos é conversa mole para boi dormir. Árbitro e bandeirinhas preferem ignorar os compulsórios passos à frente dos goleiros. Rogério Ceni é mestre nessa artimanha. Procurem nos arquivos e vejam como Taffarel defendeu pênaltis em decisões da Seleção Brasileira. Não faltam exemplos. Vejam como Marcos, do Palmeiras, defendeu o pênalti de Marcelinho Carioca numa semifinal ou quartas-de-final da Libertadores da América. Não há goleiro santo. O ato de cobrança de penalidade máxima é por si só covarde como probabilidade de defesa. Manter o goleiro imantado na linha de gol enquanto o finalizador tem até o direito à paradinha enganadora é uma sinfonia do gol anunciado.
A operação-padrão da arbitragem do Campeonato Brasileiro na reta de chegada atingiu em cheio o Corinthians depois que o presidente Andrés Sanches cometeu a sandice de fazer visita à Presidência da CBF logo após eleito, restando algumas rodadas para o final. A comissão de arbitragem ficou sob suspeita para a maioria dos cronistas que registraram o encontro. Por isso, subliminarmente, foi dada a ordem: na dúvida, penalização ao Corinthians. Como se já não bastasse a equipe fragilizada.
O pênalti ignorado pelo árbitro Márcio Rezende em 2005 no Pacaembu e que ajudou a levar o Corinthians ao título (como se esse fosse o único erro de arbitragem envolvendo individualmente as duas equipes naquela temporada) ganhou a forma de espada sobre a cabeça alvinegra que, provavelmente só agora, rebaixamento consumado, provocará espécie de definitivo acerto de contas.
Houve um movimento ensaiado da crônica esportiva depois do empate do Corinthians diante do Grêmio e da vitória do Goiás, também por conta dos trambiques envolvendo a MSI no futebol brasileiro: todos deveriam ignorar ou minimizar as reclamações alvinegras, mesmo as mais justas. Jamais tantos cronistas defenderam tanto a repetição de cobrança de pênaltis. Fosse a Seleção Brasileira contra a Argentina, o que diriam os falsos legalistas?
O goleiro Felipe foi mais que enfático ao dizer ainda no gramado do Estádio Olímpico que o Internacional amolecera em Goiás, informado por jogadores (certamente que já atuaram no Corinthians) de que pelo menos meia dúzia de colorados não se empenhariam para valer no jogo que de fato decidiu a sorte do Corinthians. Sim, o rebaixamento do Corinthians foi decidido em Goiás porque o pobre time alvinegro não teria mesmo boa sorte contra um Grêmio que sofreu apenas duas derrotas nos 19 jogos disputados em casa no campeonato.
O rebaixamento vai fazer bem ao Corinthians, que é uma casa da sogra, mas as tentativas de usar o tropeço do clube para vender a idéia de que o futebol brasileiro é um mar de rosas de honestidade, ética e responsabilidade, não passa de cortina de fumaça. Ao assistir à cerimônia de premiação dos melhores da temporada senti o descaramento de gente espertalhona a imputar exclusivamente ao Corinthians e à MSI os males do futebol brasileiro. Parem com esse besteirol porque, como na política, o futebol é um manancial inesgotável de irregularidades.
A Imprensa, entre tantos sanguessugas que orbitam em torno do futebol brasileiro, também precisa se reciclar porque está contaminada por gente que, por paixão clubística e outros condimentos muito menos nobres, esquece de cumprir a obrigação de relatar fatos ao dobrar a espinha da conveniência de momentos politicamente corretos.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André