Esportes

Marketing é consequência

DANIEL LIMA - 12/12/2007

Faz tempo, mas muito tempo, desde os tempos de introdução de computadores na administração pública, que o então ministro Extraordinário para a Desburocratização, Hélio Beltrão, disse aos jornais e às emissoras de rádio e TV, a propósito da informatização dos cadastros de contribuintes e beneficiários da Previdência Social:

“Não adianta informatizar a bagunça”.

Lembrei-me dessa frase de Hélio Beltrão ainda outro dia quando participei com ligeiro atraso de assembléia de acionistas do Santo André Gestão Empresarial, nome jurídico da equipe de futebol que representa Santo André na Série B do Campeonato Paulista e na Série B do Campeonato Brasileiro.

É claro que não pretendo nem quero muito menos sugiro que o responsável pela proposta de ação de marketing no Santo André, o publicitário Carlos Balladas, seja visto como desajuizado, precipitado ou algo semelhante. Nada disso. Mais que isso: entendo o desejo dele de colaborar com o clube-empresa, o ímpeto em contribuir para fomentar resultados práticos fora das quatro linhas, porque o Santo André Gestão Empresarial só está preocupado com as quatro linhas, como se as quatro linhas fossem a costura perfeita do empreendedorismo esportivo.

Enfim, o que vou escrever na sequência longe está de qualquer possibilidade de crítica a Carlos Balladas. Não porque tenha desconforto em criticá-lo quando julgar apropriado. Nada disso. Apenas não quero e não posso ser injusto.

O que ia dizer naquela reunião de acionistas, e não disse porque não houve uma brecha adequada e também porque estou encafifado com algumas manobras que fogem do que chamo de padrão ético, era exatamente uma analogia à barafunda desnudada por Hélio Beltrão naqueles tempos de Previdência Social:

“Não se organiza um clube-empresa só com marketing”.

Não disse naquela oportunidade e o estou fazendo agora certo de que Carlos Balladas sabe dessa verdade e teria vários apêndices para chegar à conclusão de que marketing em qualquer lugar do mundo depende de estrutura condizente com as ações projetadas.

Vamos supor então que, por conta do Complexo de Gata Borralheira de que somos vítimas, resolvam não levar a sério minha frase. Recorro, então, ao badaladíssimo publicitário Washington Olivetto, corintianíssimo, que, dois dias após a queda do Corinthians para a Segunda Divisão (e portanto 15 dias depois da assembléia no Santo André Gestão Empresarial), disse exatamente o seguinte ao portal Terra:

“A primeira coisa é que o problema do Corinthians, agora, não é de imagem. É igualzinho a uma empresa. Precisa de uma arrumação interna, uma diretoria sólida, depois o marketing entra (…) O marketing deve vir depois”.

Recorro a um passado mais remoto para enfatizar a bobageira geral de considerar marketing o pó de pirlimpimpim. Em meados da última década, quando a região vivia febre de triunfalismo comandada pelo Diário do Grande ABC e o slogan “Meu Grande ABC” era palavra de ordem para a maioria bovina, a Agência de Desenvolvimento Econômico e o Consórcio de Prefeitos se uniram numa empreitada para lustrar o ego regional. Participaram do pressuposto de que bastavam frases feitas, campanha publicitária e estava garantida a Estrada de Damasco. Poucos ousavam falar em superação dos problemas regionais já latentes e presos à abertura ensandecida do mercado por conta do governo Fernando Henrique Cardoso e da inapetência estrutural para o jogo da globalização e da guerra fiscal interna.

Foi patético o que tivemos porque trataram de dourar uma pílula que mais tarde se comprovou altamente destrutiva às expectativas de milhares de moradores da região quando se descobriu, por conta de revelações da linha editorial de LivreMercado e do cotidiano prático de esquinas coalhadas de jovens desempregados e do sumiço de placas de empregados procurados, o quanto perdemos de PIB (Produto Interno Bruto) e de qualidade de vida naquele período. Fizeram um arremedo de marketing, essa é a verdade, porque todo marketing desprovido de estrutura organizacional será sempre um arremedo. Mais que isso: todo marketing que fantasia a realidade chega às raias da irresponsabilidade.

Tivemos, portanto, cenaristas de primeira qualidade. Pena que, sem poderes divinos, não tenham conseguido tornar realidade as fantasias.

O Santo André não pode incidir, mais de uma década depois, no conto-do-vigário do marketing que certamente não está nas intenções de Carlos Balladas mas, matreiramente, pode povoar outras cabeças menos preparadas para a revolução estrutural pela qual o clube-empresa precisa passar se quiser ter futuro.

Marketing não é a essência. É consequência.


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