Administração Pública

Superprefeito totalitário de
Santo André faz mistureba

DANIEL LIMA - 18/06/2021

O superprefeito de Santo André, José Police Neto, nem mesmo é criativo na intenção de lançar o Engajamento Impositivo na gestão do prefeito Paulinho Serra. A finalidade é perpetuar os tucanos e aliados na gestão de um dos municípios mais impactados pela desindustrialização na história paulista (o outro é São Caetano). Tratei do assunto ontem, mas vou insistir no tema hoje. Talvez o faça também na semana que vem, porque há desdobramentos a explicitar.  

Tudo indica que Police Neto se inspirou no então candidato à Prefeitura de Ribeirão Pires, Kiko Teixeira, eleito em 2016. Ou seria mesmo nas subprefeituras da Capital? Ou seria tudo mesmo uma mistureba também com temperos do Orçamento Participativo do PT? Certo mesmo é que a fórmula é ditatorial, impiedosamente antidemocrática. E com o dinheiro da sociedade.  

Em 22 de setembro de 2016 tratei de assunto correlato nas páginas desta revista digital, sob o título “Prefeiturável faz uma proposta maluca. Ou é proposta genial?”. Vou reproduzir aquela análise com a promessa de que acrescentarei algumas coisas de forma intercalada. Leiam os primeiros parágrafos: 

 A proposta mais maluca (no sentido literal do termo) ou mais genial (no sentido igualmente literal do termo) até agora entre tudo o que foi publicado nos jornais locais às vésperas das eleições municipais partiu de Kiko Teixeira, candidato ao Paço de Ribeirão Pires. Ele administrou durante dois mandatos seguidos a pequena Rio Grande da Serra. Acho que vou encerrar esse artigo, lá embaixo, sem chegar à conclusão do desafio a que me impus, ou seja, retirar o ponto de interrogação do título. Não creio que terei coragem para tanto. Kiko Teixeira disse ao Diário do Grande ABC que pretende dividir Ribeirão Pires em microterritórios de 10 mil habitantes. Ou seja: fatiará o Município em 12 microdistritos. Em cada uma dessas partes colocará um gerente preferencialmente concursado. Ele seria os olhos, as pernas e o coração da gestão pública. Temos, portanto, um caso de loucura ou de genialidade? Por que devo responder à pergunta nos últimos parágrafos deste texto se os leitores podem fazê-lo individualmente? Terei o trabalho, na sequência, de elencar alguns pontos que brotaram ao diagnosticar o que seria genial e o que seria maluquice na proposta do candidato do PSB.   

Propostas semelhantes 

Notaram os leitores que o que Kiko Teixeira prometeu há quase cinco anos (e que não foi efetivado ou não se deu publicação de algo que tenha sido colocado em prática, porque o candidato virou prefeito) deve ter inspirado o superprefeito Police Neto na sanha concentradora de poderio político em Santo André? Com diferenças, claro, quanto a substituição de concursados por universitários. Voltamos àquele texto de 2016: 

 Vamos ao que poderiam ser indicadores de genialidade: a) Com a iniciativa, os moradores das respectivas microáreas teriam possibilidade concreta de contar com interlocutor supostamente preparado para dar conta das demandas locais. Portanto, teríamos atendimento personalizado. b) Com a medida, os moradores teriam interlocutor oficial da Prefeitura a atuar como canal imediato de respostas às demandas. Não se perderiam nos corredores do Paço Municipal quando se dispusessem a reivindicar. c) Com a medida, o gestor público reuniria manancial de demandas por serviços públicos de todo o Município, as quais, sistematizadas por categoria, possibilitariam intervenções com alto grau de racionalidade operacional.   

De novo retorno à realidade de hoje, 18 de junho de 2021, para reiterar que a proposta de Kiko Teixeira, como a que ainda não aprofundei de Police Neto, reúne perspectivas mais que interessantes a quem está no poder.  

Mais proposta de 2016  

m Agora vamos a alguns pontos que poderiam ser catalogados como loucura no léxico de gestão pública: a) A microrregionalização de gerentes sob o comando do Paço Municipal poderia converter-se em rede de controle político-partidário do titular do Executivo. Nesse caso teríamos esvaziamento do projeto pelos oposicionistas nos casos de as reivindicações não encontrarem respaldo resolutivo. b) Gerentes distritais poderiam ser tentados a alimentar sonhos de voos eleitorais próprios, criando embaraços ao chefe do Executivo na medida em que supostamente decidirem se unir a outros gerentes para, em conjunto, no bojo de alguma agremiação partidária, decidirem ocupar os principais postos da Prefeitura, além do cargo máximo, claro. c) Diante de eventual vácuo de respostas às solicitações, o feitiço poderia voltar contra o feiticeiro. Ou seja: os profissionais credenciados como gerentes, que viverão o dia a dia dos respectivos microterritórios, cuidariam da própria pele caso a sincronia entre pedidos de intervenção da administração pública e limitações orçamentárias não passe das planilhas de boas intenções. Em vez de colaboradores aliados ao Paço Municipal, os gerentes seriam sabotadores. d) Como administrar as relações com os vereadores diante de uma situação tão inusitada de interiorização do poder Executivo nos distritos ao escalar interventores não eleitos pela população? Como será possível atropelar os legisladores -- é assim que eles interpretarão a inovação -- sem correr riscos de perder a eventual maioria na Casa?  

Mais uma vez voltando a este 18 de junho, os leitores devem ter mais que percebido que há o outro lado da moeda na iniciativa do superprefeito de Santo André. Muitos dos 120 universitários que iriam a campo em seus respectivos territórios como servidores da Prefeitura poderiam se encantar nas ações e virarem agentes político-partidários. Seria supostamente o que pretenderia o prefeito Paulinho Serra para reforçar as bases de sua gestão e de seus sucessores. Mas o dia de amanhã e a fidelidade política são outros quinhentos.   

Mais texto de 2016 

 Como estou produzindo este artigo sem prévio planejamento sobre as possibilidades contidas no campo da genialidade e da loucura, creio que os exemplos expostos são suficientes para dimensionar o quanto é contraditória a proposta de Kiko Teixeira. Transposta a sugestão para a Província do Grande ABC como um todo – ou seja, caso fosse adotada por todos os prefeitos que assinarão o termo de posse em primeiro de janeiro do ano que vem – teríamos perto de 280 gerentes espalhados por 840 quilômetros quadrados. Se o prefeito da Capital seguisse o exemplo, seriam 1,2 mil colaboradores especiais, ou sabotadores potenciais. Sim, ou um ou outro porque o candidato Kiko Teixeira deixou claro que os gerentes seriam profissionais concursados. Se forem comissionados, como aparentemente descartou, todo o arcabouço acima sugerido deve ser desconsiderado. Cabos eleitorais – na maioria dos casos os comissionados não passam disso mesmo – têm enorme potencial à ineficiência funcional. Teríamos, portanto, um loteamento com finalidade político-eleitoral de baixa efetividade técnica. Considerando-se, portanto, que todos os gerentes distritais seriam concursados e qualificados à função de atender à população num sistema conectado permanentemente aos profissionais de gabinetes, a proposta de Kiko Teixeira é mesmo caminho direto à consagração ou ao suicídio como gestor. 

Mais análise de 2016 

 Tudo vai depender, entre outros pontos, da forma com que se conduziria o encaminhamento da novidade. Se for prometido o paraíso na forma de multiplicadores do Paço Municipal, haverá o risco de constatar o descasamento entre recursos para investimentos e receitas arrecadadas. Seja o que for – uma baita ideia ou uma grande enrascada – a verdade é que Kiko Teixeira retirou o noticiário pré-eleitoral do lugar-comum de obviedades sem lastro, cujos propósitos não são outros senão engabelar o distinto público no sentido rigorosamente exaltado ainda outro dia pelo ex-presidente Lula da Silva em danosa resposta aos operadores da Lava Jato.  

Mais texto de 2016 

 Não tenho a menor ideia de onde Kiko Teixeira teria retirado essa preciosidade que poderia se transformar em algo semelhante, embora mais personalizado, ao paparicadíssimo e contestadíssimo Orçamento Participativo que o Partido dos Trabalhadores disseminou com mutações por todo o território nacional. No caso, o Gerente Participativo teria poderes permanentes de relacionar-se com a comunidade e, com isso, orquestrar definições do território municipal. Cada gerente poderia atuar como centro das atenções locais. Provavelmente o prefeito de plantão não permitiria tanta independência e centralidade. Kiko Teixeira tem um parafuso a menos ou tem absoluta certeza de que não perderá o controle do processo.  

Proposta potencializada 

Há fundamentalmente uma diferença abissal entre o que pretendia Kiko Teixeira para Ribeirão Pires e o que pretende o superprefeito Police Neto para Santo André: a quantidade de agentes disseminadores de políticas de interesse do Paço Municipal. Cento e vinte universitários é gente pra caramba. Mais que isso: gente inexperiente que precisaria ser treinada, preparada, organizada e azeitada para fazer o que deve fazer. Serão comissionados ao invés de concursados. Gente que pode ser trocada a qualquer momento.  

Talvez a origem de tudo isso (ou seja, da descentralização centralizada do Executivo) tenha mesmo brotado da prática de subprefeituras na Capital vizinha. Police Neto é egresso de quatro legislaturas consecutivas na Câmara Municipal de São Paulo. Sempre foi o queridinho do mercado imobiliário, que o abasteceu de generosidades em todas as disputas eleitorais.  

Possivelmente o superprefeito quer unir o útil ao agradável, absorvendo ele próprio, no interior de uma distribuição político-partidária de setores da Prefeitura, um naco bastante considerável de potencial econômico.  

Esta segunda análise que trata da ocupação espacial de Santo André tendo como regramento o poder político disfarçado de comprometimento social ainda ficará incompleta até que apresente um outro texto na semana que vem. Um texto que trata exatamente do voto distrital para os legislativos municipais, já bastante utilizado informalmente. É melhor esperar.



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