Política

Virgindade política de São
Caetano não resiste aos fatos

DANIEL LIMA - 28/07/2021

O prefeito interino Tite Campanella afirma na edição de hoje do Diário do Grande ABC que a aniversariante São Caetano não aceita tutela externa. O filho do socialista Anacleto Campanella está equivocado. Talvez – e justamente – seu subconsciente político esteja conectado à cassação do pai pelo Regime Militar. No caso específico, do momento, a declaração faz parte de uma narrativa que coloca o prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, numa espécie de cena de crime político-eleitoral.  

Tudo não passaria de uma versão insustentável, mas que pretende colocar todo mundo que não pense como os proponentes da versão num compartimento de descarte cerebral. Traduzindo: propõe-se uma aberração estratégica que tem Orlando Morando como vilão na expectativa de que mentes em ordem cognitiva aceitem.  

Mais longe ainda: Orlando Morando e os aliados que teriam preparado um golpe para tomar São Caetano não passariam de um bando de idiotas. A versão é tão estupendamente inacreditável que o melhor mesmo é não acreditar. Perdoem pela implicitude da redundância. Há certas narrativas que só podem ser explicadas com a sobreposição de camadas repetitivas de coerência interpretativa. 

Contraditório importante  

A versão de interferência tão ostensiva e arrematadamente tabajarense de Orlando Morando na política de São Caetano é vista no polo do contraditório negado pelos autores como uma jogada para fortalecer o prefeito José Auricchio Júnior -- barrado do baile do Palácio da Cerâmica, temporariamente ou não. 

Não apenas isso: a versão também demonizaria o prefeito de São Bernardo, ferindo-o supostamente de morte num território vizinho.  

Primeiro, vamos tratar da virgindade de São Caetano. Tite Campanella não admitiria publicamente que, embora não seja uma zona do meretrício, São Caetano também não é um convento político-administrativo. E isso vem de um passado que engrossa o presente. Não se trata, São Caetano hoje aniversariante, de uma casa da luz vermelha política. Mas também não é um santuário.  

Forças externas 

Em São Caetano, todos sabem, há forças externas aos borbotões que tomam conta de nacos da administração, de forma direta ou principalmente indireta. Gente graduada da política estadual, principalmente, mas não só da política. Há ramificações enormes.  

O prefeito José Auricchio, que luta para levar à tabela de classificação os pontos que ganhou dentro do campo, conta com aliados valiosos na área político-jurídica estadual e nacional. Aliados que exigem contrapartidas. E conseguem. O mundo da política é compartimentado, não fechado, autônomo.  

Algo parecido com o que acontece nestes tempos em Santo André de Paulinho Serra oficialmente prefeito mas comandado pelo superprefeito José Police Neto, homem de Gilberto Kassab e cujo currículo político-administrativo é acentuadamente mais apreciável que o do prefeito atual, de primeiro mandato obscuro e de vereança servil.  

Police Neto agora até foi escondido pelo primeiro escalão oficial e não oficial de Paulinho Serra. Estava dando bandeira demais como chefe paralelo do Executivo.  

Arrombamento petista  

A virgindade administrativa de São Caetano foi para o beleléu de forma escancarada, embora tudo se fizesse com profissionalismo de esconde-esconde, quando Paulo Pinheiro foi eleito prefeito, em 2012, superando a indicada de José Auricchio, médica Regina Maura.  

O PT estava com a bola toda, Lula da Silva na presidência e o grupo do prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, com poderes extraordinários na região. Foi o logo em seguida eleito deputado estadual Luiz Fernando Teixeira o condutor da invasão dissimulada de São Caetano. Deu-se suporte logístico (ou seja, muito dinheiro) para colocar Paulo Pinheiro na Prefeitura.  

Os métodos aplicados à empreitada obedeceram à sinistralidade de reputações. Regina Maura Zetone foi elevada à enésima potência de libertinagem. Salões de cabeleireiros, bares, restantes, alfaiatarias, escritórios, tudo o que comportava gente recebeu uma versão de supostas estripulias da candidata com um parceiro comprometido com outra mulher e com o poder local. Todo mundo sabe do que se tratava.  

Candidatura destruída  

São Caetano, portanto, foi invadida por uma onda de destruição de imagem da secretária de Saúde.  O PT ganhou as eleições (em nome do conservador Paulo Pinheiro) que tanto queria numa São Caetano sempre impenetrável aos avermelhados, os quais governaram apenas pedaços do poder. Foram dezenas de aliados de Luiz Fernando Teixeira a ocupar cargos na Prefeitura.  

A perda de virgindade naquela temporada também não é a contagem inicial de um tiro certeiro de invasão territorial de supostos bárbaros políticos.  A paqueradíssima São Caetano de orçamento milionário, apesar de todos os reveses econômicos e da fuga da Casas Bahia, sempre despertou cobiças.  

No passado, e contrariamente ao que afirma o prefeito Tite Campanella, Lauro Gomes, prefeito tanto de São Caetano quanto de São Bernardo, não era uma candura irrepreensível como se pretende fazer crer. Era um invasor territorial sim, independentemente do juízo de valor sobre a competência político-administrativa.  

Agentes ocultos  

Lauro Gomes era essencialmente um político em ação, com brilho incomum naqueles tempos. Um Celso Daniel sem o mesmo arcabouço técnico-intelectual. Lauro Gomes era um Celso Daniel prático. Deixou poucas lições de regionalismo. Era mais materialismo mesmo.  

Para encerrar a avaliação da impenetrabilidade espacial sugerida pelo prefeito Tite Campanella, todo mundo sabe também que há outros sócios (ocultos claro) do mundo político e corporativo regional que deitam e rolam nas águas plácidas de São Caetano. E que, essa gente, está preocupadíssima com a perda de poder.  

Orlando Morando é o nome dessa ameaça exatamente porque não mantém relações diplomáticas com franjas desses donos de pequenos e grandes poderes decisórios em São Caetano, sempre à revelia do voto popular que a versão única destilada nestes dias pretende sacralizar.  

É nesse ponto que faço o ajuntamento da falsa virgindade político-administrativa de São Caetano com o noticiário que dá conta de uma portentosa operação liderada supostamente por Orlando Morando para tomar a Prefeitura tão dominada por tanta gente.  

E Lauro Gomes?   

A ausência de contraditório à versão do noticiário é o fio desencapado que um jornalista experiente faz questão de registrar. Um jornalista experiente que foi a campo para checar os fatos, as versões e as fantasias. A narrativa original é esquizofrênica porque a eventual lógica se perde no complemento ilógico e patético. Vou explicar. 

Ora, se Orlando Morando, prefeito de São Bernardo, quer mesmo dar um golpe que pode não necessariamente lembrar Lauro Gomes, porque Lauro Gomes o fez pessoalmente, ou seja, invadiu São Caetano, que razão teria ele, Orlando Morando, para, na tessitura do projeto alardeado, optar por Tite Campanella como cabeça de chapa que teria seu preferido, Fabio Palacio, como vice-prefeito? 

A suposta iniciativa denunciada pelo Diário do Grande ABC afastaria inequivocadamente o grupo de José Auricchio Júnior do poder.  

Nem gregos nem troianos  

É claro que falta combinar com os russos da Justiça Eleitoral que analisa detidamente o recurso de José Auricchio. O prefeito eleito em novembro do ano passado quer anular a decisão de instâncias inferiores da Justiça Eleitoral e fazer valer os 32% de votos disponíveis que amealhou da população. Isso mesmo: apenas um terço dos eleitores habilitados votaram no prefeito que chegaria a tetramandato.  

Então, qual teria sido o objetivo de construir uma versão dos bastidores da política de São Caetano se Orlando Morando não teria a vantagem suprema de ver seu aliado Fabio Palacio como cabeça de chave? 

O próprio Fabio Palacio refuta a versão ao afirmar categoricamente que não aceitaria uma composição com Tite Campanella caso não fosse o prefeito interino seu candidato a vice.   

Ora, a narrativa de mão única é vista como um choque motivacional que, como se observa nas declarações de Tite Campanella hoje nas páginas do Diário do Grande ABC, procuraria obter dois resultados imediatos e duradouros.  

Primeiro, fortaleceria o grupo de José Auricchio Júnior, do qual Tite Campanella faz parte. Segundo, estigmatizaria o candidato de Orlando Morando em São Caetano, no caso Fabio Palacio.  

No caso do fortalecimento do grupo de José Auricchio Júnior e de Tite Campanella, o apelo municipalista utilizado hoje por Tite Campanella tem um poder irradiador extenso e intenso. 

Escondendo a cara  

Todo mundo sabe que São Caetano é o Município mais bairrista do Grande ABC. Fatores sociológicos explicam isso. Não preciso reprisá-los. A essência é uma população de baixo crescimento demográfico, fortemente de classe média tradicional, embora decadente, e com um sentimento conservador arraigado. Estranhos no ninho que se expõem costumam se dar mal.  

Luiz Fernando Teixeira, o petista que virou deputado estadual, não botou a cara no suporte ao eleito Paulo Pinheiro. Tudo se fez por baixo dos panos.  

Ao escancarar a versão de invasão de domicílio que teria sido engendrada por Orlando Morando, num ataque frontal a José Auricchio Júnior, o concorrente Fabio Palacio paga o pato das idiossincrasias políticas ao carregar o peso sobressalente de suposto oportunismo do prefeito de São Bernardo. E mais que isso: torna-se subalterno hierárquico de Tite Campanella.  

A versão embute além de um suposto delito político-territorial também uma constatação de suposta inferioridade concorrencial de Fabio Palacio em relação a Tite Campanella.  

Acreditar na versão propagada pelo Diário do Grande ABC com base em informações que o jornal diz deter exigiria de especialistas a pronta internação de Orlando Morando num manicômio qualquer.  



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