Tenho dúvidas se vale a pena, de fato, o Santo André insistir na permanência de Marcelinho Carioca, cujo contrato foi renovado para esta temporada.
No ano passado, contratado para a Série B do Campeonato Brasileiro, Marcelinho Carioca foi uma decepção. Um dos fatores imponderáveis do futebol, as contusões, tirou-o de combate. Ele só disputou meia dúzia de partidas, nas quais, verdade seja dita, foi um dos melhores em campo.
O problema de Marcelinho Carioca, mesmo em fim de carreira, não é técnico nem tático. O nível do futebol brasileiro abatido pelo êxodo permanente de jogadores, sejam craques, sejam pernas-de-pau, permite que carreiras sejam esticadas ao sabor das necessidades individuais dos atletas e dos sonhos retardatários de dirigentes.
Marcelinho Carioca é um complicador, em vez de facilitador, porque da mesma forma que obscurece o senso crítico, por conta do futebol que pratica, também emburrece e embrutece as relações fora de campo.
Vou explicar.
Dentro de campo Marcelinho Carioca chama tanto a atenção que os demais valores da equipe acabam desprestigiados pela mídia. O foco se concentra em Marcelinho Carioca antes, durante e depois dos jogos. O brilho ou a opacidade individual o coloca num patamar de observação privilegiado ou discriminador.
Quem tem Marcelinho Carioca como ídolo, transforma cada boa jogada em genialidade. Quem o tem como estorvo, destila o fel da certeza absoluta da carreira indevidamente estendida a cada eventual passe errado, a cada desarme do adversário, a cada falta fora do gol adversário.
Marcelinho Carioca dentro de campo, portanto, é o centro das atenções. Ele já disputava essa condição nos bons tempos de fôlego de sobra, musculatura forte e preparo físico irretocável. Daí as dificuldades de relacionamento com os companheiros. Ele sempre disputou muito mais que jogos de futebol. Marcelinho Carioca disputava também com outras estrelas do Corinthians, principalmente, o cetro de objeto de desejo da torcida e da mídia.
Marcelinho Carioca fora de campo é a complicação de dublê de jogador de futebol que sente o horizonte encurtado e o desejo incontido de seguir no mundo da bola, como comentarista, como empreendedor em algum ramal do negócio chamado futebol. Por isso, mantém-se ativo, intrometido, recalcitrante, polêmico.
Se antes, quando a bola não lhe recusava docilidade, Marcelinho Carioca já era um complicador nos vestiários, no dia-a-dia com os companheiros e a Comissão Técnica, agora, como jogador-consultor de futebol, nesse ínterim de indefinições, de desejo de seguir à revelia das pernas e na ânsia de agarrar-se ao futebol além dos gramados, Marcelinho Carioca nem sempre se dá bem.
Marcelinho Carioca criou alguns problemas de ordem hierárquica no Santo André, ano passado, depois do afastamento de Celso Luiz de Almeida e Jairo Livolis, dirigentes que conduziram a equipe no início dos anos 2000 aos melhores resultados em campo em 40 anos de história. Aliado de Ronan Maria Pinto, que o trouxe para o Santo André, Marcelinho Carioca excedeu-se na lealdade e invadiu o terreno diretivo. Meteu-se numa seara de complicações porque, da mesma forma que desrespeitou os dois dirigentes, poderá fazê-lo no futuro, atingindo outros alvos que lhe forem aparentemente convenientes.
Tomara que o Marcelinho Carioca centralizador dos gramados e o Marcelinho Carioca oportunista fora dos gramados sejam resíduos de personalidade nesta temporada, porque o Santo André só teria a perder se tanto um quanto outro se mostrassem esfomeados.
Entretanto, vai ser difícil que a fama que o persegue permita que outros jogadores do elenco consigam ser reconhecidos na exata dimensão de eventual talento se a mídia insistir em dirigir todos os olhos e ouvidos ao ex-jogador do Corinthians.
Já fora de campo, tudo vai depender do grau de respeitabilidade que os dirigentes atuais do Santo André vão exigir para conter excessos de alguém que flerta freudianamente com uma vida dupla, de atleta em final de carreira e de embrionário dirigente e cronista.
Por essas e outras, a renovação do contrato de Marcelinho Carioca é um dos grandes pontos de interrogação do Santo André nesta temporada.
Valerá a pena?
O tempo vai dar a resposta.
Certo mesmo, sem dúvida, é que a não-renovação seria mais ajuizada porque, no mínimo, evitaria o próprio risco.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André