Política

Síndrome do Vizinho escraviza
as escolhas de Paulinho Serra

DANIEL LIMA - 23/09/2021

O prefeito Paulinho Serra caminha tropegamente entre o céu e o inferno político. O futuro próximo vai determinar se está sobre duas canoas furadas ou se vai se consagrar numa prancha de surfe. Talvez lhe sobre um skate. O próximo presidente da República e o próximo governador do Estado podem determinar o futuro do prefeito tucano de Santo André. A Síndrome do Vizinho o atormenta e o coloca a reboque de quem tanto pretende exorcizar.  

Pensei em adjetivar a Síndrome do Vizinho, mas acho que expressão basta porque deixo complemento à imaginação dos leitores. Poderia ser Síndrome do Vizinho Incômodo, Síndrome do Vizinho Mais Competente, Síndrome do Vizinho Mais Autêntico. Qualquer uma dessas expressões definiria solidamente o que os separa. No caso, o outro lado, o vizinho, é o prefeito Orlando Morando, de São Bernardo.  

Paulinho Serra é um político maria-vai-com-as-outras. Dá nó em pingo d’agua de coerência quando olha em direção do horizonte. Já foi secretário municipal do PT de Carlos Grana. Um péssima secretário do que chamaria de Logística. Fez barbaridades. Raramente se ouve e se vê qualquer resquício de posicionamento político-partidário que o leve à defesa de conceitos econômicos e sociais. É uma caixa-preta em forma de personalidade política. Como administrador é um varejista e saudosista. Acha que pode convencer a plateia recuperando alguns ícones de uma Santo André que parou no tempo. Não sabe distinguir materialidade cultural de políticas culturais.  

Desprezo ao Waze 

Orlando Morando é tudo diferente disso. Tem experiência no Legislativo e no Executivo. E é dono de um pragmatismo operacional como Executivo que pode ser testado nas obras de importância à competitividade econômica municipal. Também jamais escondeu o que pensa sobre economia e política. É o único representante da política regional que jamais fugiu de disputas com o PT, num contraponto importante porque evita acomodações. E tem a fidelidade ao partido como marca registrada. Não pula de galho em galho. Estão certos seus críticos mais sinceros e menos interesseiros que o colocam num patamar de rigidez acima da média política. Nada que, por eventual carga de prejuízo, se dobre à volubilidade de Paulinho Serra.  

Quando olha para São Bernardo do prefeito Orlando Morando, Paulinho Serra provavelmente sente vertigens. Acho até que ao se deslocar à Capital o titular do Paço de Santo André dá um nó no Waze, optando por qualquer ligação que não o obrigue a percorrer o território do vizinho incômodo.  

Como a Avenida do Estado é uma calamidade logística que Paulinho Serra imagina que vai tornar competitiva na medida em que isoladamente faz uma obra aqui, outra ali, sempre com dinheiros de terceiros, possivelmente prefira o caminho do meio, da D. Pedro II, passando por dentro de uma São Caetano empesteada de radares maliciosos e do corredor polonês da Favela de Heliópolis. 

E a Baixada Santista?  

O problema da Síndrome do Vizinho é quando Paulinho Serra decide dirigir-se à Baixada Santista. Passar por dentro de São Bernardo e acessar a Anchieta é o recomendado. Mas nada desestimula a ideia de que prefira ir em direção à Mauá, apanhar o puxadinho do trecho sul do Rodoanel que apenas passa tangencialmente por São Bernardo e, lá na ponta, ingressar na Anchieta. A Síndrome do Vizinho faz de Paulinho Serra escravo das circunstâncias que por certo vão determinar o que abraçará na política.  

Entre duas canoas potencialmente furadas e uma duvidosa prancha de surfista, tudo é possível, porque na política até o impossível é programado com viabilidade. 

Paulinho Serra está com os pés em duas canoas teoricamente furadas que carregam elevadíssima improbabilidade de, num passe de mágica eleitoral, virarem prancha de conquistas.  

Primeira canoa furada?  

A primeira canoa furada chama-se Eduardo Leite, o tucano do Rio Grande do Sul que pretende tomar a vaga aparentemente mais que garantida do governador João Doria na disputa presidencial do ano que vem --- ambos com a certeza de que uma Terceira Via hoje impraticável poderá ganhar impulso extraordinário.  

Paulinho Serra está com Eduardo Leite e não com João Doria, a quem entregou-se nos primeiros tempos de governo municipal. Tudo se explica porque Orlando Morando é mais que aliado do governador da Coronavac: Morando é também amigo pessoal do tucano que não dá trégua ao presidente Jair Bolsonaro.    

O entorno político de Paulinho Serra não é flor de flexibilidade que se cheire porque tem algumas prerrogativas operacionais que não admitem aproximações. O distanciamento entre Paulinho Serra e Orlando Morando, que já foram amigos e confidentes, deu-se por conta do que muitos que vivem o dia a dia da política consideram uma máxima perfeita: o prefeito de Santo André não é homem de palavra.  

Nossa gente, meus parceiros 

Paulinho Serra teria traído a confiança de Orlando Morando como já o fez com tantos outros. Este jornalista é prova viva, vivíssima, do quanto influenciam negativamente o chefe do Executivo de Santo André.  

O bordão “nossa gente” de Paulinho Serra é para uso externo, populista. O que impera mesmo na administração municipal é “meus parceiros”.  

A aproximação de Eduardo Leite e do ex-governador Geraldo Alckmin, por influência do grupo do ex-prefeito da Capital, Gilberto Kassab, que controla parte dos poderes do Paço de Santo André, instala os pés de Paulinho Serra em duas canoas semelhantes de risco, embora distintas de destino.  

É muito difícil que se chegue à conclusão preliminar de que Paulinho Serra acertou na escolha ao aliar-se a Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, e não a João Doria. As perdas político-administrativas são presentes. Os ganhos futuros são improváveis. E só se dariam com Eduardo Leite candidato oficial do PSDB e com Eduardo Leite presidente da República. Falta combinar com Lula e Bolsonaro.  

É muito pouco provável que apareça alguém no mercado de prognósticos eleitorais que compre essa perspectiva e aposte firme. Somente a Síndrome do Vizinho gera explicação e justificativa.  

Segunda canoa furada?  

A segunda canoa conta com menos intensidade de risco, mas também carrega um peso de ser definida como furada na medida em que, em novo partido, Geraldo Alckmin volte a governar o Estado.  

A divisão dos tucanos poderá embaralhar o jogo, Fernando Haddad tem uma perspectiva de sucesso que o PT jamais sugeriu em toda a história paulista, mas daí a garantir que Geraldo Alkmin é favoritíssimo, mesmo que as primeiras pesquisas o coloquem à frente dos demais concorrentes, isto tudo é muito fluído.  

Diferentemente da corrida presidencial que parece destinada a apenas dois candidatos, na disputa paulista o jogo parece mais enroscado e a memória eleitoral pode se traduzir em falso positivo para Geraldo Alckmin.  

Falso positivo é botar fé na ideia de que os primeiros resultados de pesquisas eleitorais se sustentarão na linha do tempo que virá. Descartar a candidatura tucana de Rodrigo Garcia e a cordilheira orçamentária do governo do Estado em obras é subestimar a força da máquina do Palácio dos Bandeirantes. Não bastassem, claro, Fernando Haddad e, quem sabe, até Marcio França, caso não se junte a Alckmin nesse jogo de soma indecifrável num primeiro turno.  

Hierarquia do despreparo 

O melhor dos mundos para Paulinho Serra é torcer para que os dois barcos potencialmente furados não o sejam. Que pelo menos um dos quais, menos improvavelmente o estadual, resista nas próximas eleições. Um skate não é uma prancha mas é melhor que duas canoas furadas.  

O paradoxo disso tudo é que para quem sempre se pautou na vida publica pela segurança própria dos medíocres, avançar o sinal em direção ao ousado sinaliza reação que se deve muito à terceirização da própria personalidade. Paulinho Serra e seus parceiros de jornada são movidos pela Síndrome do Vizinho. Vão para o tudo ou nada como se isso os tornassem diferentes do que são no conjunto da obra.  

Não são cargos que tornam homens públicos competentes. Cargos revelam o quanto são despreparados e gulosos. Inclusive quando, em determinadas situações, como as que se apresentam preliminarmente, o despreparado está em forma de projeto, de ambição. De Síndrome do Vizinho.  



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