Política

Auricchio vai ser o próximo
prefeito? Quem quer apostar?

DANIEL LIMA - 03/11/2021

Façam suas apostas, senhoras e senhores. O Grande Premio da Prefeitura de São Caetano, ou seja, a própria e milionária Prefeitura de São Caetano, está em jogo. São três os candidatos. Um, o prefeito-interino Tite Campanella. Outro, o prefeito-barrado José Auricchio Júnior. E o terceiro, Fabio Palacio, candidato mais votado em novembro do ano passado, depois do prefeito-barrado. Quem dá mais, quem dá mais!!!  

Desconfio que o nome que vai sair do tapetão judicial é o mesmo que saiu das urnas eletrônicas em novembro do ano passado:  José Auricchio Júnior. Vou tentar explicar as razões.  

A disputa pode não ser em forma de leilão, mas a atmosfera eleitoral é instigante em São Caetano, o pedaço mais rico por habitante da Grande São Paulo. Um pedaço cuja autoestima coletiva foi abalada pelo recorde nacional de casos letais provocados pelo esquadrão invisível do Coronavírus. Mas isso é outro assunto.  

Vale-tudo eleitoral  

Um assunto delicadíssimo para o orgulho de São Caetano e que só entraria em campo para mexer com os brios do municipalismo sólido se o jogo for novamente jogado em campo, ou seja, nas urnas. Aí o vírus vai fazer furor. As urnas valem mais que conservadorismo coletivo.  Falar mal de São Caetano em São Caetano é um tiro no pé eleitoral. Mas o vírus impõe situação excepcional.  

O fato: José Auricchio ganhou as eleições no campo de jogo, com 42% dos votos válidos (poucos perto dos votos disponíveis, mas isso não importa agora) mas foi barrado do baile da coroação em primeiro de janeiro por causa de irregularidades nas eleições anteriores, finalmente, expostas ao voto monocrático da Justiça Eleitoral de São Caetano e, em seguida, ao voto colegiado em São Paulo. Agora está no terceiro turno judicial.   

Tite Campanella, presidente do Legislativo eleito com influência de José Auricchio, virou prefeito interino. Está há 11 meses no cargo. Tite teria dado as costas a Auricchio e flertaria com Fabio Palacio. Não falta quem jure de pés juntos que Tite Campanella finge que está com um, finge que está com outro, mas quereria mesmo é continuar no cargo sem maiores complicações.  

Panela de pressão   

São Caetano é uma panela de pressão política. Geralmente tudo acaba em pizza, porque é uma cozinha de panelas e de panelinhas. Tite Campanella, filho de pai acusado pelo Regime Militar de aliar-se a comunistas, reza para que nem faça chuva de nova eleição nem faça sol de definição da Justiça Eleitoral. Nada melhor que uma prefeitura de mão beijada e cabeça fresca. O sonho de qualquer interino é virar permanente. Até que o mandato se encerre.  

No caso de Tite Campanella, o cargo auxilia no resgate da memória da família que os militares teriam vilipendiado com acusações infundadas. Teriam confundido social-democracia com comunismo.   

Os Campanella têm dois ativos políticos que alardeiam como defesa prévia: são democratas e forjaram a independência político-administrativa de São Caetano em movimento emancipacionista de meados do século passado. São Caetano era uma periferia de Santo André.  

Passarinho aprisionado  

Fabio Palacio chegou em segundo lugar na disputa eleitoral levada à Justiça.  Recebeu montanha de votos suficientes para reivindicar a condição de prefeito eleito. Tentou cassar a chapa de Auricchio, por suposta irregularidade do candidato a vice, mas perdeu a batalha. Só não quer perder a guerra. Move paus e pauzinhos para influenciar no âmbito judicial.  

Fabio Palacio caiu na real de que é melhor o passarinho do prefeito supostamente irregular aprisionado na gaiola da Justiça Eleitoral do que dois voando – o prefeito e a chapa do prefeito.    

Palacio sabe que a parada é difícil, mas faz campanha como possível ou pelo menos factível. O que espera mesmo é que lhe sobre, no bom sentido, uma nova disputa. Provavelmente com um aperto de mão com o prefeito-interino para isolar o prefeito-barrado e supostamente desgastado.  

O problema de Fabio Palacio é que é impossível qualquer acordo com o prefeito-barrado, enquanto o interino é um prefeito de mãos e corpo ensaboados.  

Dois votos garantidos  

É isso que a cidade mais letrada e de melhor qualidade de vida da região reserva a seus moradores e eleitores. Uma bananosa sem tamanho. E que aumentou de volume porque o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu apagar pelo menos parcialmente tudo o que a primeira e a segunda instâncias decidiram. Sem contar que, conforme o resultado do terceiro tempo judicial, Auricchio ameaça ir aos vestiários do Supremo Tribunal Federal. Aí seria um balaio de gatos.  

José Auricchio já conta com dois dos sete votos possíveis de que finalmente assumirá o cargo a que foi eleito pela quarta vez neste século. Ele, Auricchio, e José de Filippi Júnior, em Diadema, são os únicos tetracampeões de voto na história da região. Celso Daniel seria tetraprefeito com os dois pés nas costas, mas foi assassinato logo após o tri. Outros chegaram próximos.  

Tetra mesmo, só Auricchio e Filippi. Melhor dizendo: Filippi, porque Auricchio dependente do TSE.  Se virar prefeito, será um tetraprefeito com menos tempo de cargo que o tetraprefeito de Diadema. Auricchio não está nem se lixando para isso. Quer o Palácio da Cerâmica o tempo que for possível.  

Um milhão de dólares  

Arriscar um palpite sobre a decisão que será tomada pelos sete jurados do TSE é flertar com a cartomancia, mas não custa nada especular e até avançar o sinal de cautela. Tivesse um milhão de dólares para apostar, apostaria na vitória de Auricchio. Ou seja: nem Tite continuaria no cargo por conta do esticamento jurídico, nem Palacio teria a oportunidade de nova disputa quando, provavelmente, os números poderiam ser outros em relação à eleição anulada. 

Os dois votos a zero que Auricchio acumulava antes que o ministro Luís Robert Barroso suspendesse o jogo do Tribunal Superior Eleitoral na semana passada não são pouca coisa. Esqueçam por algum tempo a matemática, porque não se confunde Justiça Eleitoral com zona de rebaixamento do futebol. O que se pode chamar de tendência à consagração de José Auricchio são as evidências nem sempre levadas ao público.  

Se não bastasse o voto-caminhão do relator, no caso Luis Felipe Salomão, deve-se considerar também que o mesmo relator-condutor do processo atuou como corregedor. É carga dupla de possível consolidação da vitória de Auricchio. O segundo voto favorável a Auricchio no TSE foi proferido pelo ministro Edson Fachin. E um terceiro estaria a caminho. Teria chegado a ser pronunciado, mas por problemas técnicos na transmissão do julgamento, optou-se por suspender o jogo para uma data qualquer.   

Força de corregedor 

Repetindo, porque isso é muito importante: além de presidente do STE, Felipe Salomão era corregedor-geral. Exatamente o cargo que Mauro Campbell Marques passou a ocupar desde 29 de outubro, quando o titular se afastou por determinação regulamentar.  

Corregedor-geral substituto de corregedor-geral não costuma corrigir a posição do titular que se afasta. Estaria aí o terceiro voto favorável a Auricchio.  

Quem assume o posto de Salomão como ministro é Benedito Gonçalves, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). É assim que funciona o TSE, uma mistura de ministros das duas principais cortes de julgamentos do País.  

Voltando ao corregedor-geral: a posição de um corregedor-geral do STE que tem o mesmo veredito sobre a questão-chave do julgamento do Caso José Auricchio, ou seja, o financiamento supostamente irregular nas eleições de 2016, é um caminhão sobressalente de favoritismo.  

Gols de placa  

Seria algo no futebol como trocar um centroavante que fez um gol de placa por outro centroavante que, final de jogo, também fez gol de placa. Não se despreza o poder de um corregedor-geral numa definição de voto no tribunal. Qualquer que seja o assunto.  

Vai pesar muito, mas muito mesmo, na decisão subsequente, o prestígio do relator-corregedor-geral que se foi ao cumprir o mandato de quatro anos.  

Luiz Felipe Salomão é exaltado como um ministro que deixará saudade no TSE. A assessoria de imprensa do TSE o coloca num patamar de alto prestigio. “Ao longo de quatro anos como ministro substituto e titular da Corte, participou de importantes julgamentos e deixa relevantes contribuições à Justiça Eleitoral, com votos, teses e decisões marcantes”.  

Diz também o material que, com um pouco mais de um ano à frente da CGE, (Corregedoria-Geral-Eleitoral) ele concluiu o andamento de Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) contra a chapa Bolsonaro-Mourão, conduziu inquérito administrativo para apurar atos contra a legitimidade do processo eleitoral brasileiro e propôs a fixação de teses que podem balizar os julgamentos de ações envolvendo o uso de redes sociais e aplicativos de mensagens nas próximas campanhas eleitorais. 

Tendência fortalecida  

Talvez a decisão mais emblemática do então ministro e corregedor-geral do TSE, Luis Felipe Salomão, que deixaria o staff e os eleitores de José Auricchio mais esperançosos do que os adversários, envolve a cassação do mandato do deputado estadual do Paraná, Fernando Francischini. O parlamentar foi acusado de proliferar informações falsas contra a urna eletrônica e o sistema de votação.  

A Corte, como em outros casos, acompanhou a votação de Salomão. O Plenário também acolheu a tese proposta por Salomão no julgamento do caso, segundo a qual “ataques infundados ao sistema eletrônico de votação e à democracia, em benefício de candidato, inclusive pela Internet e pelas redes sociais, induzindo o eleitor à falsa ideia de fraude, podem caracterizar abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação social e ensejar cassação do registro ou diploma, além de inelegibilidade por oito anos”.  

Perceberam que o então ministro do STE, no último minuto do mandato que lhe foi conferido, não pestanejou ao aplicar o rigor da legislação e, mais que isso, contou com o suporte da Corte?  

Reanálise decisiva 

Nesse mesmo final de jogo regulamentar de exercício do ofício, Salomão interpretou que o prefeito José Auricchio Júnior não participou efetivamente das falcatruas de financiamento eleitoral em 2016. O rigor da cassação do mandato do deputado paranaense e a qualificação do Caso José Auricchio fornecem o combustível que torna um milhão de dólares uma ponte para um futuro endinheirado.  

Nem mesmo o fato de Salomão ter decidido preliminarmente em abril que José Auricchio Júnior deveria ter a eleição impugnada move lenha para o fogão de esperança da campanha de Fabio Palacio. Voltar atrás numa decisão preliminar fortalece a perspectiva de que, quando o Plenário completar a votação, Salomão carregará no currículo mais um ativo de brilho. É assim que funciona a Corte Eleitoral.  

Brasil versus Alemanha  

O voto do então ministro Salomão retirou qualquer resquício de dolo praticado individualmente pelo então candidato José Auricchio Júnior. Á época, duas mulheres sem condições financeiras efetuaram depósitos de aproximadamente R$ 300 mil à campanha de Auricchio. Tanto a juiz de São Caetano (Ana Lúcia Fusaro) como o colegiado do Tribunal Regional Eleitoral (a quem Auricchio recorreu) entenderam que o impedimento às urnas era a medida mais correto. Recorreu-se ao STE, disputou-se a eleição e suspendeu-se a diplomação.  

As justificativas do voto do ministro Salomão seriam um risco às próximas disputas, mas está fundamentada na argumentação de que Auricchio não tinha ciência nem participou ativamente das doações irregulares. Não teria havido nem dolo nem má-fé do então candidato. “A perda do diploma decorreu do recebimento de recursos na conta de campanha sem que houvesse prova da capacidade financeira da doadora. Todavia, uma circunstância bem delineada no decreto condenatório permite concluir de forma indene de dúvidas que ele ostentou a condição de mero beneficiário do ato tido como ilícito” – considerou o magistrado. 

O voto do então ministro-relator Salomão foi acompanhado pelo voto de Edson Fachin, um dos três representantes do Supremo Tribunal Federal (STF) na Corte Eleitoral. Tudo indica que o agora ministro Mauro Campbell, também corregedor-geral do TSE, confirmará o terceiro voto a José Auricchio. Um novo corregedor-geral que vota como votou o então corregedor-geral formam uma dupla de estrondoso convencimento aos demais julgadores – não custa reforçar.   

O jogo talvez não termine com um placar semelhante ao de Brasil e Alemanha na Copa do Mundo de 2014, mas tudo indica que não será tão diferente. Ou existe alguma carta na manga do TSE que mudaria o rumo dos ventos?  

Se no jogo real da Copa do Mundo não há VAR que refaça o resultado, o que fazer diante do que se apresenta no TSE no Caso Auricchio, um VAR de terceira instância? Que o jogo prossiga, claro. Até a sentença final. Que tarda. Menos para Tite Campanella.



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