Política

Vereador Colombo afunda nos
sete mares de proposta infame

DANIEL LIMA - 08/12/2021

O vereador Marcio Colombo possivelmente faria sucesso como apresentador de talk show. Jovem, boa estampa, debochado, sarcástico, bem articulado ao unir frases de efeito imediato e postura cênica teatral, o tucano que ocupa uma cadeira no Legislativo, depois de eleito como suplente, arrumou uma maneira de chegar à notoriedade: quer a cassação de Celso Daniel, triprefeito de Santo André morto há quase 20 anos. Marcio Colombo não sabe o que faz. Não tem a dimensão do legado de Celso Daniel.

Retirar o nome de Celso Daniel do mais antigo, importante e simbólico parque de Santo André, como propõe Colombo, retomando-se denominação anterior, de Parque Duque de Caxias, já seria um acinte para quem defende a regionalidade do Grande ABC como expressão de um tratado que ainda precisa ser costurado e consumado. 

Quando se observa mais de perto a proposta, Colombo entra para o panteão exclusivo dos desorientados pela febre de notoriedade a qualquer preço.

Quem acredita que é impossível a proposta de Marcio Colombo prosperar provavelmente subestima a elasticidade idiossincrática do gênero humano. Aqui e ali, em cartas de leitores, brotam defensores da ideia. É uma turma que enxerga a ideologia acima de tudo nestes tempos de intolerâncias múltiplas. Ou gente que não viveu o suficiente para entender a história, que jamais começa em simetria com a data de nascimento de cada um. 

Se sete vidas tivesse, Marcio Colombo sucumbiria aos sete mares de insustentabilidade da medida que possivelmente, mesmo com pressões em contrário, será desprezada pelos pares da Câmara de Santo André. Ou provavelmente nem levada ao plenário. Os sete mares a que sucumbiriam as sete vidas de Marcio Colombo como agente público não encontrariam contraditório sustentável. Os argumentos de Marcio Colombo é uma embarcação furada. Um Ovo de Colombo às avessas. 

PRIMEIRO MAR 

O mar da temporalidade histórica é devassador. Tanto tempo depois de sacramentado como Parque Celso Daniel, em homenagem ao maior prefeito regional do Grande ABC, a denominação é de domínio público. Marcio Colombo alega em defesa do projeto que quem tem mais de 30 anos ainda se refere àquele espaço verde na Avenida D. Pedro II como Parque Duque de Caxias. De fato, os mais antigos, por assim dizer, ainda usam a nominação antiga. Da mesma forma que os mais jovens chamam o Parque Celso Daniel de Parque Celso Daniel. Fosse repetição do filme Feitiço do Tempo, Marcio Colombo teria alguma coerência ao formular a proposta, que não soaria tão desrespeitosa.

SEGUNDO MAR 

O mar da argumentação frágil se caracteriza na ideia sugerida por Marcio Colombo de que por denominar a Estação Ferroviária de Santo André e contar com o nome do pai Bruno José Daniel no Estádio Municipal, Celso Daniel já teria esgotado a cota de reverências públicas. Colombo criou um medidor de reconhecimento. Qualquer busca no Google é esclarecedora quanto a personagens da vida pública nacional que identificam praças, avenidas, escolas, pontes, viadutos e tudo o mais. O mar do escorregão nominativo mostra que o vereador Marcio Colombo não pesquisou o suficiente para defender o conceito de retorno de Duque de Caxias àquele espaço público. Da mesma forma que ciclicamente, num processo biológico-cultural, o Parque Celso Daniel ainda é chamado de Parque Duque de Caxias por camadas de faixa etária mais elevadas, no passado que já passou porque o passado sempre passa, o Parque Duque de Caxias era mais conhecido como Chácara da GE, em referência à General Eletric, indústria vizinha àquele espaço. Mais ainda: a Chácara da GE tomou a denominação da então Chácara São Luiz, que os moradores de um passado ainda mais distante mantiveram até perecerem. Seus herdeiros familiares, como os herdeiros familiares do Parque Duque de Caxias, se adaptaram à nova configuração nominativa. É provável que centenários resistentes à morte ainda chamem o local de Chácara São Luiz. 

TERCEIRO MAR 

O mar da desregionalização em que afunda a proposta do vereador Marcio Colombo é incalculavelmente nocivo à luta pela solidez de movimentos que tornam os sete municípios locais algo razoável como unidade regional. Tirar Celso Daniel do mapa do parque e voltar a Duque de Caxias, personagem importante da história do País mas sem qualquer ligação direta com esse espaço territorial, é um retrocesso histórico. Qualquer movimento no futuro, em séculos, que contemple novo troca-troca de denominação do parque e que, portanto, vise retirar a marca de Celso Daniel, sinônimo de Grande ABC, seria um atentado cultural. Movimentar-se agora, menos de 20 anos depois do assassinato do prefeito, é um uma aberração. 

QUARTO MAR 

O mar do oportunismo político é acintoso. Marcio Colombo procura holofotes. Ele faz parte de uma fauna política de jovens intrépidos que frequentam as mídias sociais com avidez, desassombro e ousadia. A facilidade e a empatia que destila em podcast o tornam diferenciado entre políticos do Grande ABC. Supera-os com facilidade no desempenho midiático. Marcio Colombo exibe performance Danilogentilesca. É um showman. Talvez embevecido pelos qualidades técnicas e pelo arcabouço intelectual em defesa do liberalismo econômico, Marcio Colombo tenha concluído que pode tudo, independentemente do contexto em que se mete. O sarcasmo rivaliza-se com a descontração verbal, numa junção magnetizadora, quando não encantadora, mas também cruel. Não é improvável que a estupidez da proposta de cassação de Celso Daniel junte algumas centenas de adeptos. Até porque pega carona no ambiente nacional de direita versus esquerda e vice-versa, maniqueísmo que redunda em mais versões e menos fatos. 

QUINTO MAR 

O mar do desrespeito social é intangível. A imagem de mártir de Celso Daniel transcende a objetividade de algoritmos. Independentemente dos motivos que levaram Celso Daniel a virar cadáver numa estrada vicinal de Juquitiba, na Grande São Paulo, encontrado que foi em 20 de janeiro de 2002, o então triprefeito e um dos homens de ouro do PT Nacional é um patrimônio emocional de Santo André. Qualquer sondagem pública sem manipulação encontrará Celso Daniel como nome sacrossanto. E por motivos mais que justos, embora acentuados pelo crime de que foi vítima. Propor a eliminação dos restos mortais de Celso Daniel das entranhas do parque é um terceiro assassinato, já que o segundo, como se sabe, foi cometido por aqueles que misturaram desvios administrativos e criminalidade ao politizarem o caso. 

SEXTO MAR  

O mar da ideologização da proposta de Marcio Colombo dilapida o suposto patrimônio intelectual desse bacharel em Direito de 43 anos. O revanchismo político nestes tempos de cólera midiática torna Marcio Colombo sequestrador do bom senso, quando não praticante compulsivo de haraquiri político. Há limites classificatórios e desclassificatórios à identificação de personagens políticos consagrados. Ao marcar terreno de oposição ao PT usando Celso Daniel como bucha de canhão, Marcio Colombo ultrapassou a barreira do som da sensatez. Transpassa, com a proposta, a ideia de que é uma legítima extensão da Lava Jato e de Sérgio Moro. Invade a área da mesquinhez. Com os mesmos 43 anos, Celso Daniel já passara por um mandato à frente da Prefeitura de Santo André e preparava-se para virar deputado federal. Marcio Colombo deveria olhar para o calendário gregoriano e traçar um projeto de homem público voltado às virtudes de Celso Daniel, muito, muito e muito superiores aos pecados reais e aos pecados inventados. 

SÉTIMO MAR 

O mar de olhar para o próprio nicho de admiradores e potenciais eleitores enfeitiça políticos que acreditam piamente na possibilidade de que não frequentam um ambiente pré-concebido à concordância tácita e, portanto, distante do escrutínio de terceiros não alinhados. Somente o anestesiamento tribal explicaria a iniciativa do vereador. Provavelmente essa mesma tribo entre tantas nas redes sociais demonstrará indignação ante as críticas. Sair do quadradismo dos próprios versos profanos é um desafio permanente nestes tempos de tecnologia democratizadora de pensamentos e ações. Marcio Colombo carregará o ônus do ataque à imagem e à memória de Celso Daniel enquanto a sociedade não perder de vista, passem e entrem gerações de Duque de Caxias, de Chácara da GE, de Chácara São Luiz, e do próprio Celso Daniel, que a história é dinâmica e reformadora, sem precisar, entretanto, ser adulterada na estrutura de reconhecimento social. Celso Daniel vive com ou sem um espaço como o parque que tem o seu nome, mas o Grande ABC viverá melhor se jogar no lixo uma ideia tão despropositada. 



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