Política

Paulinho Morando e Orlando
Serra: entenda essa mistura

DANIEL LIMA - 25/01/2022

Para concorrerem a qualquer coisa importante em outubro, a governador ou a vice-governador, Paulinho Serra e Orlando Morando precisam se desincompatibilizar dos cargos que ocupam. É nesse ponto que Orlando Morando vira Orlando Serra e Paulinho Serra vira Paulinho Morando. Vou explicar.  

Desincompatibilização é um palavrão que também pode ser identificado como renúncia. Significa em linhas gerais que Paulinho e Morando só terão elegibilidade se renunciarem às duas maiores prefeituras do Grande ABC – algo próximo a 60% do PIB Regional. Os dois estão no mesmo barco, portanto. Podem ter sobrenomes trocados sem problema algum do ponto de vista processual. 

O que se pergunta é se Paulinho Serra e Orlando Morando poderão jogar fora dois terços do segundo mandato. Terão segurança para tanto?  

TUDO OU NADA  

Quando se fala em segurança quer-se dizer o seguinte: nenhum cargo que não seja de governador ou de vice-governador é mais importante que o de prefeito na esfera estadual. As exceções individuais confirmam a regra geral.  

Há dois movimentos assimétricos a pautar as ambições de Orlando Morando e Paulinho Serra na temporada de votos deste 2022 -- e tanto um quanto outro dão no mesmo escoadouro.  

O primeiro movimento mantém os dois tucanos que pouco se bicam em disputas antagônicas: Paulinho Serra como eventual candidato a governador pelo PSD de Gilberto Kassab e Orlando Morando como candidato a vice-governador de Rodrigo Garcia, do PSDB. 

A candidatura de Orlando Morando, noves fora a desincompatibilização, é muito mais viável e, por isso, valorativa do que a de Paulinho Serra.  

CONSISTÊNCIA E ESPECULAÇÃO  

Morando teria sim consistência a um cargo de expectativa de um candidato a governador em que toda a máquina do governo do Estado vai entrar em ação. Ou já entrou em ação.  

Paulinho Serra é ainda e provavelmente não sairá de uma candidatura especulativa que eleva o prestigio popular interno em proporção muito maior que o encaminhamento prático.  

Transformando em miúdos: a candidatura de Orlando Morando é uma falta na entrada da área tendo um especialista pronto para a cobrança, enquanto Paulinho Serra é aquele atacante que, no meio de campo, vê o goleiro adiantado e prepara um chute lotérico. 

A outra vertente que poderia levar o Grande ABC à disputa estadual seria o que se propaga, mas que parece ainda em estado quase anestésico. Significaria a convergência de todos os prefeitos locais que vestem o azul e não o vermelho à formação de um exército em torno de Orlando Morando. 

DECIDINDO O FUTURO 

Há quem afirme que isso é possível. Tanto que escrevi outro dia sobre isso, mas o fato de ter ressurgido a possibilidade de Paulinho Serra concorrer com o suporte de Kassab e companhia indica mais pedras no caminho do que se pretendia para a coalizão regional.  

Até dois de abril, data-limite à renúncia regulamentada pelo Tribunal Superior Eleitoral, Orlando Morando e Paulinho Serra terão tempo, disposição e paciência para decidirem o que vão fazer da vida nesta temporada e nas próximas.  

Estariam propensos a ser Orlando Serra e Paulinho Morando ou manteriam as respectivas individualidades?  

UMA ENCRENCA  

Sou capaz de apostar que Paulinho Serra não se meterá numa encrenca porque essa mesma encrenca é mais para inglês ver do que para valer. Ou seja: em breve recorrerá a um discurso de impossibilidade de concorrer ao governo do Estado.  

Ou alguém tem dúvidas de que Paulinho Serra já teria faturado prestígio suficiente para sair relativamente vitorioso sem colocar nenhuma moeda em risco?   

Não se esqueçam do Complexo de Gata Borralheira regional. Muita gente de qualidade só tem a qualidade reconhecida ou anabolizada quando forasteiros se manifestavam favoravelmente.  

Forasteiros no caso não são quem vem de fora e trabalham na região, porque isso é besteira, xenofobismo provinciano. Forasteiro é quem é de fora e continua fora, mas dá palpites aqui.  

DOIS TERÇOS FORA  

Tudo indica que Paulinho Serra não entraria numa possível fria monumental, de perder 32 meses do segundo mandato. Ou alguém admite que ele teria mesmo força para virar governador do Estado, cargo que valeria a pena a decisão de renunciar ao Paço Municipal?  

Quanto a Orlando Morando, tudo indica que, até porque é muito mais provável que venha mesmo a reunir condições de virar vice-governador tucano, o andar da carruagem de pesquisas eleitorais determinará se o que se lhe apresenta no horizonte próximo é um prêmio especial de ocupar o Palácio dos Bandeirantes ou os cuidados e a sobriedade de quem sabe que o Paço Municipal de São Bernardo é valioso demais para ser abandonado antes da hora.  

PARA FRENTE, PARA TRÁS 

A observação que parece mais sensata nestas alturas do campeonato é que a política do Grande ABC deu um passo para a frente e outro para trás nos últimos meses.  

O passo para a frente se assegurou com a disputa das prévias do PSDB, nas quais Orlando Morando e Paulinho Serra ocuparam posições distintas. 

Enquanto Paulinho Serra cerrou fileiras em torno do gaúcho Eduardo Leite, dissidente de João Doria, o governador do Estado teve como escudeiro de sempre o amigo Orlando Morando. Deu Doria por margem de 10 pontos percentuais.  

Tratou-se de resultado nem elástico que pudesse desqualificar o derrotado, tampouco preocupante a comprometer liderança, imagem e caminhos pretendidos pelo governador paulista. 

VITÓRIA DUPLA  

Dessa forma, tanto Orlando Morando quanto Paulinho Serra saíram vitoriosos da disputa ao firmarem posições nos dois grupos mais representativos do PSDB no País. Tanto é verdade que não é burrice trocar os respectivos sobrenomes no saldo final da jornada. Paulinho Morando e Orlando Serra são resultados factíveis.  

O resultado das prévias tucanas não se trata de pouca coisa ao se considerar que os políticos do Grande ABC não passaram desde sempre dos próprios limites geográficos municipais. Quanto muito, deram aqui e ali um salto de regionalidade sem a retaguarda geral necessária e esperada.  

Esse gol de placa em matéria de representatividade dos dois prefeitos e também da política regional está sendo desidratado na medida em que a esperada conversão a uma mesma direção, com o apoio à candidatura de Orlando Morando, ganha rumo a uma bifurcação sem paralelismo produtivo. Morando segue Orlando e Serra igualmente Paulinho.  

RISCO DA DIVISÃO  

Correndo em raias separadas e, mais que isso, antagônicas, quando não suicidas, ou autofágicas, Orlando Morando e Paulinho Serra podem dar com os burros nágua. Se candidatos, fracassariam e perderiam os respectivos paços municipais.  

Nesta altura do campeonato não se pode acreditar que, estando em perfeito juízo cognitivo, Paulinho Serra e Orlando Morando decidam mesmo partir para o tudo ou nada, que é o caso da disputa estadual às cegas, ou no entusiasmo voluntarista. A mistura de sobrenomes é a síntese dessa crônica.  

Há, para estimulá-lo em sentido contrário, variantes que reduziriam o risco de estatelarem projeções ante rochedos de decepção.  

A candidatura de Paulinho Serra não faria refresco, mas com o PSD integrando enorme comitiva de agremiações sob a liderança do PT de Fenando Haddad ou do PSB de Marcio França, o alinhamento poderia redundar em vitória com farta distribuição de cargos no Estado. Inclusive de secretários de Estado. Que não tem o peso de uma Prefeitura de Santo André, insisto.  

Já no caso de Orlando Morando, tudo indica que não há alternativa complementar, pós-eleições. O seja: agremiações coligadas com possibilidades de sucesso que supostamente Rodrigo Garcia não obteria e que seriam, na sequência, manancial de poder no sentido mais amplo da palavra.   

VALE A PENA? 

Traduzindo tudo isso: a candidatura ao governo do Estado de Paulinho Serra é tão improvável na forma como no conteúdo; ou seja, não teria robustez para chegar ao segundo turno e dependeria de terceiros, do conjunto de aliados, para contar com um turno extra de comando no Palácio dos Bandeirantes.  

Já no caso de Orlando Morando, o pós-eleição é muito menos edulcorado porque o naufrágio numa eventual ausência no segundo turno tornaria impossível qualquer tentativa de conciliação estratégico-administrativo com os vencedores. 

O pior dos mundos para um Paulinho Serra que decida concorrer ao cargo de governador sabendo de antemão que não vai ser competitivo é ver seus aliados derrotados no segundo turno, porque ficaria sem nada na esfera estadual e desalojado do Paço Municipal. 

SEGUNDO TURNO  

O melhor dos mundos para Orlando Morando não se arrepender do arremetimento aparentemente suicida de concorrer a vice-governador é que se a máquina de votos do governo do Estado for ativada para valer, valendo-se entre muitos requisitos da longevidade à frente da população paulista, uma passagem para o segundo turno retiraria o PSDB da então terceira via eleitoral para uma primeira via praticamente vencedora.  

Paulinho Serra e Orlando Morando parecem, aos olhos menos adestrados, aqueles motociclistas que dividem e multiplicam espaços no globo da morte circense. Tudo indica que vão se trumbicar, mas aos magos da política, eles sairiam não só ilesos como também aplaudidos pela arte de dar um nó nas expectativas mais inquietantes. 

O pressuposto do troca-troca que resulta em Paulinho Morando e Orlando Serra é tanto uma tomada de decisão que os desloque das prefeituras em direção a urnas incertas ou que tanto um quanto outro desista da operação supostamente camicase.  

Talvez Orlando Morando siga Orlando Morando e Paulinho Serra, Paulinho Serra. O que pode prevalecer mesmo, caso Orlando Morando passe pelo escrutínio dos tucanos, é a candidatura a vice-governador na expectativa de crescimento das intenções de votos a Rodrigo Garcia.   

Quanto a Paulinho Serra, as perspectivas não são acolhedoras. Talvez seja muito melhor ficar onde está. Não se jogam fora 32 meses de mandato em troca de uma estrada indomável.



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