Esportes

Cartão postal (1)

DANIEL LIMA - 01/06/2009

Os jogadores do Santo André que enfrentaram o Atlético Mineiro num Mineirão barulhento na noite de sábado receberam horas antes do jogo a premiação pela derrota diante do Flamengo, no domingo anterior. Não há erro de informação neste enunciado: eles, os jogadores, receberam sim premiação, apesar da derrota para os flamenguistas. Da mesma forma que, eventualmente, podem deixar de receber prêmio por uma grande vitória na Série A do Campeonato Brasileiro. Essa é uma das mágicas do presidente Ronan Maria Pinto para manter a equipe focada nas metas traçadas.

Afinal, como funciona essa metodologia que transfere aos jogadores e Comissão Técnica dinheiro extra mesmo em caso de derrota, mas, em contrapartida, pode também dispensar pagamento após uma vitória, por mais retumbante que seja?

Simples: o presidente Ronan Maria Pinto traçou dois objetivos para a remuneração especial — até o quarto lugar ao final de cada rodada, o prêmio valerá o dobro em relação ao que será pago se a colocação da equipe flutuar entre a quinta e a 12a colocação. Se chegar entre os quatro primeiros colocados ao final da competição o Santo André estará na próxima Taça Libertadores. Da quinta à 12a posição, a vaga da Copa Sul-Americana do ano seguinte ajudará a preencher o calendário da equipe. As últimas quatro posições são desclassificatórias. Volta-se para a Segunda Divisão.

Para quem acompanha há muito tempo a cultura do futebol, a iniciativa da presidência do Santo André soa a ineditismo. Para quem não tem a menor intimidade com os bastidores do futebol, a medida pode parecer mais estranha ainda, porque enseja pagamento em caso de derrota e não-pagamento em caso de vitória.

Entretanto, quem entende de empreendedorismo reconhece o tamanho da criatividade. Os jogadores do Santo André têm amplas possibilidades de participar dos lucros, ou, mais propriamente, das receitas da equipe. O modelo tradicional de pagar o chamado “bicho” inteiro no caso de vitória, metade em situação de empate e nada no caso de derrota está sendo jogado às traças pela direção do Santo André. Troca-se o curto e também o médio prazo pelo resultado final da competição.

O Santo André aplica um conceito que muitos profissionais de outras áreas desprezam quando se trata de trabalho em equipe.

Na publicidade, por exemplo, uma equipe de vendas de uma publicação mensal, por exemplo, não pode ser estimulada a vender apenas a próxima edição. É preciso acrescentar outros aspectos nas projeções, além da estabilidade numérica dos meses seguintes (esticando-se, portanto, os contratos de publicidade), como alguns desafios de crescimento contínuo além da margem mínima de rentabilidade. Comissionamentos polpudos sem comprometimento com receitas mínimas sacrificam a organização até o último suspiro.

A medida aplicada pelo Santo André é uma ramificação do planejamento estratégico sob medida para o tipo de competição em disputa: serão 38 rodadas, que se estenderão até o começo de dezembro. É um tiro de longo alcance, uma maratona.

O campeonato exige implicitamente regularidade e monitoramento constantes, tanto de quem dirige quanto de quem entra em campo ou cuida técnica e taticamente da equipe. Olham-se os números do campeonato de maneira nada convencional. Não é a classificação pós-rodada que mais prende a atenção, embora seja o núcleo do processamento da premiação. Todos dirigem olhos e atenção para o médio e o longo prazos.

A repercussão no comportamento individual e coletivo pode ser projetada e dimensionada sem artifícios. Será sempre positiva porque multiplica as possibilidades de comprometimento com as metas traçadas. O fracasso só será compulsório se o grupo estiver muito abaixo das qualificações dos concorrentes.

São caudalosos os casos de equipes que se deram muito mal porque deixaram para escanteio a estabilidade gráfica de resultados. De que adianta um começo arrasador entremeado de derrotas constantes que comprometem o desempenho e cobram improváveis picos de sucesso na reta de chegada, quando o nível de estresse é muito maior?

A grande vantagem da premiação por colocação em vez da premiação necessariamente por resultado é que transforma o Santo André num conjunto com olhar muito além do próximo jogo, embora também o próximo jogo tenha muita importância. E, sobretudo, porque não admite a possibilidade, inerente à maioria dos competidores, de rebaixamento à Segunda Divisão.

Por que a maioria está de alguma forma inquieta com a viabilidade de disputar a Série B do ano que vem? Porque não há mais que seis ou oito equipes com reais possibilidades de chegar às primeiras colocações. As demais agremiações, se transgredirem demais a linha de risco configurada na reserva de 20% de vagas para a Segunda Divisão, acabarão caindo no caldeirão do rebaixamento. Corinthians, Fluminense, Palmeiras, Botafogo, Grêmio e Atlético Mineiro estão aí para comprovar.

O empate com o Atlético Mineiro deslocou a equipe para a 10a posição no campeonato, o que a mantém no núcleo de premiação por classificação. O jogo com o Santos nesta quinta-feira tanto pode recolocar a equipe numa zona mais confortável, que permitirá jogos menos tensos nas rodadas seguintes, como também a ameaça de queda abaixo da área de premiação. O empate também não é passaporte automático para o prêmio extra ao final da quinta rodada, porque a numeralha classificatória está embolada.

Notaram que o sistema introduzido mantém o Santo André de sensores ligadíssimos a cada rodada do Campeonato Brasileiro da Série A?

A rotatividade classificatória de boa parte dos 20 competidores é constante, principalmente nas primeiras rodadas. Nada indica que se prolongará até dezembro, embora também nada inviabilize teoricamente a possibilidade de a troca de posicionamentos se tornar uma rotina muito mais à frente, porque pelo menos 60% das equipes se assemelham em forças individual e coletiva. É aí, o que faz a diferença é a capacidade gerencial.

O sistema de premiação do Santo André isoladamente não fará milagre algum, mas num conjunto de acertos, é importantíssimo para a equipe continuar a surpreender e seguir como o melhor cartão postal do Grande ABC.


Leia mais matérias desta seção: Esportes

Total de 985 matérias | Página 1

05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André
26/07/2024 Futuro do Santo André entre o céu e o inferno
28/06/2024 Vinte anos depois, o que resta do Sansão regional?
11/03/2024 Santo André menos ruim que Santo André. Entenda
05/03/2024 Risco do Santo André cair é tudo isso mesmo?
01/03/2024 Só um milagre salva o Santo André da queda
29/02/2024 Santo André pode cair no submundo do futebol
23/02/2024 Santo André vai mesmo para a Segunda Divisão?
22/02/2024 Qual é o valor da torcida invisível de nossos times?
13/02/2024 O que o Santo André precisa para fugir do rebaixamento?
19/12/2023 Ano que vem do Santo André começou em 2004
15/12/2023 Santo André reage com “Esta é minha camisa”
01/12/2023 São Caetano perde o eixo após saída de Saul Klein
24/11/2023 Como é pedagógico ouvir os treinadores de futebol!
20/11/2023 Futebol da região na elite paulista é falso brilhante
16/10/2023 Crônica ataca Leila Pereira e tropeça na própria armadilha
13/10/2023 Por que Leila Pereira incomoda tanto os marmanjos do futebol?
10/10/2023 São Bernardo supera Santo André também no futebol
10/08/2023 Santo André prestes a liquidar R$ 10 mi de herança do Saged