Escrevi no artigo “O futuro do Ramalhão”, em 29 de julho último, um trecho que considero vital para a compreensão da acentuada queda de produtividade de pontos do Santo André na Série A do Campeonato Brasileiro. É algo tão importante que, na medida em que se torna mais cruel, mais engolfa a equipe, agora com novo treinador. Reproduzo as frases que sintetizam o arranjo técnico-tático da equipe do Grande ABC:
O Santo André paciente e inconveniente está deixando de existir. O Santo André está entregando de bandeja a vantagem psicológica aos adversários. Resolveu atribuir-se a responsabilidade de vencer o Grêmio em Porto Alegre, o Palmeiras no Parque Antártica e o Cruzeiro no Bruno Daniel. Só poderia dar no que deu. Ao abrir mão da tranquilidade de fazer do tempo aliado, o Santo André perdeu a capacidade organizacional do contragolpe, sua arma letal. Deixou de lado marcação mais opressiva, desperdiçou a liberalidade de passes em velocidade, abandonou a mortalidade dos contragolpes e direcionou inquietação à premissa de vencer a todo custo. Só poderia dar no que deu.
Três rodadas e apenas um ponto ganho depois daquele artigo, o Santo André viu reduzida a margem de manobra para escapar da zona de degola ao final do primeiro turno. Se antes dos últimos três jogos (empate com o Corinthians e derrotas para Goiás e Avaí) o Santo André contava com Índice de Produtividade de 40%, enquanto o primeiro da zona de corte de rebaixamento chegava a 31%, agora a diferença é de 35,29% a 31,37%.
Índice de Produtividade é o resultado da divisão de pontos conquistados pelos pontos disputados. As últimas temporadas do Brasileiro de pontos corridos construíram histórico de que quem alcança a faixa de 40% estará praticamente fora da tabela de jogos da Série B do ano seguinte.
A programação das equipes geralmente leva em conta que se alcance o máximo de pontos possíveis no primeiro turno, porque no segundo turno a situação costuma se agravar. Principalmente se houver na lista de possíveis rebaixados clubes de maior tradição. Quando mais acentuadamente uma equipe ultrapassar ao final do primeiro turno a marca de 22 pontos ganhos mais gordura teria para administrar se a preocupação principal for a fuga do descenso.
Será que o Santo André, com 18 pontos, conseguiria, nos dois jogos restantes, alcançar a margem pouco mais que a mínima necessária? Para isso teria de vencer os dois próximos jogos, Náutico em Caruaru e Internacional no Bruno Daniel. Se vencer um jogo e empatar o outro se instalará exatamente sob a risca de periculosidade da zona sombria do rebaixamento.
É exatamente este enunciado a raiz de complicações psicológicas do Santo André, cujas repercussões atingem fundamente a textura técnica e tática. A equipe doutrinada a jogar nos erros dos adversários na temporada passada e também no Campeonato Paulista deste ano deixou-se levar por certa empáfia de que poderia fazer o mesmo caldo com os mesmos jogadores.
O armamento metodicamente traiçoeiro de engabelar os adversários na troca de passes aparentemente lenta, das viradas de jogo de surpresa, principalmente com Marcelinho, e das bolas paradas, também com Marcelinho, além da movimentação de dois ou três atacantes rápidos, foi substituído pela obrigação de fazer o resultado, de tomar a iniciativa tática, de arriscar jogadas que normalmente eram obrigação da equipe adversária.
Em resumo, o Santo André estava acostumado a ser servido taticamente. Ficava a cavalheiro à espera do desgaste emocional do adversário, geralmente mais tradicional, geralmente com maior pressão para fazer o resultado. Agora se vê na condição de servir, de tomar a iniciativa. E esse é o grande problema, porque o Santo André não tem características de força física, de velocidade, de marcação mais dura, para colocar o adversário na defensiva. A leveza, a inteligência, a paciência, tudo isso que deu certo nas competições anteriores agora está colocado em xeque. Tanto que o técnico Alexandre Gallo clama por reforços.
A transposição do Santo André mais clássico para o Santo André mais impetuoso é complexa e talvez dê com os burros nágua. É possível que dois ou três reforços com características diferentes das dos titulares deem à equipe a velocidade e a agressividade tática desejada, mas quem garantir que esse será o resultado automático pode cair do andaime. Mexer na estrutura tática de uma equipe em plena competição, principalmente de forma radical, não é o mais aconselhado. Mas que alguma coisa deve ser feita, não há dúvida.
Um exemplo: o faz-quase-tudo Rômulo, reforço que imprime velocidade por onde trafega, não pode provocar rombos ou sobrecargas defensivas porque se manda para o ataque sem que tenha a devida cobertura do espaço que deveria ocupar como defensor. O Goiás venceu o Santo André nas costas de Rômulo e em contragolpes. Nada mais imperdoável para quem estava à frente no placar.
O repertório vencedor do Santo André malemolentemente fatal parece esgotado. Os adversários marcam as principais jogadas da equipe e, com isso, a manietam. Os resultados não são obra do acaso. Na Série A do Brasileiro o buraco é bem mais embaixo. As oscilações de Marcelinho Carioca, de atuação fulminante contra o Corinthians mas de opacidade brutal contra o Goiás, retratam as contradições do Santo André. Por mais que ele seja um mestre em contato com as bolas paradas e nos lançamentos, também sua força de influência se reduz individualmente e no conjunto quando a bicho do rebaixamento começa a pegar.
Como outras equipes do passado, o Santo André não pode se deixar levar pela maldição de debutante, que consiste na gangorra apressada de substituir, quase num passe de mágica, a euforia do Acesso pela depressão do rebaixamento.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André