O Santo André está descendo na tábua de classificação da Série A do Campeonato Brasileiro. Isto não significa necessariamente que vai ser rebaixado, mas também não significa necessariamente que não será rebaixado. O peso da concorrência que ocupa os últimos lugares é adicional de complicações porque, entre todos, o Santo André é o que menos entusiasma os torcedores e o que reúne menor carga de tradição. Ou alguém seria capaz de contestar essa versão quando se tem o Sport Recife, o Fluminense do Rio, o Coritiba centenário e o Náutico hoje no G-4 do Mal, e logo acima do Santo André, que é o primeiro sobrevivente da degola, estão Botafogo, Cruzeiro, Atlético Paranaense e Santos?
O São Caetano está subindo na tábua de classificação da Série B do Campeonato Brasileiro. Isto não significa necessariamente que vai subir para a Série A, mas também não significa necessariamente que não vai subir para a Série A. Embora com apenas duas décadas de existência, o São Caetano coleciona um título paulista, dois vice do Brasileiro e um vice da Libertadores da América. Um peso de tradição dentro de campo que supera equipes mais antigas mas menos ou muito menos colecionadoras de sucessos em competições nacionais, casos de Atlético Goianiense, Guarani de Campinas, Ceará, Portuguesa, Figueirense, Ponte Preta e Bragantino, que estão em postos avançados na classificação. Só o Vasco é exceção de meritocracia acumulada no âmbito nacional na relação de quem está acima do São Caetano na tabela.
O desempenho das duas equipes do Grande ABC nas competições mais importantes do calendário nacional em turno e returno é uma prova provada de que no futebol o que parece definitivo é provisório e o que é provisório torna-se descartável.
O Santo André saiu inteiraço da Série A do Campeonato Paulista, disputa na qual só não chegou entre os quatro primeiros colocados por conta da derrota na rodada final para a Portuguesa. Errou na mão quando achou que poderia melhorar. Fez brilhante início da Série A do Brasileiro ainda sob os efeitos do entrosamento do grupo, mas despencou aos poucos, na medida em que abandonava em vez de lapidar a tática de sucesso tanto na Série B do Brasileiro do ano passado como na Série A do Paulista deste ano.
E não venham dizer que são competições distintas e que não podem servir de base argumentativa para a Série A do Brasileiro porque estão aí Corinthians, Avaí e Bragantino como regra de que a manutenção do conjunto de jogadores é arma letal num futebol feito de mudanças sobre mudanças. Tanto é verdade que bastou ao Corinthians abrir mão dessa premissa para entrar em parafuso. No futebol brasileiro destes tempos as equipes mais estruturadas não se diferenciam acentuadamente porque as individualidades mais festejadas não costumam durar muito no calendário nacional. Quem consegue mantê-las ou resgatá-las acaba levando vantagem.
O São Caetano começou muito mal a Série B do Brasileiro, depois de capengar na Série A do Campeonato Paulista, mas caminha celeremente rumo ao G-4 depois da contratação do ex-zagueiro Antonio Carlos e de reforçar o elenco com jogadores que estão conseguindo esculpir uma cara tática feita sobretudo de qualidade técnica.
A maior diferença entre o São Caetano e o Santo André dentro de campo é que o primeiro achou o fio da meada que está levando os adversários à defensiva e à falta de opções para golpeá-lo enquanto o segundo perdeu o rumo porque parece ter-se deslumbrado antes da hora e agora está feito cego em tiroteiro. O São Caetano reagiu fora de campo a tempo de consertar o grupo dentro de campo. O Santo André agiu fora de campo a tempo de desconstruir o grupo dentro de campo.
Também pesa contra o Santo André o que parecia ser o diferencial e de fato o é quando e apenas quando a expectativa se consuma: Marcelinho Carioca é o centro nervoso da equipe, de seus pés sempre mágicos partem as melhores alternativas, mas a instabilidade de atuações e o peso dos anos o transformaram numa roleta russa para a sustentação da equipe.
O Santo André cometeu o equívoco de confundir amadurecimento com envelhecimento da equipe. Um Marcelinho Carioca e um Fernando na equipe são uma coisa. Agora, quando se recheia com Gustavo Neri, Rodrigo Fabri, Elvis e Pablo Escobar, acentuam-se os limites táticos e sobretudo o equilíbrio entre técnica e força de que a Série A não abre mão.
Já o São Caetano tem harmonia mais acentuada entre os jogadores, tanto na qualificação técnica quando na força física. Não existe uma estrela de primeiríssima grandeza a concentrar e a difundir o brilho que os demais capturam e que ganha a forma de energizante. As últimas rodadas revelaram um time em ascensão além dos resultados numéricos. Mesmo com a adversidade de sair em desvantagem no placar, a equipe reagiu sem desespero, sem pressa. Exatamente o que tem faltado ao Santo André, antes um catalisador de paciência e malemolência que ludibriava os adversários.
Faltando praticamente apenas um turno para o encerramento dos dois campeonatos, o São Caetano precisa elevar de 47,1% para 58% o Índice de Aproveitamento para alcançar pelo menos a quarta vaga classificatória à Série A do ano que vem. Essa produtividade é a marca divisória entre o G-4 do Bem e as equipes que nadarão, nadarão e morrerão na praia. É possível que com um pouco menos de produtividade se chegue à Série A, mas 58% é a garantia, porque, desde que a fórmula de pontos corridos foi introduzida no Campeonato Brasileiro, com acesso dos quatro primeiros, o Índice de Aproveitamento do quarto melhor colocado flutuou entre 53,5%, 51,8%, 55,3% e 56,3%. O São Caetano precisaria ganhar 42 pontos dos 66 que disputará até a última rodada, ou 63,6% de produtividade.
Já o Santo André precisa apertar o cinto para fugir do rebaixamento. Embora a estatística possibilite até mesmo que com menos de 40% de aproveitamento de pontos seja possível escapar da degola, essa é a marca que deve ser perseguida, o que significa que dos 60 pontos que ainda disputará, terá de conquistar pelo menos 27, ou 45% de produtividade.
Desde a implementação do rebaixamento dos quatro últimos colocados no Campeonato Brasileiro da Série A na Era dos Pontos Corridos, nenhuma equipe degolada registrou 40% dos pontos em jogo. O Grêmio de Porto Alegre caiu em 2003 como última equipe da linha de corte ao alcançar 36,2% dos pontos. Nos anos seguintes, sempre considerando a linha de corte, o Criciúma também caiu com 36,2%, o Coritiba com 38,9%, a Ponte Preta com 34,2% e o Corinthians com 38,6%.
Nessa troca de turno o que se percebe entre Santo André e São Caetano é que a biruta de resultados virou e jamais vira por obra do acaso. Erros e acertos gerenciais e técnicos sempre aparecem e não podem ser personalizados sob pena de se cometer injustiça avaliativa, como também não podem ser generalizados sob o risco da imprecisão. Não existe apenas um motivo para o sucesso nem todos os motivos para o fracasso.
O problema é que os erros individuais costumam agir como metástase, porque se propagam intensamente ao sabor da emotividade acelerada da caça às bruxas do futebol. Já os acertos individuais atuam em câmara lenta. O coletivismo intrínseco do futebol age como força opositora à autonomia dos valores individuais em prol do conjunto, numa espécie de efeito Tostines — que vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? É claro que um Ronaldo Fenômeno é a exceção da regra.
Não é por outra razão que uma obra de um time competitivo é demorada, paciente, detalhista, enquanto o desmoronamento é rápido, dolorido, fragmentador.
Como a maioria das coisas da vida.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André