Mesmo atirado às feras da zona do rebaixamento da concorridíssima Série A do Campeonato Brasileiro, o Santo André continua sendo o mais importante cartão postal do Grande ABC nesta temporada. O problema é que o cartão postal está desbotado e com carimbo de atualidade duvidosa.
A pergunta que mais se ouve é se a equipe vai conseguir safar-se da corda bamba. Quem viu os últimos jogos — e põe últimos jogos aí — não acredita em rede de proteção. O corpo já estaria estatelado. A alma já estaria encomendada.
Mais que perder, o Santo André desaprendeu a jogar, o que é muito pior. Perder por circunstâncias de jogo é uma coisa. Perder por inapetência de jogo é outra.
A derrota de domingo para um Santos quase sonolento foi uma calamidade que compromete ainda mais o percurso à recuperação.
O Santo André é um enfadonho grupo que imagina ser capaz de chegar ao gol adversário com jogadas mecânicas mal elaboradas e por isso mesmo previsíveis e neutralizáveis. Joga em câmara lenta como num passado de sucesso ainda recente. A diferença é que a câmara lenta de antes era um estilo de jogo que engabelava os adversários e os colocava a nocaute. Agora é uma caricatura inofensiva de falta de inspiração e de decisão.
Não pretendo desfiar aqui um rosário de explicações táticas para o Santo André ter desabado tanto na competição, depois de um bom começo. Mas há alguns pontos que deveriam servir de aprendizado.
Primeiro, o Santo André não teve humildade de disputar a competição de olho no fortalecimento do grupo para fugir do rebaixamento. Propagandeou uma vaga na Taça Libertadores sem levar em conta a regra que não se passa impunemente de uma divisão inferior para uma divisão superior. Criou com isso falsa expectativa de sucesso. A diferença entre uma divisão e outra é tão pronunciada quanto acreditar que um empreendedor de pequena empresa pode ser guindado de repente à direção de uma grande empresa. Tudo tem o seu tempo. Cinco das 10 equipes que subiram para a Série A desde a Era dos Pontos Corridos do Campeonato Brasileiro voltaram no ano seguinte para a Série B. O índice de mortalidade é grande.
Segundo, o Santo André abriu mão da maioria dos jogadores e da estrutura tática que o colocaram na condição de vice-campeão da Série B do Brasileiro do ano passado, atrás apenas do Corinthians, e também a um passo das finais da Série A do Campeonato Paulista deste ano. A negociação de jogadores importantes e, mais que isso, o excesso de contratações de jogadores durante a Série A do Brasileiro acabaram destruindo o que a equipe tinha de melhor – o conhecimento mútuo e a solidariedade organizacional. Sucessivas trocas de técnicos ampliaram os transtornos.
Experimente substituir três vezes no ano a secretária que cuida de seu dia-a-dia doméstico e veja o que acontece. No futebol ou na vida corporativa, os estragos são multiplicados.
Talvez haja mais pontos a serem considerados, mas basicamente o excesso de confiança e a gradual dissolução da equipe vencedora nas duas competições anteriores — ao contrário do que Barueri e Avaí fizeram depois de deixarem a Série B do Brasileiro do ano passado — estão muito acima dos demais.
A missão de ganhar sete de cada grupo de 15 pontos nos três minitorneios que escalonam a participação da equipe nas rodadas decisivas da competição agravou-se com a derrota na Vila Belmiro.
Agora, nos quatro jogos que restam do primeiro minitorneio, o Santo André continuará necessitando de sete pontos. Enfrentará o São Paulo em Ribeirão Preto e o Sport no Recife nas duas próximas rodadas. A margem de manobra se estreitará mais e mais à medida que não alcançar cada uma das metas. Quanto mais apertar o nó de produtividade, mais as possibilidades de permanecer na Série A desvanecerão.
Se o primeiro minitorneio de cinco jogos poderia assegurar alguma gordura ao segundo minitorneio, imagine o que acontecerá se a lógica for inversa?
Teoricamente os números não são uma caminhada sobre lâmina a 100 metros de altura, mas tecnicamente significam saltar de paraquedas num circulo retângulo de um metro de diâmetro em plena tempestade de areia.
O Santo André é um saco de gatos. Compartimentado, embaralhado, sem força física, vive de um Marcelinho Carioca individualmente brilhante, de uma ou outra estocada do versátil Rômulo, de um chute lotérico de Júnior Dutra e, francamente, nada mais. O poder de marcação é deficiente e expõe demais a defesa que cada vez convive com mais zagueiros e volantes-zagueiros, o que abre um buraco no meio de campo. O Santo André substituiu o tango com que se consagrou nas duas competições anteriores por um arrasta-pé desordenado.
Não arriscaria afirmar que o Santo André já dançou na competição, mas pretendo preservar a sanidade mental pública ao não declarar que tudo vai passar e nas próximas rodadas haverá reviravolta.
Se não terminar bem o primeiro minitorneio de cinco jogos em que se dividiu a reta de chegada de 15 confrontos, a recuperação nos dois minitorneios seguintes ficará ainda mais improvável. E sabem por quê? Porque o peso da torcida, da tradição, da arbitragem, da institucionalidade esportiva, acabará falando mais alto. Se nem o poderoso Corinthians, esfacelado fora de campo, resistiu, como resistirá o Santo André? Com os gatos pingados que comparecem ao Estádio Bruno Daniel, prova viva de que o Grande ABC vive uma crise de identidade jamais vista na história?
Por mais que o futebol profissional destes tempos seja um negócio, e isso não pode ser condenado, há determinados ingredientes dos tempos em que o futebol era romântico que continuam na moda.
Somente o apoio popular não resolve, mas em condições de semelhança de forças, ajuda a desequilibrar a balança. O Santo André não tem a respeitabilidade das arquibancadas para esmurrar qualquer mesa diretiva. Jogar fora de casa com o São Paulo é prova disso. Quem se confessa despreparado para receber uma grande equipe em casa num momento em que a familiaridade com o espaço de jogo ajuda a construir um resultado está assumindo a condição de despejado potencial da Série A.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André