Esportes

Crédito e desconfiança cabem bem

DANIEL LIMA - 18/09/2009

Uma pergunta: merece crédito a direção do Santo André neste momento em que a equipe flerta para valer e com desgosto com a Série B do Campeonato Brasileiro, levando-se em conta que nas duas últimas competições viveu dois acessos, da Série B para a Série A do Campeonato Paulista e da Série B para a Série A do Campeonato Brasileiro, destacando-se tanto num quanto noutro? É claro que merece crédito.

Outra pergunta: merece desconfiança a direção do Santo André neste momento em que a equipe flerta para valer e com desgosto com a Série B do Campeonato Brasileiro, levando-se em conta que nas duas últimas competições viveu dois acessos, da Série B para a Série A do Campeonato Paulista e da Série B para a Série A do Campeonato Brasileiro? É claro que merece desconfiança.

Calma, calma aos leitores mais apressados. Não há nada de equivocado nos dois enunciados. Nem equivocado nem necessariamente contraditório. Há mesmo sincronia fina, coerência.

Se o Santo André chegou aonde chegou literalmente nestas alturas do campeonato, ameaçadíssimo de rebaixamento a 14 rodadas do final da competição, não foi por obra do acaso.

Se o Santo André chegou ao mais equilibrado campeonato nacional do mundo, também não foi por obra do acaso.

Então, o que teria acontecido para mudança tão radical de cenário?

Talvez cometa o risco de ser interpretado por crime de simplificação, mas dou ao que se segue o qualificativo de concisão: o Santo André perdeu a humildade fora de campo, desmanchou-se em campo e segue praticamente ignorado nas arquibancadas. Tudo isso tem correlações.

No futebol, assim como na vida, o inebriar cego das vitórias pode custar a dor aguda do insucesso.

O Santo André abusou do direito de alterar o insumo mais precioso que determinou o sucesso nas duas temporadas: o equilíbrio coletivo em campo e o comedimento diretivo. Sem coletivo, essência do futebol, as individualidades estrebucham. Com coletivismo, as individualidades se sobressaem além do valor bruto de cada um.

Não chegaria ao ponto de afirmar que o presidente do Santo André Ronan Maria Pinto se deslumbrou com as temporadas anteriores, mas o desempenho da equipe não deixa margem a dúvidas: ele e os demais acionistas subestimaram as armadilhas que se anteporiam à notoriedade e a notabilidade alcançadas pelo Santo André.

A troca de comando da equipe, tanto de treinadores como da perda do assistente técnico Sérgio do Prado, agora no Palmeiras, quebrou parte da unidade do grupo. A dissolvição da personalidade tática, que de um tango maliciosamente indolente se entregou ao arrastapé improdutivo, extratifica a diferença entre sucesso e fracasso.

O Santo André perdeu a personalidade tática. As mudanças individuais na equipe, as indefinições frequentes na estruturação de jogo e uma sucessão de negócios fragilizaram o tônus coletivo.

O Santo André parece querer agarrar o mundo esportivo do Grande ABC. Assumiu o comando do Palestra de São Bernardo e está de olho no Grêmio Mauaense. A Saged, como é conhecido o empreendimento que dirige o futebol do Esporte Clube Santo André, ganha contornos de holding de negócios esportivos. É mais que provável que o Santo André tenha perdido em algum momento parte do grau de prioridade com que deveria ser monitorado pela presidência da Saged. O ganho de escala do empreendimento sacrificou o foco.

Da mesma forma que não se chega por acaso à Série A das duas principais competições do País, a derrocada atual não é fruto do maquiavelismo de árbitros, de conspiração dos adversários que pretenderiam apear da hierarquia uma equipe sem torcida, ou qualquer outra desculpa esfarrapada.

O Santo André paga o preço dos próprios erros. Cansou de bradar sem modéstia uma vaga na Taça Libertadores enquanto, em situação muito mais confortável há muito mais tempo, o Avaí de Florianópolis bate na tecla de permanecer na Série A.

O jogo deste domingo contra o São Paulo em campo adversário (quem duvida que Ribeirão Preto seja inteiramente tricolina?) poderá dar uma respirada mais profunda da equipe para fugir da zona de rebaixamento, mas também pode despachá-la de vez a um gueto do qual mais e mais se sentirá impotente à reação.

Ganhar do São Paulo é tudo que o Santo André precisa para reagir. E é exatamente esse o problema. Seria muito melhor se a equipe jogasse em casa contra o Fluminense. As possibilidades de dar uma sacudidela no incômodo classificatório seria muito maior.

A expectativa é de que o técnico Sérgio Soares tenha obtido o máximo de aproveitamento do grupo durante os treinamentos da semana no Interior. O grande condutor do acesso do Santo André à Série A do Campeonato Brasileiro é um arrumador do sistema defensivo. A organização territorial da equipe, com ocupação científica dos espaços, é uma arte que Sérgio Soares domina. As equipes que dirige costumam ser compactas. Mas é preciso que se lhe dê tempo e condições de trabalho. Uma semana é muito pouco, mas é muito melhor que nada.

Sérgio Soares demorou para chegar ao Santo André. Deveria ter vindo logo após a demissão de Sérgio Guedes, se motivos existissem de fato para a queda daquele treinador. Provavelmente com isso o Santo André já estaria com cara de time, não de rebotalho.

Para escapar do rebaixamento, levando-se em conta o histórico de produtividade das equipes das três últimas edições da Série A, que contaram com 20 participantes, é necessário fazer 45 pontos, ou 40% de aproveitamento. O Santo André precisa de 21 pontos em 14 jogos.

Ao dividir os 15 jogos restantes do campeonato (contando-se com o Santos no último domingo) em três minitorneios de cinco jogos cada, o Santo André terá de somar sete pontos em cada um dos ciclos. Ou seja: de cada 15 pontos, terá de ganhar sete para fugir do rebaixamento. A margem se estreitou com a derrota na Vila Belmiro. Agora precisa de sete pontos em 12 a serem disputados. Uma derrota para o São Paulo o obrigará a produzir sete em nove pontos nos três jogos restantes do primeiro minitorneio.

Perceberam que o cerco ao rebaixamento aperta para o Santo André de tal maneira que ganhar do São Paulo passou a ser obrigação matemática?

Foi precisamente por ter deixado desgarrar a tranquilidade de jogar com paciência, explorando a responsabilidade de equipes mais tradicionais, que o Santo André começou a se dar mal na competição.

O Santo André em fase de refazimento (é isso mesmo, refazimento) tático precisará se expor para somar os pontos de que carece na competição. Está nesse descompasso a maior de todas as complicações.

O Santo André está na mesma situação do piloto de automobilismo que sabe quantos pontos precisa somar para chegar a pódium, mas já não dispõe da alternativa de esperar pelos erros dos outros para alcançar o objetivo. Agora é preciso ousar, agredir, impor o ritmo. E a cada rodada poderá se agravar esse compromisso.

É aí que mora o perigo.

Para completar e enveredando por caminhos estatísticos, respondo ao ex-presidente do Santo André, Jairo Livolis, com quem me encontrei ontem à noite na festa de 42 anos do clube. Ele queria saber como estava a zona de rebaixamento da Série A do Brasileiro no ano passado, depois de 24 rodadas. Fui mais longe. Recuei também às edições de 2006 e 2007 que, como a do ano passado, contaram com 20 equipes e pontos corridos em dois turnos.

Das 12 equipes que frequentavam a zona de rebaixamento ao serem atingidas 24 rodadas nas três edições (quatro por edição), apenas um terço escapou da degola: o Goiás em 2006 (estava em 17o lugar com 29 pontos ganhos, ou 40,27% de produtividade e acabou na rodada final com 48,24%); o Náutico em 2007 (estava com 24 pontos e produtividade de 33,33% e acabou o campeonato com 42,98%); o Fluminense do Rio e o Atlético Paranaense no ano passado — os cariocas tinham 25 pontos ganhos em 24 rodadas e o Atlético Paranaense 23.

Ainda para quem quer mais detalhe: a linha de corte naquelas três edições da Série A do Brasileiro (ou seja, a equipe que iniciava a zona de rebaixamento) apresentava o Goiás em 2006 com 29 pontos ganhos, o Paraná em 2007 com 28 pontos ganhos e o Fluminense no ano passado com 25 pontos ganhos.

Já na linha de corte após a última rodada, e que definiu os rebaixamentos, a Ponte Preta acumulava 39 pontos ganhos (34,2% de aproveitamento) em 2006, o Corinthians 44 pontos ganhos (38,6% de aproveitamento) em 2007 e o Figueirense também com 44 pontos ganhos em 2008.

Por isso defendo a tese de 45 pontos ganhos como segurança absoluta à fuga do rebaixamento — ou 40% de aproveitamento. O Santo André conta com 33,3% de produtividade. Para chegar a 40% precisa ganhar 50% dos pontos que restam. Uma campanha semelhante a do Barueri até agora.


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