Esportes

Quem ama o Santo André?

DANIEL LIMA - 16/11/2009

O Santo André já entregou a rapadura da permanência na Série A do Campeonato Brasileiro, depois do apático jogo contra o Goiás. O Ramalhão assumiu publicamente que já caiu para a Série B. Nada mais sensato. Nada mais lamentável. E também nada mais lógico.

Faz tempo que o time caiu. Agora só falta a dosagem mortal da matemática. Ainda não escreveremos sobre o futuro do Santo André. O debate que proponho é outro: até que ponto o Santo André faz parte da sociedade municipal e regional? Até que ponto a sociedade municipal e regional merece o Santo André na
Série A?

Estou muito à vontade para escrever sobre o que chamo de institucionalidade do Santo André porque há muito me dedico ao tema. Somos uma região cada vez mais fragilizada em capital social e desconfio que não sairemos tão cedo do buraco em que nos metemos. O futebol faz parte desse processo e, como tal, sofre todas as consequências.

Nossa identidade social, esportiva, cultural e econômica é frágil e fragmentada, como escrevi há sete anos no livro “Complexo de Gata Borralheira”.

O Diário do Grande ABC, não por acaso de propriedade do presidente do Santo André, está costurando nova campanha que supostamente visa a elevar a autoestima regional, com o mote “Por que amo o Grande ABC”.

Nos tempos dos Dottos e dos Polesi, antecessores diretivos da publicação, o Diário do Grande ABC adotou o slogan “Meu Grande ABC” num período — meados da última década do século passado — no qual a região mais riquezas perdeu, sob o mandato do destruidor Fernando Henrique Cardoso. O Diário do Grande ABC procurou dourar a pílula do Grande ABC como a TV Globo insiste em tentar dourar a pílula do Rio de Janeiro. Tudo com a competência técnica de um grupo de jornalistas doutrinados a enxergar o que os triunfalistas propagandeavam aos sete cantos.

Do outro lado da trincheira, cá estava este jornalista num combate inglório que redundou nos livros “Meias Verdades”, “República Republiqueta”, “Na Cova dos Leões” e, principalmente, o primeiro da fila, “Complexo de Gata Borralheira”. Sem contar milhares de páginas na revista LivreMercado (não a “Deus me livre” de agora) e também no mundo digital.

Não pensem os leitores que não existe motivação para um grupo de acomodados detestar este jornalista. Eles estão atolados de motivos. Provavelmente enquanto eu viver eles me detestarão, porque serei sempre a lembrança viva de suas omissões, quando não de suas manipulações. O azar deles é que este endereço permanecerá no mercado editorial independentemente de seu responsável continuar neste mundo. Mas isso é outra história.

Nada contra a nova campanha do Diário do Grande ABC. Provavelmente há por trás da medida estudos de especialistas em sociologia e em negócios. Se forem apenas publicitários, correremos novos riscos, porque publicitários adoram superestimar verdades e esconder problemas. Alguns até fazem muito mais que isso, mas também isso é outra história.

O nó górdio é que larga parcela de especialistas em pesquisas desconhecem minúcias da região que vão muito além de números e de propostas pré-elaboradas. Mais que isso: querem vender simpatia, sorrisos, tudo que lembre o politicamente correto. Os resultados deverão ser fabulosos, senão na quantidade ao menos na qualidade sentimental das frases.

Pena que na maioria dos casos desse tipo de prospecção captam-se declarações materialmente improdutivas, sem a correspondente ação. Gostar do lugar onde se vive é algo tão automático como trocar marcha de veículo. O medo do desconhecido é uma das marcas registradas da espécime humana. Há os aventureiros que confirmam a regra.

Lembro que o Instituto Brasmarket realizou a meu pedido, em 2004, uma pesquisa que, entre outros pontos, procurava detectar o grau de satisfação dos moradores de cada Município do Grande ABC. Estava este jornalista Diretor de Redação do Diário do Grande ABC. Os resultados foram expressivamente satisfatórios. A maioria que mora no Grande ABC ama o Grande ABC. Há menor incidência de aprovação, sem comprometer a vantagem, nos municípios menos dotados de infra-estrutura pública e mais recheados de bolsões populares.

Moradores de outros endereços além-Grande ABC comportam-se de forma similar quando se trata de dizer o que acham do lugar em que estão estabelecidos.

São muitos os fatores que levam alguém a reconhecer-se satisfeito no endereço em que fixou raízes. Relacionamentos pessoais, familiares e profissionais pesam sobremaneira. Talvez menos que o natural egoísmo da propriedade imobiliária, sempre ultravalorizada.

Sugeriria, por essas e por tantas outras razões, que os marqueteiros de plantão redirecionassem baterias no sentido senão oposto mas mais fértil ao manifestado pela proposta do Diário do Grande ABC. Por que não saber o que individualmente os moradores estão contribuindo para o futuro do Grande ABC? Algo como:

“O que você está fazendo de bom para o Grande ABC?”

Não, não estou nem de longe convocando algo que se tornasse réplica dos fiscais de Sarney, como ficaram conhecidos os consumidores que lutaram brava e inutilmente pelo congelamento de preços do Plano Cruzado. Cidadania e engajamento a plano econômico não têm nada a ver, embora muitos fizessem crer naquele período de laçar gado no pasto.

Não estou convocando ninguém a perscrutar a vida alheia, a devassar a integridade de lideranças e supostas lideranças de vários setores e aferir se de fato são tudo isso que dizem. Não estou direcionando nada no sentido de desnudar gente que ocupa os mesmos cargos ou cargos assemelhados há muito tempo e produzem tão pouco.

Quero apenas e simplesmente que cada morador do Grande ABC diga exatamente o que está fazendo em favor da região, à parte interesses pessoais, familiares e profissionais?

Que exemplos cada um de nós temos a oferecer?

É aí voltamos ao Santo André e ao rebaixamento.

Quantas vezes o leitor esteve nos jogos do Santo André no Estádio Bruno Daniel neste ano?

As arquibancadas vazias durante praticamente toda a competição, exceto quando os visitantes dominavam a cena, são o testemunho mais fiel e doloroso de que ao menos no caso de Santo André, declarações de amor vão soar como enganação pura. Ou o futebol da cidade seria assim tão pouco importante?

O Grande ABC finge que se ama, mas está mesmo é de olhos e ouvidos na Capital tão próxima em quase todas as atividades humanas, inclusive no futebol.

Nosso Complexo de Gata Borralheira é muito mais grave do que supomos e admitimos.

Somos uma sociedade sem alma, uma periferia metropolitana que de vez em quando se mete a besta mas é incapaz de reconhecer e prestigiar os valores individuais que estão muito além de endereços tradicionais e que raramente aparecem na mídia.

Precisamos passar o Grande ABC a limpo, mas, convenhamos, isso é uma tremenda idiotice no campo prático.

Tenho razões de sobra para amar o Grande ABC mas não nego que tenho motivos de sobra também para, se necessário, deixar o Grande ABC.

Não sou como hipócritas que, enquanto manejavam discursos de louvação à região, preparavam as malas corporativas, profissionais e pessoais rumo à Cinderela da Capital tão próxima ou de redutos interioranos bem mais prósperos e tranquilos.


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