Escrevi ainda outro dia sobre o assunto, mas como o fiz de passagem, sem a menor preocupação com profundidade, com densidade de argumento, porque não era o foco da abordagem, acho que chegou a hora de matar a cobra e mostrar o pau de reflexões. O fato é que esses estudos ou supostos estudos que procuram decifrar o genoma de possibilidades matemáticas de classificação à Libertadores, de viabilidade ao título e mesmo de grau de risco de rebaixamento me parecem mais marketing do que qualquer outra coisa. É chutometria travestida de cientificismo.
Não desprezo essa metodologia que desconheço porque jamais é revelada, devo adiantar a todos. Pelo contrário: aprecio os resultados como torcedor, mas os contesto como profissional de comunicação porque exalam odor estranho de manipulação de emoções.
Até porque, por mais que ciências diversas conspirem cada vez mais num mundo cantado em verso e prosa no passado como puramente passional, o imponderável do esporte mais popular do mundo ainda dita as regras. Não fosse assim e, principalmente no caso do futebol brasileiro, de equilíbrio entre grande parte das equipes do principal campeonato nacional, os estragos que o Palmeiras sofreu contra os times que ocupam as últimas colocações seriam praticamente descartáveis.
Por falar nisso, basta buscar nos arquivos o quanto desmoronou a montanha de favoritismo palmeirense na Série A do Campeonato Brasileiro.
Tanto é verdade o que penso e escrevo sobre os bidus do futebol que desfilam numeralha de possibilidades das equipes, também o Fluminense tratou de desmoralizar a todos.
O time carioca só não escapou ainda do rebaixamento, mas que já constou da lista de inapelavelmente batido, isso todo mundo sabe. Menos mal a recuperação do Fluminense para os jornalistas que tropeçaram única e exclusivamente na associação de índice de produtividade e rendimento técnico, como este profissional.
Já os estatísticos que sobrepõem aos fundamentos analíticos técnico-táticos e classificatórios a armadura da cientificidade, esses quebraram a cara.
Pelo andar da carruagem dos dados que divulgaram já faz tempo, o Fluminense estaria morto e sepultado e, no entanto, está aí dependendo das próprias forças e dos gols do artilheiro Fred.
Não vou me pendurar aqui em argolas numéricas porque não tenho vocação a equilibrista ou a contorcionista. Poderia citar inúmeros exemplos de dança de números atribuídos pelos estatísticos de plantão, Tristão Garcia e Oswald de Souza, aos pretendentes ao título do Campeonato Brasileiro da Série A, aos que respiram possibilidades de chegar à Taça Libertadores e também aos que querem fugir da zona do rebaixamento. São números malucos, que crescem exponencialmente ou incrivelmente murcham de acordo com os resultados de cada rodada.
Ninguém me tira da cabeça que é um exagero.
Qual é a fórmula que leva um estatístico a garantir que determinada equipe tem tantos por cento de possibilidades de cair enquanto uma outra, com a mesma pontuação, soma mais ou soma menos percentual? Os jogos restantes da competição? Tudo bem, mas os jogos restantes da competição são vulneráveis sempre e sempre à próxima rodada. Então, está explicado: como os jogos restantes pesam nas avaliações, a cada rodada novas avaliações são necessárias. E assim se alimenta o dragão da especulação em forma de certezas numéricas.
Tudo isso pode parecer um samba do crioulo doido, mas não é. De fato, os chamados estudiosos da bola movem-se por leis de probabilidades cujos critérios eles mesmos criaram, cada um a sua maneira, estabelecendo pesos relativos geralmente subjetivos. E com isso deitam e rolam na cabeça dos torcedores. Não são charlatães, que fique bem claro. São apenas, diríamos, exacerbados estatísticos em busca de enredos mais improváveis quanto mais se manifestarem as travessuras nos gramados. Como nesta temporada na Série A, destruidora de prestidigitações.
O que de fato os matemáticos do futebol querem é transplantar para o ambiente esportivo a idéia de precisão ou quase precisão das pesquisas eleitorais. Se esquecem, entretanto, que os movimentos de intenção de votos são rigorosamente mais abalizados e confiáveis quando não se tem maracutaias a induzir o eleitorado. Os trancos numéricos são raríssimos. Diferentemente, portanto, dos dados semanais do Campeonato Brasileiro.
Nem mesmo a vitória de Aidan Ravin à Prefeitura de Santo André em outubro do ano passado entra na categoria de trancos raríssimos, apesar do fluxo silencioso que o retirou de 21% dos votos válidos e o levou a 55% em três semanas. A performance da maior zebra eleitoral que o Brasil já produziu desde a implantação de dois turnos se deu de forma forte e constante, sem que se parecesse em qualquer momento como vendaval. Nem mesmo o Ibope, em pesquisa publicada na véspera da votação em segundo turno, arriscou garantir a vitória do petebista, atribuindo à disputa empate técnico.
Os ares de respeitabilidade que os matemáticos pretendem conferir às probabilidades de cada equipe envolvida em postos mais sensíveis na classificação do Campeonato Brasileiro são uma espécie de teatralização para seduzir o distinto público. Suponho que o façam acreditando em formulações que lembram algum pó mágico. A precisão numérica faz parte do show como os números cheios ou com números decimais de previsão do PIB. Os matemáticos do esporte ainda não chegaram aos decimais provavelmente por pudores que os economistas não costumam ter.
Quem duvidar da febre por adivinhações esportivas que pesquise os pesquisadores da moda, retrocedendo no tempo para aferir o quanto já empinaram e rebaixaram números que lembram marimbondos enlouquecidos.
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05/08/2024 Conselho da Salvação para o Santo André